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OPINIÃO ECONÔMICA
É preciso tirar o Brasil da falência
GESNER OLIVEIRA
É hora de aproveitar a reforma da Lei de Falências, cuja
discussão deve se acelerar com a
leitura do relatório do deputado
Oswaldo Biolchi (PMDB-RS),
prevista para a próxima terça-feira, para mudar o nome da norma. Em vez de Lei de Falências,
poderia ser Lei da Recuperação. O
objetivo central deveria ser a recuperação rápida de empreendimentos economicamente viáveis.
A atual legislação contém todos
os incentivos no sentido contrário. Tudo conspira contra a viabilização de um negócio temporariamente em dificuldades e contra a permanência dos fatores
produtivos no mercado. Em primeiro lugar, não há estímulo a
medidas preventivas ou a repactuações com os credores que evitem o pior. A lei atual simplesmente proíbe que a empresa convoque os credores para uma renegociação! Assim como no caso
surrealista do limite constitucional de 12% para os juros, há um
abismo entre o mundo real e o
mundo formal.
Em segundo lugar, o processo é
tão lento que não há esperança de
os diferentes tipos de credor recuperarem seus direitos. E, como os
créditos trabalhistas e tributários
têm precedência ilimitada, a probabilidade de reaver alguma coisa no final do processo é próxima
de zero. Isso aumenta o risco do
crédito e, consequentemente, seu
custo. E naturalmente agrava o
problema de coordenação inerente a processos falimentares de corrida dos credores aos ativos da
empresa em dificuldade, comprometendo de uma vez por todas
sua situação financeira.
O Banco Mundial oferece dados
comparativos eloquentes a esse
respeito. Uma amostra de legislações de 108 países pode ser avaliada de acordo com diferentes critérios técnicos. Segundo o estudo,
um processo falimentar no Brasil
demora em média dez anos! Isso
coloca o Brasil próximo de países
como Burkina Fasso (12), Bangladesh (12), Mali (12), Moçambique
(12) e Índia (11,3) e muito distante
dos EUA e do Japão, onde um
processo da mesma natureza demora, em média, três anos no primeiro caso e seis meses no segundo. Ou mesmo da Costa Rica, onde a demora chega a 2,5 anos.
Em terceiro lugar, não se preserva o conjunto do empreendimento sob os atuais regimes de concordata ou falência. Não há nenhum mecanismo de transferência rápida de controle que impeça
que disputas societárias terminem por dilapidar patrimônio
construído ao longo de anos.
Tampouco se garante que ativos
essenciais sejam mantidos no
processo produtivo, impedindo a
paralisação da empresa, perda da
carteira de clientes e destruição
do valor dos ativos intangíveis.
Tal objetivo pode ser atendido
reforçando os dispositivos do Projeto Biolchi (PMDB-RS) em três
direções. Em primeiro lugar, e na
esteira da legislação alemã, a norma deve ter forte caráter preventivo. Diferentemente daquilo que
ocorre atualmente, as medidas
preventivas devem ser estimuladas; a recuperação deve ser preferida à falência e, se possível, uma
repactuação prévia é preferível à
própria recuperação. Como se
disse no início, a meta de uma
boa lei de falência é evitá-la! Caso
seja inevitável, que seja a mais rápida possível, liberando recursos
produtivos para outros segmentos
da economia.
Em segundo lugar, no caso de
fracassar a recuperação, deve-se
permitir a continuidade da vida
da empresa sob o comando de outro controlador mediante a venda
para novo investidor antes de o
caso ir para a UTI, isto é, para a
falência.
Daí a importância, entre outras
razões, da eliminação do mecanismo de sucessão tributária nesses casos, para o que será necessária uma lei complementar. Como
no caso da falência do Mappin,
vários negócios deixaram de ser
vendidos e acabaram fechados
por receio de potenciais compradores de contrair uma obrigação
tributária superior ao valor do
ativo sob oferta.
Em terceiro lugar, deve-se garantir a celeridade dos procedimentos, conciliando-os com o
tempo econômico. Assim, toda interferência ou burocracia desnecessária deve ser evitada.
A reforma em discussão no
Congresso não pode se restringir a
uma visão financista estreita de
mera defesa de garantias de empréstimos. Naturalmente é lícito
contemplar o respeito aos direitos
das diferentes classes de credor,
pois isso diminui no médio prazo
o risco de crédito e, consequentemente, o custo do dinheiro. Mas a
questão central não é essa.
O objetivo dessa reforma, como
de resto do conjunto da política
econômica, deveria ser estimular
de forma eficiente a produção e o
emprego.
Gesner Oliveira, 47, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br
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