São Paulo, terça-feira, 20 de janeiro de 2009

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VINICIUS TORRES FREIRE

Quando 0,75 é igual a zero


Se o BC cortar 0,75 da Selic, para 13% ao ano, só chancela corte que o mercado já fez; mas a vida não se resume à Selic

O MERCADO fechava ontem seus negócios estimando uma taxa "básica" de juros de uns 13% para o final do mês. Se não houver novo cataclismo global de surpresa, se um índice de inflação não disparar, se o dólar não passar de R$ 3 e se não cair um meteorito na avenida Paulista, a taxa diária deve estar abaixo disso no final do mês.
O mercado (em suas transações de dinheiro no atacado) já derrubou os juros. A taxa de juro real está em torno de 6,3% e caindo (trata-se da taxa do contrato de juros para daqui um ano descontada a inflação esperada para esse período: o "swap" de 360 dias deflacionado pela expectativa do IPCA). Jamais foi tão baixa na década do regime de metas de inflação.
Se o juro "básico" da praça baixou tanto, embora ainda recorde mundial, o BC não precisa fazer nada? O BC pode empurrá-lo mais para lá, ou mais para cá, e reger o compasso das baixas futuras no mercado. Desde o início do regime de metas, BC e mercado em geral andam pari passu, afora momentos de choque (apagão e crise de 2001, eleição de Lula em 2002) e de uma ou outra defasagem não lá muito significativa.
Mas, no jargão, diz-se que o BC agora está "atrás da curva" (da "curva de juros"): o mercado projeta juros cada vez menores, de hoje até meados de 2010, subindo um tico a partir daí. Se estivéssemos num país de longa história de estabilidade e previsibilidade econômicas, a atual "curva de juros" brasileira estaria a dizer que, para o mercado (financeiro), a Selic está alta demais, e tal indicação seria muito razoável.
Essa "curva de juros" aparece no gráfico que relaciona taxas de juros de títulos ou contratos futuros (no eixo vertical) a seu prazo de vencimento (no eixo horizontal). Quando muito inclinada para cima, em tese indica que o mercado espera PIB, inflação e juros mais altos no futuro (isto é, contratos ou títulos que vencem em prazo mais distante pagam taxas bem mais altas do que os juros "curtos"). Em tese, a recíproca é verdadeira. A "curva de juros" brasileira (a do DI futuro) está bem inclinada para baixo, indicando economia em recessão e juros em baixa.
A considerar os demais indicadores econômicos, porém, parece que não há muita dúvida sobre o destino de PIB, inflação e juros, mesmo do ponto de vista do BC e dos adeptos estritos do regime de metas. E a expectativa de inflação para os próximos 12 meses já foi para a meta (a não ser para alguém que se incomode com os aleatórios decimais).
Mas há incógnitas importantes. Qual será o saldo em conta corrente (balanço das transações com o exterior, afora capitais)? Estamos caminhando para um déficit comercial. Porém, as remessas de lucros etc. tendem a diminuir. Qual será o saldo das contas do governo ("déficit público")? Vai aumentar? Existe chance de algum repasse do dólar para a inflação (por ora, nenhum)?
Bater no BC já foi mais fácil, quando as taxas reais de juros andavam por 15% e o Copom desinflacionava a economia em ritmo alucinante (ou alucinado). Juro real a 6% é uma situação nova. Armínio Fraga, porém, que entende um pouquinho mais do que a maioria de nós a esse respeito, tem dito que, com controle do gasto público corrente, os juros brasileiros podem cair para profundezas nunca dantes navegadas. Sem risco.

vinit@uol.com.br



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