São Paulo, quinta-feira, 20 de janeiro de 2005

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OPINIÃO ECONÔMICA

O Banco Central continua abusando

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Nesta época do ano, os assuntos tendem a escassear e os colunistas ficam em graves apuros. Um deles (não me lembro qual), depois de muito espremer o cérebro, teve um arroubo de inspiração e começou a sua coluna assim: "Ano novo, vida nova!".
Contudo, nós, economistas, temos alguns privilégios e algumas vantagens. Por exemplo: as autoridades econômicas raramente nos deixam na mão. Nesta semana, a salvação veio da entrevista do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, nas páginas amarelas da revista "Veja". Desde os tempos em que o Banco Central era presidido por um certo Napoleão de hospício (aquele do câmbio sobrevalorizado), não víamos tantos e tão enfáticos disparates reunidos em uma única publicação.
Não quero ser desrespeitoso. Dizem que Meirelles possui grande conhecimento e longa experiência técnica. Não duvido. Mas, se é assim, convenhamos: ele disfarça bem.
O presidente do Banco Central declara-se muito satisfeito com os resultados da política monetária e do regime de metas para a inflação. Não lhe passa pela cabeça, aparentemente, que a política de juros altos tem tido um custo extraordinário. Ela sobrecarrega tremendamente as finanças públicas, contribui para a sobrevalorização cambial, beneficia os mais ricos e concentra a renda nacional, dificulta o investimento produtivo e o crescimento da economia.
Não importa. Esse tipo de crítica não o impressiona nem o abala. Para Meirelles, a sociedade brasileira, ainda ameaçada pelo "obscurantismo", precisa criar um "consenso maior" sobre as "metodologias modernas" de administração macroeconômica, absorvendo "os avanços recentes da ciência econômica e as boas experiências internacionais".
Uma qualidade inegável do presidente do Banco Central: não teme o ridículo. Segundo ele, "boa parte dos críticos mais duros da política do BC amadureceu seu pensamento quando ainda não haviam sido desenvolvidas as ferramentas estabilizadoras atuais como o câmbio flutuante, as metas inflacionárias e a produção de superávits fiscais" (cito a frase na íntegra para que o leitor não fique com a impressão de que estou fazendo alguma caricatura).
Ora, câmbio flutuante e superávits fiscais são velhos como Matusalém. Quando Meirelles veio ao mundo, a literatura acadêmica sobre esses temas já era imensa. O regime de metas para a inflação é mais recente, mas nem tanto assim. Começou a ser adotado em 1990, há quase 15 anos, e virou um modismo em certos meios.
Porém, diferentemente do que às vezes se afirma ou insinua, não é aplicado de forma universal. Apenas pouco mais de 20 bancos centrais seguem esse modelo. Há exceções notáveis. Cito apenas três: os Estados Unidos, a zona do euro e o Japão.
Os três principais bancos centrais do mundo, provavelmente por "obscurantismo", não se convenceram da conveniência de adotar o regime de metas para a inflação e preferem modelos mais discricionários, menos focados na busca de determinado objetivo para a inflação. Nenhum dos três publica previsões detalhadas de inflação. O Federal Reserve não tem meta numérica para a inflação e o seu estatuto estabelece que a política monetária deve ser conduzida de maneira a promover "os objetivos de emprego máximo, preços estáveis e taxas de juro de longo prazo moderadas". O Banco Central Europeu tem a estabilidade de preços como objetivo primordial, mas a meta de inflação é definida de maneira frouxa (cerca de 2% no médio prazo). O Banco do Japão declara que continuará implementando medidas de estímulo monetário até que o índice de preços ao consumidor se estabilize ou aumente moderadamente (Ver Mark R. Stone, "Greater Monetary Policy Transparency for the G3: Lessons from Full-Fledged Inflation Targeters", IMF Working Paper, WP/03/218, novembro de 2003, www.imf.org).
Não existe consenso técnico sobre a suposta superioridade do regime de metas. Um estudo realizado no FMI examinou a experiência de 20 países desenvolvidos, dos quais 7 adotaram esse regime no início dos anos 90 e 13 não. A conclusão é que, na média, não há evidência de que a adoção de metas para a inflação melhorou o desempenho das economias em termos de inflação, produção ou taxas de juro (Laurence Ball & Niamh Sheridan, "Does Inflation Targeting Matter?", IMF Working Paper, WP/03/129, junho de 2003, www.imf.org).
Uma outra qualidade do presidente Meirelles: declara-se contra a "reinvenção da roda" e as "soluções criativas", mas também tem seu pendor para a originalidade. Na entrevista à "Veja", reconheceu relutantemente que as taxas de juros são altas no Brasil. Mas isso se deve, diz ele, não ao Banco Central, mas ao risco-país, à nossa história econômica e talvez à "alta temperatura do debate" sobre economia no país, pois isso gera "um tal nível de ruído que atrapalha a percepção dos investidores externos"...
Já se disse muita barbaridade sobre juros no Brasil, mas essa bate todas.


Paulo Nogueira Batista Jr., 49, economista e professor da FGV-Eaesp, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).

E-mail - pnbjr@attglobal.net


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