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São Paulo, sábado, 19 de julho de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

É preciso tirar o Brasil da falência

GESNER OLIVEIRA

É hora de aproveitar a reforma da Lei de Falências, cuja discussão deve se acelerar com a leitura do relatório do deputado Oswaldo Biolchi (PMDB-RS), prevista para a próxima terça-feira, para mudar o nome da norma. Em vez de Lei de Falências, poderia ser Lei da Recuperação. O objetivo central deveria ser a recuperação rápida de empreendimentos economicamente viáveis.
A atual legislação contém todos os incentivos no sentido contrário. Tudo conspira contra a viabilização de um negócio temporariamente em dificuldades e contra a permanência dos fatores produtivos no mercado. Em primeiro lugar, não há estímulo a medidas preventivas ou a repactuações com os credores que evitem o pior. A lei atual simplesmente proíbe que a empresa convoque os credores para uma renegociação! Assim como no caso surrealista do limite constitucional de 12% para os juros, há um abismo entre o mundo real e o mundo formal.
Em segundo lugar, o processo é tão lento que não há esperança de os diferentes tipos de credor recuperarem seus direitos. E, como os créditos trabalhistas e tributários têm precedência ilimitada, a probabilidade de reaver alguma coisa no final do processo é próxima de zero. Isso aumenta o risco do crédito e, consequentemente, seu custo. E naturalmente agrava o problema de coordenação inerente a processos falimentares de corrida dos credores aos ativos da empresa em dificuldade, comprometendo de uma vez por todas sua situação financeira.
O Banco Mundial oferece dados comparativos eloquentes a esse respeito. Uma amostra de legislações de 108 países pode ser avaliada de acordo com diferentes critérios técnicos. Segundo o estudo, um processo falimentar no Brasil demora em média dez anos! Isso coloca o Brasil próximo de países como Burkina Fasso (12), Bangladesh (12), Mali (12), Moçambique (12) e Índia (11,3) e muito distante dos EUA e do Japão, onde um processo da mesma natureza demora, em média, três anos no primeiro caso e seis meses no segundo. Ou mesmo da Costa Rica, onde a demora chega a 2,5 anos.
Em terceiro lugar, não se preserva o conjunto do empreendimento sob os atuais regimes de concordata ou falência. Não há nenhum mecanismo de transferência rápida de controle que impeça que disputas societárias terminem por dilapidar patrimônio construído ao longo de anos. Tampouco se garante que ativos essenciais sejam mantidos no processo produtivo, impedindo a paralisação da empresa, perda da carteira de clientes e destruição do valor dos ativos intangíveis.
Tal objetivo pode ser atendido reforçando os dispositivos do Projeto Biolchi (PMDB-RS) em três direções. Em primeiro lugar, e na esteira da legislação alemã, a norma deve ter forte caráter preventivo. Diferentemente daquilo que ocorre atualmente, as medidas preventivas devem ser estimuladas; a recuperação deve ser preferida à falência e, se possível, uma repactuação prévia é preferível à própria recuperação. Como se disse no início, a meta de uma boa lei de falência é evitá-la! Caso seja inevitável, que seja a mais rápida possível, liberando recursos produtivos para outros segmentos da economia.
Em segundo lugar, no caso de fracassar a recuperação, deve-se permitir a continuidade da vida da empresa sob o comando de outro controlador mediante a venda para novo investidor antes de o caso ir para a UTI, isto é, para a falência.
Daí a importância, entre outras razões, da eliminação do mecanismo de sucessão tributária nesses casos, para o que será necessária uma lei complementar. Como no caso da falência do Mappin, vários negócios deixaram de ser vendidos e acabaram fechados por receio de potenciais compradores de contrair uma obrigação tributária superior ao valor do ativo sob oferta.
Em terceiro lugar, deve-se garantir a celeridade dos procedimentos, conciliando-os com o tempo econômico. Assim, toda interferência ou burocracia desnecessária deve ser evitada.
A reforma em discussão no Congresso não pode se restringir a uma visão financista estreita de mera defesa de garantias de empréstimos. Naturalmente é lícito contemplar o respeito aos direitos das diferentes classes de credor, pois isso diminui no médio prazo o risco de crédito e, consequentemente, o custo do dinheiro. Mas a questão central não é essa.
O objetivo dessa reforma, como de resto do conjunto da política econômica, deveria ser estimular de forma eficiente a produção e o emprego.


Gesner Oliveira, 47, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.

Internet: www.gesneroliveira.com.br

E-mail - gesner@fgvsp.br


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