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OPINIÃO ECONÔMICA
O Banco Central continua abusando
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Nesta época do ano, os assuntos tendem a escassear e
os colunistas ficam em graves
apuros. Um deles (não me lembro
qual), depois de muito espremer o
cérebro, teve um arroubo de inspiração e começou a sua coluna
assim: "Ano novo, vida nova!".
Contudo, nós, economistas, temos alguns privilégios e algumas
vantagens. Por exemplo: as autoridades econômicas raramente
nos deixam na mão. Nesta semana, a salvação veio da entrevista
do presidente do Banco Central,
Henrique Meirelles, nas páginas
amarelas da revista "Veja". Desde os tempos em que o Banco
Central era presidido por um certo Napoleão de hospício (aquele
do câmbio sobrevalorizado), não
víamos tantos e tão enfáticos disparates reunidos em uma única
publicação.
Não quero ser desrespeitoso. Dizem que Meirelles possui grande
conhecimento e longa experiência técnica. Não duvido. Mas, se é
assim, convenhamos: ele disfarça
bem.
O presidente do Banco Central
declara-se muito satisfeito com os
resultados da política monetária
e do regime de metas para a inflação. Não lhe passa pela cabeça,
aparentemente, que a política de
juros altos tem tido um custo extraordinário. Ela sobrecarrega
tremendamente as finanças públicas, contribui para a sobrevalorização cambial, beneficia os
mais ricos e concentra a renda
nacional, dificulta o investimento
produtivo e o crescimento da economia.
Não importa. Esse tipo de crítica não o impressiona nem o abala. Para Meirelles, a sociedade
brasileira, ainda ameaçada pelo
"obscurantismo", precisa criar
um "consenso maior" sobre as
"metodologias modernas" de administração macroeconômica,
absorvendo "os avanços recentes
da ciência econômica e as boas
experiências internacionais".
Uma qualidade inegável do
presidente do Banco Central: não
teme o ridículo. Segundo ele, "boa
parte dos críticos mais duros da
política do BC amadureceu seu
pensamento quando ainda não
haviam sido desenvolvidas as ferramentas estabilizadoras atuais
como o câmbio flutuante, as metas inflacionárias e a produção de
superávits fiscais" (cito a frase na
íntegra para que o leitor não fique com a impressão de que estou
fazendo alguma caricatura).
Ora, câmbio flutuante e superávits fiscais são velhos como Matusalém. Quando Meirelles veio ao
mundo, a literatura acadêmica
sobre esses temas já era imensa. O
regime de metas para a inflação é
mais recente, mas nem tanto assim. Começou a ser adotado em
1990, há quase 15 anos, e virou
um modismo em certos meios.
Porém, diferentemente do que
às vezes se afirma ou insinua, não
é aplicado de forma universal.
Apenas pouco mais de 20 bancos
centrais seguem esse modelo. Há
exceções notáveis. Cito apenas
três: os Estados Unidos, a zona do
euro e o Japão.
Os três principais bancos centrais do mundo, provavelmente
por "obscurantismo", não se convenceram da conveniência de
adotar o regime de metas para a
inflação e preferem modelos mais
discricionários, menos focados na
busca de determinado objetivo
para a inflação. Nenhum dos três
publica previsões detalhadas de
inflação. O Federal Reserve não
tem meta numérica para a inflação e o seu estatuto estabelece que
a política monetária deve ser conduzida de maneira a promover
"os objetivos de emprego máximo, preços estáveis e taxas de juro
de longo prazo moderadas". O
Banco Central Europeu tem a estabilidade de preços como objetivo primordial, mas a meta de inflação é definida de maneira
frouxa (cerca de 2% no médio
prazo). O Banco do Japão declara
que continuará implementando
medidas de estímulo monetário
até que o índice de preços ao consumidor se estabilize ou aumente
moderadamente (Ver Mark R.
Stone, "Greater Monetary Policy
Transparency for the G3: Lessons
from Full-Fledged Inflation Targeters", IMF Working Paper,
WP/03/218, novembro de 2003,
www.imf.org).
Não existe consenso técnico sobre a suposta superioridade do regime de metas. Um estudo realizado no FMI examinou a experiência de 20 países desenvolvidos, dos quais 7 adotaram esse regime no início dos anos 90 e 13
não. A conclusão é que, na média,
não há evidência de que a adoção
de metas para a inflação melhorou o desempenho das economias
em termos de inflação, produção
ou taxas de juro (Laurence Ball &
Niamh Sheridan, "Does Inflation
Targeting Matter?", IMF Working Paper, WP/03/129, junho de
2003, www.imf.org).
Uma outra qualidade do presidente Meirelles: declara-se contra
a "reinvenção da roda" e as "soluções criativas", mas também tem
seu pendor para a originalidade.
Na entrevista à "Veja", reconheceu relutantemente que as taxas
de juros são altas no Brasil. Mas
isso se deve, diz ele, não ao Banco
Central, mas ao risco-país, à nossa história econômica e talvez à
"alta temperatura do debate" sobre economia no país, pois isso gera "um tal nível de ruído que
atrapalha a percepção dos investidores externos"...
Já se disse muita barbaridade
sobre juros no Brasil, mas essa bate todas.
Paulo Nogueira Batista Jr., 49, economista e professor da FGV-Eaesp, escreve
às quintas-feiras nesta coluna. É autor
do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
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