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OPINIÃO ECONÔMICA
Os EUA e a Alca
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
A alca (Área de Livre Comércio das Américas) tem sido um tema recorrente nesta coluna. Há boas razões para essa insistência. A eventual formação da
Alca representaria um formidável esvaziamento da política econômica nacional.
Como escreveu o embaixador
Samuel Pinheiro Guimarães, hoje
vice-ministro das Relações Exteriores, a Alca significaria a incorporação do Brasil, de forma subordinada, a um território econômico único dominado pelos EUA.
A idéia de um projeto nacional de
desenvolvimento teria de ser arquivada. Ou relegada à condição
de simples instrumento retórico,
próprio para iludir incautos em
época de campanha eleitoral.
O último lance dessa negociação foi a apresentação pelos EUA,
na semana passada, de uma proposta limitada e discriminatória
no que diz respeito à maioria dos
temas de interesse do Brasil. As
ofertas de diminuição de tarifas
foram diferenciadas: as melhores
foram feitas para os países do Caribe e da América Central; as piores, para o Mercosul.
Nas questões prioritárias para
os EUA, a proposta é abrangente
e ambiciosa. No que diz respeito a
serviços, por exemplo, os EUA oferecem, e buscarão em contrapartida, amplo acesso a mercados em
setores como serviços financeiros,
telecomunicações, informática,
serviços audiovisuais, construção
e engenharia, turismo, publicidade, serviços de entrega rápida,
serviços profissionais (arquitetos,
engenheiros, contadores etc.), serviços de distribuição (atacado,
varejo e "franchising"), certos serviços de transporte, serviços de
energia e serviços relacionados à
atividade industrial.
A reação no Brasil foi bastante
negativa. Ministros de Estado,
editoriais dos principais jornais,
empresários e especialistas se uniram na crítica à proposta apresentada por Washington.
Muito bem. Não se pode dizer,
contudo, que a proposta tenha sido uma surpresa. Ela dá sequência à orientação que vem sendo
seguida pelo Executivo e pelo
Congresso dos EUA, especialmente desde 2001-2002.
Como brasileiro gosta de se iludir, vou repetir o que escrevi várias vezes nesta coluna: os EUA
deixaram claro, em diversas ocasiões, que as questões prioritárias
para o Brasil serão ignoradas ou
relegadas a segundo plano na negociação da Alca.
Trato desse problema em pesquisa que estou concluindo sobre
a questão da Alca, no âmbito do
IEA (Instituto de Estudos Avançados) da USP. Nela analiso, entre outros aspectos, o mandato
negociador aprovado pelo Congresso dos EUA em agosto do ano
passado, o "Bipartisan Trade
Promotion Authority Act".
Quem deseja ter uma idéia do
que a Alca poderá ser, na prática,
deve consultar esse documento. O
mandato negociador especifica,
por exemplo, que os EUA devem
preservar as suas leis comerciais,
largamente utilizadas como instrumento de proteção contra a
concorrência de produtores do
Brasil e de outros países. "Um dos
principais objetivos de negociação (...)", diz o texto da lei, é "preservar a capacidade dos Estados
Unidos de aplicar rigorosamente
as suas leis comerciais, inclusive
as leis antidumping, de direitos
compensatórios e de salvaguardas, e evitar acordos que diminuam a efetividade de restrições
nacionais e internacionais ao comércio injusto, especialmente
dumping e subsídios (...)".
O mandato negociador reafirmou também, e com grande
abundância de detalhes, os poderosos esquemas de defesa da produção agrícola dos EUA. Estabeleceu, por exemplo, que sejam garantidos períodos adequados de
ajustamento para os produtos
"sensíveis a importações", mediante complicadas consultas
com o Congresso antes de iniciar
negociações de redução de tarifas.
Determinou a preservação dos
programas de apoio à agricultura
familiar e às comunidades rurais,
em referência aos subsídios à produção da lei agrícola de 2002. Indicou, também, que devem ser
mantidos os programas de assistência alimentar e de crédito à exportação de produtos agrícolas,
que funcionam como subsídios à
exportação.
A implementação do mandato
negociador será monitorada pelo
Congresso, em base permanente,
por uma série de comissões parlamentares. O grau de detalhamento dos procedimentos de consulta
e monitoramento é de tal ordem
que o Executivo dificilmente poderá contornar as determinações
do Congresso no decorrer das negociações.
Nos produtos considerados
"sensíveis a importações" estão
quase todos os de interesse prioritário do Brasil, como ressaltou o
embaixador Rubens Ricupero em
artigo publicado na edição mais
recente da revista "Estudos Avançados" do IEA da USP. Segundo a
embaixada do Brasil em Washington, os "sensíveis" agrícolas
correspondem a nada menos que
521 linhas tarifárias, equivalem a
aproximadamente 20% das importações agrícolas dos EUA e incluem todos os produtos de interesse imediato do Brasil, como
açúcar, etanol, carne, cítricos e tabaco.
Já que o governo brasileiro ainda quer continuar nessa negociação eminentemente desequilibrada e problemática, o mínimo que
se deve esperar é que o Congresso
do Brasil saia da sua tradicional
passividade em matéria de negociações internacionais e trabalhe
no sentido de também estabelecer
um mandato negociador para o
Executivo.
Como observou o embaixador
Alvaro Alencar, em artigo publicado na "Gazeta Mercantil", um
mandato negociador daria segurança aos negociadores brasileiros, protegendo-os de constrangimentos e de pressões indevidas e
possivelmente danosas ao interesse nacional.
Paulo Nogueira Batista Jr., 47, economista, pesquisador visitante do Instituto
de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A
Economia Como Ela É ..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
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