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OPINIÃO ECONÔMICA
RUBENS RICUPERO
A fonte da nossa esperança
É possível imaginar para a
política econômica e social
alternativa viável que melhore o
crescimento e a distribuição sem
pôr em risco a estabilidade? Essa é
a questão-chave, o prato principal de jantares de empresários em
torno de estudos sociológicos sobre as próximas eleições ou entrevistas à Folha sugerindo que a
campanha se limite a debater a
continuidade, não a ruptura da
política atual.
A convicção de que não existem
alternativas reais leva alguns à
exasperação diante do que seria
mais uma excepcionalidade brasileira. Seríamos os únicos a tomar o assunto a sério, quando o
resto do mundo se teria resignado
à convergência e ao consenso.
De um lado a globalização das
economias e do outro o crepúsculo do comunismo e da social-democracia e, na América Latina,
do populismo tradicional tornaram anacrônica a escolha entre o
vermelho e o negro, reduzindo a
escala cromática a infinita variedade de matizes de cinzento. O
que era a princípio apanágio dos
Estados Unidos -um proletariado conservador, satisfeito com o
"status quo", dois grandes partidos que disputam e monopolizam
o centro- propagou-se à Europa,
a outros continentes, impôs o
"pensamento único", o "consenso
de Washington" e outras encarnações da neoideologia dominante.
Quando o fenômeno mal começava a emergir do ovo, no fatídico
ano de 1964, auge da escalada no
Vietnã, em plena Guerra Fria e
polarização ideológica, Herbert
Marcuse o antecipou com profética agudez em "O Homem Unidimensional", que tanta influência
teria sobre os estudantes de maio
de 1968. "Ensaio sobre a Ideologia
da Sociedade Industrial Avançada", conforme reza o subtítulo, o
livro analisava como o capitalismo moderno conduz a uma sociedade fechada porque uniformiza
e integra todas as dimensões da
existência, privada e pública.
Nessa sociedade, em que o reducionismo faz da produtividade o
valor supremo, o homem perdeu
sua capacidade crítica de negação e escolha, a possibilidade de
ser protagonista da "grande recusa". Os filósofos e cientistas adotam atitude não-crítica de quietude diante das instituições sociais estabelecidas. O pensamento
limita-se a si mesmo e estima que
tem razão Hobbes ao dizer que
"deve-se preferir o presente, defendê-lo e considerar que é o que
há de melhor".
Acontece que, no passado, o
conformismo de Kant e Hobbes
estava em contradição com a miséria e a injustiça predominantes
e essas acabavam por engendrar
o espírito crítico de contestação e
revolta. A situação só mudou
quando as necessidades básicas
passaram a ser satisfeitas pela sociedade de abundância e consumo, domesticando e assimilando
forças de oposição que se acomodam e amolecem no conforto do
consumismo. A conclusão de
Marcuse era, já então, de que: "Se
se considera o que são atualmente as classes trabalhadoras na sociedade industrial avançada, pode-se dizer que o conceito marxista de proletariado é um conceito
mitológico".
Mas, se essas condições encaminham a um relativo consenso nos
EUA e na Europa, até que ponto
seria realista esperar o mesmo em
país no qual os pobres e miseráveis somam 50 milhões de indivíduos, massa mais ou menos igual
às populações da Itália ou da
França? Está aqui o x do problema: a política atual seria a melhor ou a única para promover a
superação da pobreza e da desigualdade extrema no mais curto
prazo possível?
Ao redor dessa questão crucial
deveria conduzir-se o debate com
rigor, senso de medida e respeito
mútuo. É forçoso admitir, de início, que não é absurdo preocupar-se em preservar a estabilidade,
mesmo precária e relativa, em
terra de inflação crônica, viciada
em correção monetária, de fatal
atração por populismo frequentemente corrupto e demagógico.
Nessas matérias, as administrações de Itamar Franco e Fernando Henrique realizaram avanços
que convêm consolidar e aprofundar. Nesse sentido, é correto
insistir em que a inflação castiga
sobretudo os mais vulneráveis e
que um mínimo de estabilidade
não é plataforma da direita ou da
esquerda, mas aspiração válida
para o conjunto da sociedade.
Não quer isso dizer que a política econômica seja intocável. Afinal, ela foi culpada de erro colossal, que só corrigiu tarde e sob
pressão: a obstinação em manter
a moeda sobrevalorizada, negando a promessa de realismo contida no nome "real". Verificou-se
falsa também a premissa de que a
liquidez financeira internacional
de 92 a 94 era a regra permanente, não a exceção temporária, que
financiar déficits correntes fosse
problema do passado. No momento em que o financiamento
dos subdesenvolvidos declina de
US$ 338 bilhões em 96 para US$
168 bilhões no ano passado,
quando já se começa a suspeitar
que investir nos mercados emergentes está deixando de ser parte
do portfólio dos grandes fundos,
não seria suicida a política de teimar em apostar na volta da liquidez? Não teria sido factível adotar
política de competitividade exportadora que permitisse reduzir
a dependência financeira do exterior, como fizeram em dois anos
os asiáticos vítimas da crise de 97,
ou quase eliminá-la, como fazem
a China e a Índia? Não pense que
as perguntas tragam as respostas
embutidas. Como você, prezado
leitor, tateio no escuro e busco
certezas que não tenho.
Já não é a mesma minha atitude em matéria social. Um respeitado órgão oficial, o Ipea, demonstrou cabalmente que a desigualdade e a miséria não necessitam esperar por crescimento acelerado, mas podem ser atacadas,
aqui e agora, se houver vontade e
políticas corretas.
Os candidatos, do governo ou
da oposição, têm o dever de superar a tirania do "status quo". Como você e eu, como o sociólogo e o
economista, eles são privilegiados, pessoalmente desenvolvidos,
em terra de subdesenvolvimento.
Seria fácil e compreensível, mas
seria uma traição se deixássemos
que a situação de conforto pessoal
nos ditasse inconscientemente a
resignação em lugar da angústia
por alternativa difícil, mas melhor para os excluídos e marginalizados. É preciso que eles e nós
nos inspiremos na frase de Walter
Benjamin que fecha o livro de
Marcuse: "É apenas por causa daqueles que não têm esperança que
a esperança nos foi dada".
Rubens Ricupero, 64, é secretário-geral
da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento),
mas expressa seus pontos de vista em
caráter pessoal. Foi ministro da Fazenda
(governo Itamar Franco).
E-mail -
rubensricupero@hotmail.com
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