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LETRA CAPITAL
Sayad busca "paidéia" da economia
GILSON SCHWARTZ
Da Equipe de Articulistas
Corre um comentário pelos
corredores da
FEA (Faculdade
de Economia e
Administração)
da USP: alguns
alunos dizem
não saber se o professor João Sayad prepara aulas pensando em
seus artigos ou se prepara seus artigos pensando nas aulas que vai
dar.
Achei isso bastante curioso e,
pensando bem, é uma boa chave
para entender os artigos publicados na Folha e que o professor e
banqueiro agora reúne em livro,
"Que País é Este?".
Sayad pensa e escreve sobre economia de um modo que poderia
ser aproximado ao que os gregos
definiam como "paidéia". Aliás,
no livro "Paidéia", clássico sobre o
assunto escrito por Werner Jaeger,
está dito que não é fácil traduzir esse termo. Cultura? Civilização? Sabedoria?
Em várias línguas, a expressão
virou parte de "pedagogia". Sayad
busca portanto uma forma bastante especial de pedagogia da economia. Mas não no sentido estrito de
tirar dúvidas técnicas sobre um assunto tão árido. Nem como tradutor do "economês" para a linguagem cotidiana.
Esses dois afazeres (esclarecimento e laicização de um saber
técnico) obviamente são parte da
pedagogia cidadã, mas o desafio é
muito maior e mais amplo. Diz
respeito à formação da opinião pública, condição mais que necessária à existência de alguma democracia.
Não chega a ser proselitismo,
mas é uma atividade claramente
comprometida politicamente. E
nem sempre "politicamente correta".
João Sayad com a palavra: "Prefiro os personagens que têm coragem de assumir contradições, realizar obras imperfeitas, esquecer
os efeitos cruéis de suas decisões
ou considerá-las inevitáveis. São
mais sinceros e talvez até mais humanos, mesmo na crueldade de
seus atos, do que os doutrinadores
e filósofos inatingíveis e superiores, protegidos pela lógica de suas
teorias".
Não concordo integralmente,
mas essa é uma atitude que me parece infinitamente mais digna que
outra, assumida tão frequentemente por economistas (em especial brasileiros que estudaram fora), que apostam suas carreiras em
filosofices supostamente neutras
ou ancoradas em profundidades
morais ilusórias, retóricas e oportunistas.
Sayad dando nome aos bois:
"Prefiro Napoleão a Danton; D.
Pedro 1º a Tiradentes; Getúlio Vargas a Eduardo Gomes; Stalin a
Trótski; Fidel Castro a Che Guevara; o "curriculum vitae" do ministro
Roberto Campos, um dos fundadores do BNDES e um dos autores
do Plano de Metas do Juscelino,
aos escritos do senador e deputado; o ministro Delfim Netto ao ministro Octavio Gouvea de Bulhões;
a prática de Gustavo Franco à sua
teoria".
De novo, não dá para concordar
com tudo. Mas faz pensar. E pensar, segundo os avanços mais recentes da psicologia cognitiva, é
uma das condições essenciais para
conseguir aprender. A outra é errar (e reconhecer o erro, outra "habilidade" rara entre economistas
brasileiros que já passaram pelos
gabinetes de Brasília).
Pedagogia do oprimido conduzida por um professor que é banqueiro? Bem, ao menos ele mesmo
assume que gosta de contradições.
Ocorre ainda que, desancando
quem se prende à lógica pura, Sayad é muito hábil numa das brincadeiras preferidas dos bons economistas: brincar com a lógica, jogar com os paradoxos e com a ironia. Assim se fabrica a heterodoxia. Abrindo-se ao erro e às opções
"sujas" da história, a lógica se revela como truque retórico. Faz pensar, sem parecer doutrinário.
A pedagogia aparece enfim como
provocação, deixando a cada um a
responsabilidade pelas escolhas
que forem feitas depois de alguma
reflexão.
Sayad diz ainda que gosta de
muitas coisas que não entende. Ler
esse livro não vai levar as pessoas a
gostar de economia. Mas vai ajudá-las a entender melhor o próprio
desgosto.
A OBRA
Que País é Este? - João Sayad.
Editora Revan Ltda. (avenida Paulo
de Frontin, 163, Rio de Janeiro, RJ,
CEP 20260-010, telefone 021/502-7495). 320 páginas.
E-mail: editora@revan.com.br
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