São Paulo, quinta-feira, 19 de dezembro de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

As lágrimas amargas de Heloísa Helena

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Não conheço a senadora Heloísa Helena. Pouco sei sobre a sua trajetória política e as suas divergências com a cúpula do PT. Não sou do PT e nada tenho a ver com isso.
Mas as suas lágrimas foram impressionantes. Não é fácil chorar com dignidade e estilo. Nem todos conseguem. As lágrimas da senadora valeram mil discursos e mil protestos.
Ainda bem que ela não compareceu à sabatina de Henrique Meirelles na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Foi um momento constrangedor. O futuro presidente do Banco Central deu um verdadeiro "show" de lealdade às políticas, teses e preconceitos do governo Fernando Henrique Cardoso. Vale dizer: prestou todas as homenagens possíveis e imagináveis à "sabedoria" do mercado. O resultado das urnas foi solenemente ignorado.
Compreende-se que os homens do futuro governo tenham a preocupação de acalmar o mercado financeiro. Mas, convenhamos, há limites para o que se pode prometer ao mercado sem perder a confiança do eleitor.
Lula foi eleito, recorde-se, para dar um novo rumo ao país e à sua economia. Na campanha de 2002, todos os candidatos, até mesmo o do governo, fizeram campanha sob o lema da mudança. Não por acaso: os brasileiros perceberam que a orientação econômica dos últimos oito anos não oferece futuro para o país.
O que se salva da política econômica do período FHC? Pouca coisa. A economia cresceu a taxas medíocres, aumentou o desemprego, aumentou a dívida pública, o país se endividou externamente e tornou-se cronicamente vulnerável e dependente de capital estrangeiro. Nos últimos meses, descobrimos, estarrecidos, que nem a inflação está sob controle!
Não obstante, segundo o futuro presidente do Banco Central, a política econômica do governo FHC "trouxe progressos consideráveis ao Brasil". Coerente com essa avaliação, Meirelles prometeu seguir à risca as diretrizes da política atual do Banco Central.
Ora, o Banco Central responde no Brasil por uma parte muito apreciável da política econômica. Como conciliar a promessa de Meirelles com o compromisso de mudança assumido pelo presidente eleito durante a campanha?
Os cínicos dizem e repetem que campanha é uma coisa, governo, outra completamente diferente. É a falsa esperteza. O governo que ignora os seus compromissos centrais de campanha está fadado ao insucesso.
Meirelles não se contentou em render homenagens ao governo que sai. Afirmou, ainda, que o presidente eleito teria concordado em enviar ao Congresso um projeto de lei concedendo autonomia ao Banco Central. O presidente e os diretores do Banco Central passariam a ter, segundo Meirelles, mandatos fixos, garantidos em lei.
Como ignorar o que isso significa na prática? O Banco Central é uma das instituições mais poderosas do país. Vale muito mais do que a grande maioria dos ministérios. Da sua atuação depende o sucesso ou o fracasso da política econômica e, portanto, do governo como um todo.
O que está em curso, aparentemente, é uma operação para retirar o Banco Central do controle direto do poder eleito. Munidos de mandato fixo, os diretores do Banco Central passariam a operar em faixa própria.
Se isso se confirmar, estaremos diante do caso insólito de um governo que começou a renunciar antes de tomar posse.
P.S: este artigo já estava concluído quando recebi a notícia de que o porta-voz do presidente eleito, André Singer, retificou a informação dada por Henrique Meirelles quanto à concessão de mandato para a diretoria do BC. Segundo Singer, a decisão ainda não foi tomada.


Paulo Nogueira Batista Jr., 47, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-Eaesp, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).

E-mail - pnbjr@attglobal.net


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