São Paulo, terça, 20 de janeiro de 1998.



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OPINIÃO ECONÔMICA
Há luz no fim do túnel

FERNANDO TADEU PEREZ
Foram mais de 30 dias de tensão, de explicações, de reuniões que avançaram pela noite, de entrevistas, de declarações, de contas e mais contas, mas valeu a pena. Na "batalha" que não houve entre a Volkswagen e os sindicatos de metalúrgicos do ABC e de Taubaté não houve vencedores nem vencidos.
Venceu, isto sim, o bom senso, o discernimento, a visão de que somos simples peças de um jogo de xadrez no qual o que vale não é o xeque-mate, mas a permanência de um maior número possível de peças no tabuleiro.
A Volkswagen foi acusada de fazer chantagem, de utilizar métodos "terroristas", de usar um momento particularmente difícil da vida econômica brasileira para recuperar seu "atraso", sua "incompetência", seus "métodos obsoletos", sua "tecnologia atrasada", sua "fábrica jurássica", para citar apenas alguns dos adjetivos empregados por "especialistas" e "estudiosos" da indústria automobilística. Ledo engano.
A Volkswagen e os dois sindicatos, mais do que ninguém, sabiam da real situação. A fábrica obsoleta, por exemplo, foi a que mais produziu automóveis no Brasil até hoje, é a que emprega o maior número de pessoas no país em um só local, é a que possui o único -repito, o único- centro de desenvolvimento de engenharia da América do Sul capaz de criar, projetar e desenvolver um automóvel.
E mais: a única que oferece salários compatíveis aos da elite brasileira (e isso quem afirma não somos nós, é o Ipea), a que se dá ao "luxo" de oferecer refeições a R$ 0,90 e a ter mais linhas de ônibus para transportar seus colaboradores do que a própria Prefeitura de São Paulo!
Jamais passou pela cabeça dos responsáveis pela Volkswagen deixar uma instituição como essa sucumbir. Também não acreditamos que esse seja o desejo dos governos federal ou estadual, muito menos dos trabalhadores.
Temos de promover reformulações? Óbvio, como todos os demais setores da economia. O mundo globalizado está cada vez menor e o que era "up-to-date" ontem hoje é obsoleto. As transformações vividas pelo mundo tecnológico obrigam a antecipar cada vez mais o que só pensaríamos em fazer amanhã.
Sabemos disso. Os trabalhadores sabem disso.
Não cansamos de dizer a todos os ouvidos que não pretendíamos fazer demissões; não pretendíamos deixar colaboradores da Volkswagen, como nós, em situação difícil.
Chegaram até a escrever que o diretor de recursos humanos da Volkswagen, representado por mim, era um "sádico", que sorria enquanto promovia demissões. Mal sabem esses mal-informados que estávamos justamente tentando evitar que um número maior de pessoas engrossasse a fila dos desempregados.
Quando foi proposta a redução do salário, do presidente da empresa ao funcionário de menor escala hierárquica, estávamos dando um exemplo democrático: o sacrifício teria de ser de todos, para o bem da maioria.
Talvez tenhamos incorrido em um erro, um grande erro, na opinião de alguns: fomos transparentes do começo ao fim. Transparentes demais. Não usamos a calada da noite para, olimpicamente, cortar cabeças. Colocamos tudo na mesa, abrindo o jogo sem nenhum trunfo nas mangas.
Gostaríamos que os críticos desse processo lessem as declarações dadas por empregados que optaram pelo voluntariado, um sistema totalmente democrático, reconhecendo a importância que a empresa representou na vida de cada um e de suas famílias, alguns deles chegando mesmo a admitir que estavam "na hora de parar e deixar o emprego para quem mais precisa".
Esses depoimentos reforçam nossa convicção de que fizemos, nós e nossos parceiros, Luiz Marinho, do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, e Antonio Edmundo Oliveira, o "Toninho", do sindicato de Taubaté, o melhor possível para evitar uma saída mais traumática. Aliás, não poderia omitir o trabalho de Marinho e de Toninho, que incansavelmente tentaram defender, de todas as formas, o encaminhamento de uma solução condizente com a realidade.
Como também não se pode deixar de registrar a postura do governo federal, representada pelo ministro do Trabalho, Paulo Paiva, que modernizou a atuação oficial, acompanhando tudo de perto, ouvindo as partes, mas jamais interferindo no processo decisório.
O acordo firmado entre a Volkswagen e os sindicatos, longe de querer balizar o que poderá acontecer daqui para a frente, deve servir como um extraordinário elemento de reflexão na visualização do Brasil de amanhã.
Além disso, mostrou também que a palavra "discussão" deve ser varrida do dicionário moderno das relações capital-trabalho. Provou-se que a negociação é o único caminho que permite enxergar a luz no fim do túnel. E ela existe.


Fernando Tadeu Perez, 43, é diretor de recursos humanos da Volkswagen do Brasil.



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