São Paulo, Sábado, 19 de Junho de 1999
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LETRA CAPITAL

Sayad busca "paidéia" da economia

GILSON SCHWARTZ
Da Equipe de Articulistas

Corre um comentário pelos corredores da FEA (Faculdade de Economia e Administração) da USP: alguns alunos dizem não saber se o professor João Sayad prepara aulas pensando em seus artigos ou se prepara seus artigos pensando nas aulas que vai dar.
Achei isso bastante curioso e, pensando bem, é uma boa chave para entender os artigos publicados na Folha e que o professor e banqueiro agora reúne em livro, "Que País é Este?".
Sayad pensa e escreve sobre economia de um modo que poderia ser aproximado ao que os gregos definiam como "paidéia". Aliás, no livro "Paidéia", clássico sobre o assunto escrito por Werner Jaeger, está dito que não é fácil traduzir esse termo. Cultura? Civilização? Sabedoria?
Em várias línguas, a expressão virou parte de "pedagogia". Sayad busca portanto uma forma bastante especial de pedagogia da economia. Mas não no sentido estrito de tirar dúvidas técnicas sobre um assunto tão árido. Nem como tradutor do "economês" para a linguagem cotidiana.
Esses dois afazeres (esclarecimento e laicização de um saber técnico) obviamente são parte da pedagogia cidadã, mas o desafio é muito maior e mais amplo. Diz respeito à formação da opinião pública, condição mais que necessária à existência de alguma democracia.
Não chega a ser proselitismo, mas é uma atividade claramente comprometida politicamente. E nem sempre "politicamente correta".
João Sayad com a palavra: "Prefiro os personagens que têm coragem de assumir contradições, realizar obras imperfeitas, esquecer os efeitos cruéis de suas decisões ou considerá-las inevitáveis. São mais sinceros e talvez até mais humanos, mesmo na crueldade de seus atos, do que os doutrinadores e filósofos inatingíveis e superiores, protegidos pela lógica de suas teorias".
Não concordo integralmente, mas essa é uma atitude que me parece infinitamente mais digna que outra, assumida tão frequentemente por economistas (em especial brasileiros que estudaram fora), que apostam suas carreiras em filosofices supostamente neutras ou ancoradas em profundidades morais ilusórias, retóricas e oportunistas.
Sayad dando nome aos bois: "Prefiro Napoleão a Danton; D. Pedro 1º a Tiradentes; Getúlio Vargas a Eduardo Gomes; Stalin a Trótski; Fidel Castro a Che Guevara; o "curriculum vitae" do ministro Roberto Campos, um dos fundadores do BNDES e um dos autores do Plano de Metas do Juscelino, aos escritos do senador e deputado; o ministro Delfim Netto ao ministro Octavio Gouvea de Bulhões; a prática de Gustavo Franco à sua teoria".
De novo, não dá para concordar com tudo. Mas faz pensar. E pensar, segundo os avanços mais recentes da psicologia cognitiva, é uma das condições essenciais para conseguir aprender. A outra é errar (e reconhecer o erro, outra "habilidade" rara entre economistas brasileiros que já passaram pelos gabinetes de Brasília).
Pedagogia do oprimido conduzida por um professor que é banqueiro? Bem, ao menos ele mesmo assume que gosta de contradições.
Ocorre ainda que, desancando quem se prende à lógica pura, Sayad é muito hábil numa das brincadeiras preferidas dos bons economistas: brincar com a lógica, jogar com os paradoxos e com a ironia. Assim se fabrica a heterodoxia. Abrindo-se ao erro e às opções "sujas" da história, a lógica se revela como truque retórico. Faz pensar, sem parecer doutrinário.
A pedagogia aparece enfim como provocação, deixando a cada um a responsabilidade pelas escolhas que forem feitas depois de alguma reflexão.
Sayad diz ainda que gosta de muitas coisas que não entende. Ler esse livro não vai levar as pessoas a gostar de economia. Mas vai ajudá-las a entender melhor o próprio desgosto.

A OBRA
Que País é Este? - João Sayad. Editora Revan Ltda. (avenida Paulo de Frontin, 163, Rio de Janeiro, RJ, CEP 20260-010, telefone 021/502-7495). 320 páginas.
E-mail: editora@revan.com.br



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