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OPINIÃO ECONÔMICA
FMI e Banco Central
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Descrito como "minimalista" pelo governo, quando do seu anúncio em agosto, o acordo com o FMI é, na verdade, bastante abrangente e contém diversos aspectos problemáticos, ou potencialmente problemáticos, como comecei a mostrar no artigo
da quinta-feira passada.
Um risco é que o acordo acabe servindo como instrumento para extorquir do próximo governo a independência do Banco Central. Como se sabe, a ortodoxia econômica, que tem no FMI um dos seus principais instrumentos práticos, costuma apresentar acentuada preferência por bancos centrais independentes ou autônomos, nos quais as diretorias têm mandatos fixos e segurança no
emprego. Essa preferência se verá
substancialmente reforçada na
hipótese, hoje bastante provável,
de que os eleitores brasileiros escolham um governo não tão afinado com o sistema financeiro internacional quanto o atual. Nesse
caso, a autonomia do banco central "protegeria" a política econômica de tendências, digamos,
pouco construtivas do governo
eleito.
Os documentos do novo acordo
com o FMI trazem alguns indícios
de que esse objetivo está de fato
presente. O acordo não diverge
substancialmente do figurino tradicional, mas apresenta uma inovação: a introdução de um "critério de desempenho estrutural",
que prevê a edição de uma medida de caráter legislativo até o fim
de deste ano: a conversão da contribuição social para o PIS (Programa de Integração Social) em
um imposto sobre o valor agregado ("Brazil - Technical Memorandum of Understanding", 29 de
agosto de 2002, www.imf.org).
No jargão do FMI, "critérios de
desempenho" são objetivos de política econômica, especificados no
memorando técnico de entendimento, cujo cumprimento constitui precondição para o desembolso de recursos. Normalmente, os
critérios de desempenho dizem
respeito a metas macroeconômicas quantitativas (resultados fiscais, dívida pública, dívida externa e reservas internacionais, por
exemplo), ficando a critério do
país definir os meios (legislativos,
administrativos etc.) para alcançá-las. Esse foi o padrão em todas
as cartas de intenção enviadas
pelo Brasil ao FMI desde 1998.
Agora, incluiu-se um critério de
desempenho de tipo diferente, de
caráter legislativo.
A medida em questão é defensável: há muito tempo que se pretende que tributos cumulativos,
como a Cofins e o PIS, sejam
transformados em tributos sobre
o valor adicionado. O problema é
o precedente que se cria. Esse tipo
de critério de desempenho, dito
"estrutural", abre espaço para
um aumento da ingerência do
FMI ao longo das diversas revisões do acordo recém-aprovado.
Há cinco revisões previstas no
acordo até novembro de 2003. É
perfeitamente possível que, nessas
revisões, apareçam novas metas,
exigências e critérios de desempenho.
Pela via dos critérios "estruturais" podem entrar a questão do
Banco Central e outras propostas
de legislação que têm sido objeto
de muita polêmica na sociedade e
no Congresso brasileiros. Registre-se que, no memorando de políticas econômicas, documento
que enuncia metas e compromissos de tipo diferente, não necessariamente vinculados a desembolsos, o governo brasileiro se comprometeu até mesmo a buscar
uma emenda constitucional: a
modificação do artigo 192 da
Constituição. "Isso permitiria",
explica o memorando, "que o
próximo governo submetesse ao
Congresso uma nova lei garantindo autonomia operacional para o Banco Central do Brasil". Na
área fiscal, o governo se compromete a buscar aprovação de legislação que permita cobrar a surrealista contribuição previdenciária de funcionários públicos
aposentados, entre outras medidas ("Brazil - Memorandum of
Economic Policies", 29 de agosto
de 2002, www.imf.org).
Se o próximo governo facilitar,
esses compromissos poderão migrar para o memorando técnico
em futuras revisões do acordo,
transformando-se em critérios de
desempenho "estruturais".
A proposta de independência
do Banco Central pode, em princípio, parecer atraente. Ela costuma ser justificada como um meio
de "despolitizar" a autoridade
monetária, assegurando a autonomia de dirigentes "técnicos",
cujo horizonte de decisão seria
mais longo do que o dos políticos
eleitos.
Na prática, essa proposta pode
resultar em algo bem diferente: a
transformação do Banco Central
em uma espécie de enclave do sistema financeiro internacional,
basicamente fora do alcance do
governo nacional. Dirigido por
uma tecnocracia apátrida e convertido em posto avançado do eixo Wall Street-Washington, o
Banco Central obedeceria, em
primeira instância, a comandos
externos, e não aos dirigentes políticos eleitos pelos brasileiros.
Em alguma medida, é o que já
vem acontecendo no período Fernando Henrique Cardoso. O que
se tentaria agora, via FMI, seria a
consolidação, em lei, do padrão
que predominou nestes últimos
oito anos.
Se esse cenário prevalecer, o
eleitor brasileiro, que se prepara,
neste momento, para participar,
feliz e contente, da "festa da democracia", descobrirá, depois de
algum tempo, que o modelo econômico está, na prática, solidamente blindado contra a sua vontade de mudança.
Paulo Nogueira Batista Jr., 47, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-SP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela é..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
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