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OPINIÃO ECONÔMICA
Lata d'água na cabeça
JOÃO SAYAD
Resolver problemas é mais fácil
do que formulá-los.
O problema econômico é conseguir o máximo do que a gente
gosta com o mínimo do que a
gente não gosta; o máximo de receita com o mínimo de custo.
Difícil é definir o que a gente
gosta e não gosta, o que é receita
e custo.
Há 20 anos que o desemprego é
alto no mundo inteiro enquanto
a produtividade da mão-de-obra
tem crescido.
Em economia, trabalho é considerado desagradável, é custo
necessário para produzir as coisas de que gostamos. Aumentar
a produtividade do trabalho é
aumentar o quociente de coisas
boas (produtos) por coisas ruins
(trabalho).
Jogador de futebol trabalha?
Podemos aumentar a "produtividade" da partida de futebol
economizando dois goleiros?
Jardineiro que planta canteiros
de amores-perfeitos trabalha? E
boiadeiro que senta no cavalo o
dia inteiro e fica passeando como
nos anúncios do Marlboro, trabalha?
Jornalistas, políticos e professores trabalham? Fazem o que não
gostam só para receber dinheiro
em troca?
Muitos amigos adoram cozinhar. Cozinheiro trabalha?
O músico encarregado da percussão, lá no fundo da orquestra,
que fica olhando atentamente o
maestro para dar uma ou duas
tamboriladas na hora certa, trabalha?
Trabalhar é transformar a natureza em algo com mais valor
ou utilidade. Árvore em mesa,
boi em churrasco, semente em
planta, planta em comida, pedra
em estátua.
Transformar a natureza -fazer arte, praticar esporte- é produtivo, mas não é desagradável,
não é custo. Muitos pagam para
fazer.
Talvez seja cansativo ou tenso,
se o restaurante estiver cheio, e o
cozinheiro não puder confundir
o pedido de bife bem passado
com o de malpassado. Mas o velejador na regata, o pescador de
alto-mar, o jogador de futebol e o
corretor da Bolsa procuram tensão. Não existem muitos prazeres sem tensão.
Executivos e burocratas controlam, coordenam e informam.
Não transformam a natureza,
apenas interagem entre si e outros trabalhadores. Gastam tempo escrevendo, telefonando, discutindo. Não trabalham como
um time, trabalham com os rivais. Precisam recolher informações porque todos escondem informações. Controlam porque
não confiam. Não confiam porque rivalizam. Executivo trabalha? Auditores , contadores, fiscais e consultores, trabalham?
Quando não competem no escritório, matam-se na quadra de
tênis. Pagam para trabalhar ou
rivalizar, como os que gostam de
jardinagem ou de cozinhar pagam para praticar seus "hobbies".
O trabalho dos executivos que
concorrem entre si não é produtivo. Se eu puxo a corda para cá, e
você, para lá, ficamos estressados, não dormimos direito, infartamos, e o trabalho resultante é
nulo. Não produz coisa alguma.
O trabalho realmente duro, desagradável e produtivo, é cada
vez menos frequente -mineiros
em minas de carvão que podem
explodir como em "Germinal",
lixeiros e catadores de lixo, limpadores de chaminé dos romances do Dickens, Maria com a lata
d'água na cabeça na música brasileira, lavar panelas depois do
jantar, limpar banheiros e algumas poucas outras coisas.
É trabalho para imigrante recém-chegado ou mal informado.
É mal pago e não compensa
substituir.
Diminuir a concorrência, a rivalidade e desempregar executivos rivais economiza custos, aumenta a produtividade.
Mas diminui o produto nacional -o desempregado não pode
mais competir, como um jogador
de futebol que não possa jogar ou
o gourmet que não possa cozinhar.
Substituir jardineiros, cowboys
e cozinheiros por robôs, laptops e
fornos eletrônicos pode aumentar os lucros do dono do negócio,
aumentar a produtividade da
empresa, mas diminui o bem-estar de quem gosta de fazer essas
coisas.
Desempregar dá lucro, do ponto de vista privado. Do ponto de
vista nacional, o emprego desnecessário não custa nada. O governo pode reduzir despesas se
demitir funcionários públicos.
Será lucro da mesma natureza
dos ganhos da especulação da
Bolsa de Valores -um ganha,
outro perde. É ganho privado e
não nacional ou social.
Será que o desemprego é problema porque diminui a produção? Ou porque exclui da festa do
trabalho?
É problema de "economia de
recursos" ou de discriminação
-não quero dar lugar para os
negros, as mulheres, nem as melhores posições para os estrangeiros nas empresas do Primeiro
Mundo, ou para os nativos nas
subsidiárias do Terceiro Mundo?
Sísifo foi condenado pelos deuses a carregar para o alto da
montanha uma imensa pedra
que sempre voltava a deslizar
para baixo. Sísifo era imortal e a
tarefa, sem fim. Foi castigo ou foi
a compaixão dos deuses que impediu que Sísifo ficasse eternamente desempregado?
João Sayad, 51, economista, professor da
Faculdade de Economia e Administração
da USP e ex-ministro do Planejamento (governo José Sarney), escreve às segundas-feiras nesta coluna.
Email: jsayad@ibm.net
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