São Paulo, sábado, 20 de janeiro de 2007

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BORIS TABACOF

"Dois monólogos não fazem um diálogo"

Quando a maré sobe, os barcos sobem. Mas o barco brasileiro está pesado, com excesso de lastro e pouca carga útil

A PRINCIPAL causa direta do baixo crescimento que caracteriza a economia brasileira por mais de uma década é o nível insuficiente de investimentos.
Nos primeiros anos pós-Plano Real, os dirigentes econômicos, conhecidos como os "pais" da bem-sucedida derrota do dragão da inflação, que cuspiu fogo na vida dos brasileiros por tanto tempo, afirmavam que a balança de pagamentos deveria ser deficitária, já que realizar um superávit é mandar para fora o capital de que tanto necessita o país para alimentar o seu crescimento. Daí ter sido a política de endividamento não um acidente mas uma atuação explícita, propositada.
Tudo isso eu sei não por ouvir dizer ou ler, mas porque participei das atividades nessa linha de política, tendo sido, na época, um dos seus defensores e propagadores, especialmente na condição de dirigente de entidades empresariais.
Acontece que, com exceção do controle da inflação, o resto deu errado, por diversos motivos, entre os quais a errônea política de câmbio, mantido fixo por vários anos, e as várias crises internacionais de liquidez, com custos crescentes para o país. Na verdade, o que se adotava era uma política de manter a inflação em nível baixo, ancorada no câmbio, pagando qualquer preço, especialmente do crescimento medíocre, resultado que se mantém até hoje. Paradoxal escassez de capital para investimento direto apesar da enorme liquidez internacional que se criou nos últimos anos.
Ficamos presos na armadilha: câmbio nocivo às atividades produtivas, que, entre outras coisas, manteve a alimentação barata à custa da quase ruína da agricultura (com a exceção das commodities exportadas principalmente para a China), uma redução da vulnerabilidade externa com o acúmulo de uma grande reserva que é inútil e cara como capital para investimento no país, tudo isso bancado com juros estratosféricos que esmagam a produção, o consumo e o investimento.
Acrescente-se a esse quadro uma política fiscal ruinosa: impostos cada vez maiores e gastos correntes incontroláveis, principalmente com os juros mais altos do mundo, pagos pelo maior consumidor de crédito do país, que é o governo, ao qual não sobram recursos para investimentos essenciais. A dívida pública já passa de R$ 1 trilhão.
Esse é o resumo do "enigma" brasileiro da falta de investimentos necessários para a retomada firme do desenvolvimento do país, diferentemente do que acontece em outras regiões e países. Sabe-se que, quando a maré sobe, todos os barcos sobem juntos. Mas o barco brasileiro está muito pesado, com excesso de lastro e pouca carga útil. Enquanto isso, vemos alguns exemplos contemporâneos de sucesso em que países aproveitam o capitalismo para crescer e não o consideram culpado de seus males.
Uma fonte de capital para financiar novos investimentos, ou ampliá-los, reside nas aplicações dos chamados "private equities". São investimentos em empresas de capital fechado, de dimensão média a grande, geralmente familiares, em que investidores privados enxergam crescimento potencial importante.
Embora com riscos mais elevados, eles atraem capitais que esperam, com o sucesso das empresas, ganhos muito maiores do que nas Bolsas convencionais, para as quais acabam migrando. Essas aplicações, que são hoje verdadeira febre, por exemplo, na Índia, são difíceis no Brasil, devido ao tremendo emaranhado tributário e regulatório que não permite a indispensável transparência dessas empresas para poder receber esses investimentos.
A atual polarização ideológica é artificial e não provoca um diálogo produtivo. O respeitado mestre italiano Norberto Bobbio escreveu que "dois monólogos não fazem um diálogo". O confuso ruído a que se chama de discussão sobre a evolução esperada das políticas macroeconômicas, na melhor das hipóteses, representaria "mais do mesmo".
Os monólogos que são enunciados como altas cogitações devem dar lugar ao diálogo sobre a única questão que pode elevar o patamar do nosso país: como multiplicar os investimentos, públicos e privados, domésticos ou globais. Uma nova política audaciosa nessa direção deve condicionar as medidas e passos necessários. A pergunta que se fez até agora sobre o efeito de qualquer passo em relação à meta da inflação deve ser substituída por: é bom para os investimentos e o crescimento econômico?


BORIS TABACOF é diretor do Departamento de Economia do Ciesp e vice-presidente do Conselho de Administração da Suzano.

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