São Paulo, sexta-feira, 20 de fevereiro de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Para onde vamos

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

A crise política que estamos vivendo adicionou uma dose nova de incertezas sobre a economia brasileira. O ambiente de otimismo que prevalecia no encerramento do ano de 2003 e no início de 2004 começou a mudar com a decisão desastrada tomada na reunião do Copom de janeiro passado. A interrupção na queda dos juros Selic foi entendida, por parte do mercado, como uma ameaça à retomada do crescimento econômico neste segundo ano do mandato do presidente Lula. Até as pedras sabem que a falta de melhora significativa nos níveis de emprego e renda neste ano vai gerar uma crise política no Brasil.
A manutenção da taxa Selic na reunião de fevereiro, decisão inevitável devido à ata da reunião de janeiro, vai contribuir para aumentar ainda mais as incertezas sobre essa questão. Os índices de crescimento industrial no último mês de dezembro já apontam para uma nova estagnação, embora em um nível 3,5% superior ao que prevaleceu em 2003. Os dados relativos a janeiro, que serão divulgados pelo IBGE no início de março, nos darão uma visão mais segura sobre esse engasgo.
Nesse cenário de dúvidas, agravado pelo aumento significativo do chamado risco Brasil que ocorreu no fim de janeiro, a crise envolvendo o ministro José Dirceu caiu como uma verdadeira bomba. O enfraquecimento político do governo Lula e o aumento do peso dos partidos não ideológicos -principalmente do PMDB- na sua sustentação podem ter efeitos terríveis sobre a condução da política econômica do ministro Palocci.
Não concordo com a idéia que domina o mercado de que as dificuldades do ministro José Dirceu representam um aumento do poder de seu "darling" que ocupa o Ministério da Fazenda. Essa é uma leitura política superficial e "naive". Aliás, a capacidade do mercado financeiro em entender a política no Brasil é lamentável. Os analistas confundem a racionalidade da política econômica dos últimos dez anos -racionalidade de país anglo-saxão- com a dinâmica política de um sistema dominado ainda por políticos populistas e na sua grande maioria ligados ao Brasil atrasado com o qual ainda convivemos.
Posso falar sobre essa forma pueril de ler os acontecimentos políticos, pois fui no passado -no início dos anos 90- vítima dela. Na crise do governo Collor, embarquei nesse tipo de análise superficial e não consegui entender as repercussões que uma crise política, envolvendo a Presidência da República, podem gerar na economia brasileira. Paguei alto preço por isso -como a maioria de meus colegas podem estar fazendo hoje-, mas aprendi a respeitar os riscos de uma situação como a que estamos vivendo!
Vejo três cenários possíveis para as próximas semanas. No primeiro, que chamarei de otimista, o governo e seus aliados conseguem limitar as denúncias contra o assessor do ministro José Dirceu e isolar o Palácio do Planalto do escândalo. Nesse caso, é bastante provável que a CPI no Senado não se viabilize e, dificilmente, serão investigadas as evidências de que havia um esquema institucional de captação de recursos para o PT com os chamados empresários do jogo. Nessa hipótese, a crise atual se esgotaria e o governo voltaria a ter condições políticas de levar adiante sua agenda.
No segundo cenário, que chamaria de pessimista moderado, novas evidências da relação institucional do assessor de José Dirceu com a comunidade dos bicheiros e bingueiros apareceriam na imprensa e no trabalho dos procuradores federais. Nesse caso, a criação de uma CPI seria quase certa e a batalha do governo se deslocaria para o sonho impossível de controlá-la por meio do PT e de seus partidos aliados. A crise política ficaria entre nós por um tempo longo e o mercado passaria a viver as incertezas associadas a essa situação, com um grande aumento na volatilidade dos negócios. Além disto, certamente teríamos efeitos negativos sobre o crescimento econômico, o que aumentaria a tensão do ambiente político por conta do adiamento do chamado "espetáculo do crescimento".
Vejo ainda a possibilidade de ocorrer um terceiro cenário, de gravidade e conseqüências ainda maiores do que os dois anteriores. Isso pode ocorrer se forem confirmados os boatos de que apareceriam na imprensa revelações novas e dramáticas sobre o chamado caso Santo André. A abertura de uma segunda frente de desgaste para o governo Lula seria um verdadeiro desastre para a governabilidade do país e a crise atual tomaria outra dimensão. Não consigo visualizar neste momento o que poderia ocorrer nessa hipótese. Vamos torcer para que ela não ocorra!


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 61, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).

Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br


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