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OPINIÃO ECONÔMICA
Bush e o antitruste
GESNER OLIVEIRA
A defesa da concorrência
pode mudar com a administração republicana que assume
hoje o governo dos EUA. O governo Clinton se caracterizou por intensa atividade nessa área, sob as
lideranças de Joel Klein, na Divisão Antitruste do Departamento
de Justiça, e de Robert Pitofsky, na
Federal Trade Commission
(FTC).
Embora o caso Microsoft tenha
recebido particular atenção, a
atividade antitruste foi intensificada de maneira geral. Destaque-se, por exemplo, a multa de US$
750 milhões paga pelos laboratórios Basf e Hoff-La Roche por formação de cartel no mercado de
vitaminas, valor recorde desde a
edição do Sherman Act, em 1890.
O jurista William Kovacic e o
economista Carl Shapiro dividem
a história do antitruste nos EUA
em cinco fases em artigo no último número da revista "Journal of
Economic Perspectives". A primeira, de 1890 a 1914, marcou o
início da aplicação de legislação
pioneira, com as naturais dificuldades de inexistência de jurisprudência e de instituições adequadas. Essa é, aliás, a situação atual
de dezenas de países em desenvolvimento que estão, mais de um
século depois, introduzindo controle antitruste.
A percepção do Congresso norte-americano de que era necessária uma aplicação mais rigorosa e
independente da legislação levou
à criação da Federal Trade Commission, em 1914, e sua entrada
em operação, em março de 1915.
Porém foram necessárias várias
décadas para que os órgãos antitruste dos EUA adquirissem experiência e respeitabilidade, especialmente no Judiciário. Uma ordem de desconstituição de uma
operação em 1927 foi integralmente desautorizada pela Suprema Corte.
A segunda fase, de 1915 a 1936,
ficou marcada por uma menor
preocupação com a competição,
em razão das dificuldades com a
Grande Depressão. Normalmente
se associa a Universidade de Chicago a um menor grau de ativismo em defesa da concorrência.
Porém, conforme lembra o professor Kovacic, foram economistas
de Chicago como Henry Simons e
Jacob Viner que influenciaram
uma retomada da ação antitruste.
Na realidade, a ação do Estado
nessa área procura simplesmente
defender o mercado. A punição
rigorosa a alguns infratores é
mais eficiente do que a regulação
abrangente, que afeta a vida de
todas as empresas e cidadãos. A
terceira fase, de 1936 a 1972, foi
marcada por crescente atividade
antitruste, incluindo rigor exagerado sobre as fusões e aquisições
nos anos 60.
A nova escola de Chicago influenciou decisivamente a política adotada na quarta fase, de
1973 a 1991. Em nítida reação
pendular ao ativismo dos anos 60,
prevaleceu a noção de que a
maior parte das condutas e operações entre as empresas visava
aumentar a eficiência e que, portanto, não deveriam sofrer interferência da autoridade. Com a
era Reagan, essa orientação foi
acentuada, diminuindo drasticamente as ações governamentais.
Curiosamente, o desinteresse
pelo antitruste também coincidia
com correntes de pensamento
diametralmente oposto, então na
moda, que defendiam a necessidade de promover a política industrial e criticavam o excesso de
rigor dos EUA contra a formação
de monopólios, caracterizando-o
como uma das desvantagens dos
EUA relativamente ao Japão. Em
contraste, as participações cruzadas, o excesso de poder de mercado e a opacidade dos grupos econômicos são vistos, na atualidade, como fontes de problemas de
governança corporativa e fatores
de desvantagem competitiva das
economias asiáticas.
Durante a gestão do pai de
George W. Bush, a influência da
nova escola de Chicago começou
a diminuir e o governo se tornou
mais ativo na defesa da concorrência. Por sua vez, o desenvolvimento da própria teoria econômica tem sugerido que o exame
antitruste exige rigorosa investigação do caso específico, rejeitando-se as teses dos anos 60 e os excessos de Chicago. Nessa, como de
resto em qualquer área de aplicação da norma legal, requer-se menos ideologia e mais critério e pesquisa. A quinta fase, compreendendo o posterior a 1992, foi chamada de "síntese pós-Chicago"
por Kovacic e Shapiro.
Como será a próxima fase do
antitruste nos EUA? As próximas
indicações na área da Justiça pelo
presidente Bush darão sinais da
orientação que sua administração vai imprimir nessa área. Alguns especialistas temem a indicação de um ideólogo ultraconservador, que desestimule qualquer ação governamental, com o
possível apoio de John Ashcroft,
indicado para a pasta da Justiça.
Outros apostam na escolha de um
republicano de perfil técnico, que
continue o trabalho da equipe
atual.
Lembre-se, de qualquer forma,
de que os membros da FTC têm
mandato fixo, não coincidente
com o do presidente da República, a jurisprudência dos tribunais
é densa e as ações não se restringem ao plano federal. No caso da
Microsoft, por exemplo, o processo está sendo movido por 19 Estados, além do governo federal. Assim, independentemente das escolhas de Bush, a evolução institucional de mais de um século
atenua as inevitáveis oscilações
dos ciclos presidenciais.
Gesner Oliveira, 44, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-SP, consultor da Tendências e ex-presidente do Cade.
E-mail - gesner@fgvsp.br
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