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OPINIÃO ECONÔMICA
Leilões do petróleo e outros mistérios
ALOYSIO BIONDI
Ao programar os leilões de
áreas para a exploração de petróleo, o governo havia concordado em receber preços mínimos de R$ 50 mil a R$ 150 mil
por elas. Realizados os leilões,
foram fechados negócios com
ágio de até 53.565%, com o pagamento de até R$ 150 milhões
por uma das áreas.
Alguns mistérios precisam ser
investigados pelo Congresso Nacional, nesse episódio, a partir
de algumas perguntas simples,
baseadas em um breve retrospecto de todo o processo: nos últimos meses, o presidente da
Agência Nacional de Petróleo,
David Zylbersztajn, disse que os
preços pedidos realmente eram
uma ninharia, "simbólicos".
Mas, argumentava, não havia
como aumentá-los, porque o petróleo estava a preços baixíssimos no mercado internacional,
dando a entender que as empresas multinacionais não estavam
interessadas em investir no Brasil, a não ser que ganhassem as
áreas "grátis", isto é, a preços
simbólicos.
Desde janeiro, porém, os preços do petróleo já haviam começado a subir no mercado mundial, chegando aos 40% de alta
em março/abril e aos 60% a
80%, para US$ 16 a US$ 18 o barril, em abril/maio. Aqui, surgem
as perguntas sobre o comportamento misterioso do sr.
Zylbersztajn: ele continuou defendendo os preços "simbólicos", em lugar de providenciar o
seu reajuste, com base na nova
situação internacional.
Por quê? Alguém pode acreditar que nesses meses todos o sr.
Zylbersztajn nunca, nunca mesmo, conversou com representantes das multinacionais e grupos
brasileiros que participariam
dos leilões, para perguntar-lhes
sobre sua disposição de pagar
preços mais altos? Como explicar, e está aí o grande mistério,
que o sr. Zylbersztajn nunca,
nunca tenha deixado de defender os preços simbólicos como
necessários? Ele não sabia que
havia grupos dispostos a oferecer ágios? E, atenção, nada de
ágios também "simbólicos", de
poucos milhares de reais, mas
ágios de 1.000%, 10.000%,
55.000%?
As decisões do sr. Zylbersztajn
precisam ser investigadas por
dois motivos, um deles assustador. Primeiro: mesmo que tenha
havido a oferta de "ágios", nada
garante que o preço obtido não
deveria ser mais alto, mesmo
porque (atenção) para algumas
áreas houve apenas um concorrente, isto é, ele "ganhou" com
um lance fixado a seu bel-prazer.
Ora, a história mostra que não
é tão raro assim que, em leilões e
concorrências, os interessados
façam acordos de bastidores, decidindo previamente quem vai
ficar com determinadas partes
do contrato e combinando os
preços a pagar. Portanto o fato
de o governo não ter fixado
"preço real", só o "simbólico",
impede que se tenha uma base
para avaliar se o lance foi justo e
deixa margem a dúvidas, que o
sr. Zylbersztajn certamente terá
prazer em esclarecer, ao Congresso, que certamente desejará
informações sobre outra dúvida,
a assustadora. Sobre o ágio.
O Tesouro paga
Em seu recente depoimento no
Senado, o secretário da Receita
Federal provocou estupor, com
duas informações sobre as privatizações. Segundo Everardo
Maciel, o Tesouro acaba pagando, ao "comprador", uma parte
do preço anunciado nos leilões.
Esse pagamento é feito de duas
formas: se a empresa ou banco
"comprado" tem prejuízos acumulados no balanço, o comprador pode "descontar" esses prejuízos dos lucros que ele, o grupo
"comprador", tiver nos anos seguintes, reduzindo portanto o
pagamento do Imposto de Renda. Isto é: na prática, é o próprio
Tesouro que paga a compra da
estatal vendida...
Essa vantagem absurda não
era nenhum segredo. Mas o secretário da Receita revelou outra aberração: quando o governo pede um preço de, digamos,
R$ 1 bilhão para vender uma estatal e o "comprador" oferece R$
2 bilhões no leilão, essa diferença, que é o tal ágio, também é
"devolvida" ao comprador, nos
anos seguintes, pelo mesmo mecanismo de redução do Imposto
de Renda. Vale dizer: isto é: o tal
"ágio" é uma invencionice, o dinheiro acaba saindo do Tesouro
no futuro... Ou mais claramente
ainda: no final das contas, com
a devolução do ágio, o preço
realmente pago pelo comprador
é aquele que foi pedido pelo governo.
Chega-se aqui ao ponto central e assustador do mistério dos
leilões das áreas de petróleo, que
o sr. Zylbersztajn deve esclarecer
ao Congresso: esse sistema de
devolução do ágio (ou qualquer
outra vantagem equivalente)
vai valer também para essas
operações? Se valer, isso significa que no final das contas o Tesouro vai receber mesmo somente aqueles ridículos preços simbólicos? Se for verdade, como explicar que os preços não tenham
sido reajustados quando a situação do mercado mundial de
petróleo mudou, para assim evitar que os ágios fossem tão grandes e depois devolvidos pelo governo? A repetição dos argumentos contra esse reajuste foi
uma farsa que durou meses, para garantir que os "compradores" receberiam o dinheiro de
volta, à custa do Tesouro? Mais
"privadoações"?
Aloysio Biondi, 62, é jornalista econômico.
Foi editor de Economia da Folha. Escreve aos
sábados no caderno Dinheiro.
E-mail: aloybi@homeshopping.com.br
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