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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Despedida do debate macroeconômico
MARIA DA CONCEIÇÃO TAVARES
Entre memórias em cacos e
controvérsias rasas, vai-se
produzindo uma cacofonia em
que a história e a conjuntura perdem qualquer significado e a minha energia de velha professora
vai se esvaindo. As fofocas jornalísticas estenderam o alcance das
colunas sociais à política e à economia. Poucos são os comentaristas, sobretudo os da televisão, que
resistem ao narcisismo de uma
"sociedade do espetáculo".
Deixo temporariamente de lado
as minhas memórias de cinco décadas de história brasileira e mundial celebradas neste 2004. Tento
concentrar-me na conjuntura e retomar mais uma vez o debate sobre política macroeconômica, apesar do cansaço que ele me provoca
por causa da recorrência aos vícios
ortodoxos e às explicações convencionais.
Aceitemos (para fins de discussão) que o Banco Central e o ministro da Fazenda estejam apenas
preocupados com a estabilidade
macroeconômica e deixem ao
"bloco desenvolvimentista" a luta
pelo emprego e o crescimento. A
busca dos "equilíbrios macroeconômicos" supõe levar em conta
políticas monetárias, fiscais e cambiais que são interdependentes e
não deveriam ser contraditórias
entre si, pelo menos no que tange
ao alto grau de endividamento interno e externo do país.
Os "gestores" da política macroeconômica não poderiam, portanto, ignorar algumas verdades
óbvias nem inverter o sentido das
determinações. Assim, por exemplo, se sobe o juro, sobe o serviço
da dívida, sobe o prêmio de risco.
Os efeitos da política monetária
"dura" pioram as necessidades de
financiamento do setor público.
Lá se vão as oportunidades de trocar dívida cara e de curto prazo
por dívida mais longa e mais barata. O ministro da Fazenda
(apoiado por notórios economistas conservadores) volta à carga
com a lógica invertida de aumentar ainda mais o superávit fiscal
para poder baixar os juros. Trata-se de uma "nova teoria": o ajuste
fiscal permanente e crescente!
Por outro lado, a gangorra entre
juros altos e serviço da dívida pública aumenta a permissividade
na apreciação cambial para fechar os saldos financeiros das contas de capitais. Onde fica a aposta
no aumento sustentado do superávit comercial e o saldo positivo
de transações correntes para
equacionar de forma estável o balanço de pagamentos e afastar a
vulnerabilidade externa?
Para a elite letrada que comanda o espetáculo, não existe a noção de contradição. Os porta-vozes
dos bancos defendem os seus interesses imediatos (juros altos e
câmbio apreciado) com risco de
matar a galinha dos ovos de ouro.
Já os "cientistas" do Banco Central, que deveriam representar os
interesses do Estado, raciocinam
de cabeça para baixo em matéria
de endividamento público. Será
que não se dão conta de que, a
pretexto de aumentar a "credibilidade", estão agindo apenas a favor dos credores? Estarão a serviço
deles e contra o país ou será apenas uma armadilha mental e uma
postura de arrogância (travestida
de independência) que não os deixam escutar os argumentos de
dentro e de fora do governo?
O "modelo" de metas de inflação
do Banco Central é baseado numa
precária função de produção em
que o "Produto Potencial" não tolera ultrapassar os limites de crescimento do PIB de 3,5%. Assim os
falcões do Copom (Comitê de Política Monetária) querem abortar a
retomada recente da economia,
convertendo-a num "vôo da galinha". Não fazem autocrítica da
meta de inflação para 2005 nem
estão dispostos a revê-la. Por outro
lado, o Tesouro, usando como "cobertura técnica" o acordo com o
FMI, não permite que os excedentes fiscais e financeiros do setor público sejam usados para expandir
o gasto em infra-estrutura. Ou seja, não permite que a produtividade sistêmica aumente e desloque
para cima o "teto do produto potencial". É a cobra mordendo o
próprio rabo!
As políticas monetária e fiscal,
ambas "duras", são visivelmente
contraditórias com os demais objetivos da política econômico-social. As duas pernas da política
macroeconômica agem como se
fossem independentes e "neutras",
mas concorrem para bloquear o
crescimento sustentado e a expansão do gasto social. Quando a política monetária de juros altos diz
"mata!", a política fiscal diz "esfola!", num jogo de cumplicidades
que não leva a lugar nenhum.
Ocorre-me uma imagem futebolística: o Copom manda a bola alta dos juros e o Tesouro a segura
no peito. O jogo tem dois pontas-direitas recuados que, de vez em
quando, embaralham as pernas e
fazem gol contra. A galera que assiste ao jogo pode vaiar à vontade.
A turma do desenvolvimento que
estava no aquecimento é barrada.
Como não são robôs, têm o direito
de espernear, mas o capitão da
"equipe de reservas" leva cartão
amarelo do árbitro e notinhas desabonadoras da grande imprensa.
Sindicalistas e empresários querem o jogo cooperativo das "políticas de rendas". Propõem metas
pactadas de produção e preços para desfazer os pontos de estrangulamento e impedir que a inflação
pontual ou setorial se espraie com
o crescimento da demanda. Logo
são acusados de demagogos e populistas pelos colunistas de plantão ou desqualificados por obsoletos. Fala-se de "política de rendas"
para segurar a inflação baixa e
são citados os fracassos do período
de hiperinflação da década de 80.
Outra vez os cacos da memória fora do tempo e do lugar!
Depois de mais de 40 anos de luta intelectual no campo da heterodoxia e de militância nas lutas democráticas populares e nacionais,
ainda não desisti das lutas maiores. Mas a minha contribuição ao
"jornalismo econômico", iniciada
há 12 anos neste caderno, está chegando ao limite. Para escrever
meu artigo mensal sinto-me obrigada a ler centenas de matérias
econômicas que proliferam na
grande imprensa, o que é extremamente desgastante e pouco
produtivo. Devo, portanto, encerrar esta etapa da minha vida e
poupar as energias que me sobram para as únicas tarefas a que
nunca me neguei.
Maria da Conceição Tavares, 74, economista, é professora emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
professora associada da Universidade de
Campinas (Unicamp) e ex-deputada federal (PT-RJ).
Internet:
www.abordo.com.br/mctavares
E-mail -
mctavares@abordo.com.br
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