São Paulo, sábado, 20 de janeiro de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OPINIÃO ECONÔMICA
Bush e o antitruste

GESNER OLIVEIRA

A defesa da concorrência pode mudar com a administração republicana que assume hoje o governo dos EUA. O governo Clinton se caracterizou por intensa atividade nessa área, sob as lideranças de Joel Klein, na Divisão Antitruste do Departamento de Justiça, e de Robert Pitofsky, na Federal Trade Commission (FTC).
Embora o caso Microsoft tenha recebido particular atenção, a atividade antitruste foi intensificada de maneira geral. Destaque-se, por exemplo, a multa de US$ 750 milhões paga pelos laboratórios Basf e Hoff-La Roche por formação de cartel no mercado de vitaminas, valor recorde desde a edição do Sherman Act, em 1890.
O jurista William Kovacic e o economista Carl Shapiro dividem a história do antitruste nos EUA em cinco fases em artigo no último número da revista "Journal of Economic Perspectives". A primeira, de 1890 a 1914, marcou o início da aplicação de legislação pioneira, com as naturais dificuldades de inexistência de jurisprudência e de instituições adequadas. Essa é, aliás, a situação atual de dezenas de países em desenvolvimento que estão, mais de um século depois, introduzindo controle antitruste.
A percepção do Congresso norte-americano de que era necessária uma aplicação mais rigorosa e independente da legislação levou à criação da Federal Trade Commission, em 1914, e sua entrada em operação, em março de 1915. Porém foram necessárias várias décadas para que os órgãos antitruste dos EUA adquirissem experiência e respeitabilidade, especialmente no Judiciário. Uma ordem de desconstituição de uma operação em 1927 foi integralmente desautorizada pela Suprema Corte.
A segunda fase, de 1915 a 1936, ficou marcada por uma menor preocupação com a competição, em razão das dificuldades com a Grande Depressão. Normalmente se associa a Universidade de Chicago a um menor grau de ativismo em defesa da concorrência. Porém, conforme lembra o professor Kovacic, foram economistas de Chicago como Henry Simons e Jacob Viner que influenciaram uma retomada da ação antitruste.
Na realidade, a ação do Estado nessa área procura simplesmente defender o mercado. A punição rigorosa a alguns infratores é mais eficiente do que a regulação abrangente, que afeta a vida de todas as empresas e cidadãos. A terceira fase, de 1936 a 1972, foi marcada por crescente atividade antitruste, incluindo rigor exagerado sobre as fusões e aquisições nos anos 60.
A nova escola de Chicago influenciou decisivamente a política adotada na quarta fase, de 1973 a 1991. Em nítida reação pendular ao ativismo dos anos 60, prevaleceu a noção de que a maior parte das condutas e operações entre as empresas visava aumentar a eficiência e que, portanto, não deveriam sofrer interferência da autoridade. Com a era Reagan, essa orientação foi acentuada, diminuindo drasticamente as ações governamentais.
Curiosamente, o desinteresse pelo antitruste também coincidia com correntes de pensamento diametralmente oposto, então na moda, que defendiam a necessidade de promover a política industrial e criticavam o excesso de rigor dos EUA contra a formação de monopólios, caracterizando-o como uma das desvantagens dos EUA relativamente ao Japão. Em contraste, as participações cruzadas, o excesso de poder de mercado e a opacidade dos grupos econômicos são vistos, na atualidade, como fontes de problemas de governança corporativa e fatores de desvantagem competitiva das economias asiáticas.
Durante a gestão do pai de George W. Bush, a influência da nova escola de Chicago começou a diminuir e o governo se tornou mais ativo na defesa da concorrência. Por sua vez, o desenvolvimento da própria teoria econômica tem sugerido que o exame antitruste exige rigorosa investigação do caso específico, rejeitando-se as teses dos anos 60 e os excessos de Chicago. Nessa, como de resto em qualquer área de aplicação da norma legal, requer-se menos ideologia e mais critério e pesquisa. A quinta fase, compreendendo o posterior a 1992, foi chamada de "síntese pós-Chicago" por Kovacic e Shapiro.
Como será a próxima fase do antitruste nos EUA? As próximas indicações na área da Justiça pelo presidente Bush darão sinais da orientação que sua administração vai imprimir nessa área. Alguns especialistas temem a indicação de um ideólogo ultraconservador, que desestimule qualquer ação governamental, com o possível apoio de John Ashcroft, indicado para a pasta da Justiça. Outros apostam na escolha de um republicano de perfil técnico, que continue o trabalho da equipe atual.
Lembre-se, de qualquer forma, de que os membros da FTC têm mandato fixo, não coincidente com o do presidente da República, a jurisprudência dos tribunais é densa e as ações não se restringem ao plano federal. No caso da Microsoft, por exemplo, o processo está sendo movido por 19 Estados, além do governo federal. Assim, independentemente das escolhas de Bush, a evolução institucional de mais de um século atenua as inevitáveis oscilações dos ciclos presidenciais.


Gesner Oliveira, 44, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-SP, consultor da Tendências e ex-presidente do Cade.
E-mail - gesner@fgvsp.br



Texto Anterior: Patrocinadores foram fechados na última hora
Próximo Texto: Mídia: Tanure fecha negócio com o "JB"
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.