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OPINIÃO ECONÔMICA
As lágrimas amargas de Heloísa Helena
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Não conheço a senadora
Heloísa Helena. Pouco sei
sobre a sua trajetória política e as
suas divergências com a cúpula
do PT. Não sou do PT e nada tenho a ver com isso.
Mas as suas lágrimas foram impressionantes. Não é fácil chorar
com dignidade e estilo. Nem todos
conseguem. As lágrimas da senadora valeram mil discursos e mil
protestos.
Ainda bem que ela não compareceu à sabatina de Henrique
Meirelles na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Foi
um momento constrangedor. O
futuro presidente do Banco Central deu um verdadeiro "show" de
lealdade às políticas, teses e preconceitos do governo Fernando
Henrique Cardoso. Vale dizer:
prestou todas as homenagens possíveis e imagináveis à "sabedoria"
do mercado. O resultado das urnas foi solenemente ignorado.
Compreende-se que os homens
do futuro governo tenham a preocupação de acalmar o mercado financeiro. Mas, convenhamos, há
limites para o que se pode prometer ao mercado sem perder a confiança do eleitor.
Lula foi eleito, recorde-se, para
dar um novo rumo ao país e à sua
economia. Na campanha de 2002,
todos os candidatos, até mesmo o
do governo, fizeram campanha
sob o lema da mudança. Não por
acaso: os brasileiros perceberam
que a orientação econômica dos
últimos oito anos não oferece futuro para o país.
O que se salva da política econômica do período FHC? Pouca
coisa. A economia cresceu a taxas
medíocres, aumentou o desemprego, aumentou a dívida pública, o país se endividou externamente e tornou-se cronicamente
vulnerável e dependente de capital estrangeiro. Nos últimos meses, descobrimos, estarrecidos,
que nem a inflação está sob controle!
Não obstante, segundo o futuro
presidente do Banco Central, a
política econômica do governo
FHC "trouxe progressos consideráveis ao Brasil". Coerente com
essa avaliação, Meirelles prometeu seguir à risca as diretrizes da
política atual do Banco Central.
Ora, o Banco Central responde
no Brasil por uma parte muito
apreciável da política econômica.
Como conciliar a promessa de
Meirelles com o compromisso de
mudança assumido pelo presidente eleito durante a campanha?
Os cínicos dizem e repetem que
campanha é uma coisa, governo,
outra completamente diferente. É
a falsa esperteza. O governo que
ignora os seus compromissos centrais de campanha está fadado ao
insucesso.
Meirelles não se contentou em
render homenagens ao governo
que sai. Afirmou, ainda, que o
presidente eleito teria concordado
em enviar ao Congresso um projeto de lei concedendo autonomia
ao Banco Central. O presidente e
os diretores do Banco Central
passariam a ter, segundo Meirelles, mandatos fixos, garantidos
em lei.
Como ignorar o que isso significa na prática? O Banco Central é
uma das instituições mais poderosas do país. Vale muito mais do
que a grande maioria dos ministérios. Da sua atuação depende o
sucesso ou o fracasso da política
econômica e, portanto, do governo como um todo.
O que está em curso, aparentemente, é uma operação para retirar o Banco Central do controle
direto do poder eleito. Munidos
de mandato fixo, os diretores do
Banco Central passariam a operar em faixa própria.
Se isso se confirmar, estaremos
diante do caso insólito de um governo que começou a renunciar
antes de tomar posse.
P.S: este artigo já estava concluído quando recebi a notícia de que
o porta-voz do presidente eleito,
André Singer, retificou a informação dada por Henrique Meirelles
quanto à concessão de mandato
para a diretoria do BC. Segundo
Singer, a decisão ainda não foi tomada.
Paulo Nogueira Batista Jr., 47, economista, pesquisador visitante do Instituto
de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-Eaesp, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial,
3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
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