São Paulo, domingo, 20 de março de 2005

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INSTABILIDADE

Euforia com mercados de países em desenvolvimento pode estar chegando ao fim, após contágio do resultado fraco da GM

Petróleo e juro dos EUA ameaçam emergentes

ÉRICA FRAGA
DE LONDRES

A mais recente fase de euforia dos investidores com mercados emergentes pode ter chegado ao fim. Isso não deve trazer pânico e crise financeira, mas tem significado uma correção nos preços de títulos e ações, que vêm sendo alvo de vendas, provocadas por um menor apetite por risco.
Instituições estrangeiras não estão pessimistas, mas já sugerem aos investidores cuidado quando o assunto são determinadas apostas em mercados emergentes. O Goldman Sachs, por exemplo, afirmou em relatório divulgado na semana passada que o real poderá voltar a se valorizar no Brasil -o câmbio comercial fechou a R$ 2,72 anteontem, depois de atingir cotação inferior a R$ 2,60 nas semanas anteriores. Mas o banco americano diz que é recomendável cautela maior nesse tipo de aposta de agora em diante e sugere o uso de instrumentos financeiros que oferecem proteção (as chamadas opções).
A intensidade do problema para mercados emergentes, daqui para a frente, dependerá principalmente, de acordo com especialistas, do que ocorrerá com os preços do petróleo, que voltaram a atingir picos, e as taxas de juros nos Estados Unidos, que também subiram bastante nas últimas duas semanas.
A essas duas tendências se somou um anúncio feito pela General Motors, na última terça-feira, de que amargara prejuízo no primeiro trimestre de 2005. Esse foi o fato principal que detonou o movimento de vendas de ativos de países emergentes.
A GM tem uma dívida no mercado estimada em US$ 300 bilhões e já vinha havia algum tempo com desempenho econômico ruim. Com a notícia de que, além de tudo, teria prejuízo, investidores começaram a se preparar para a possibilidade de que a empresa passe a ser classificada, em breve, como ativo de alto risco -tal como os mercados emergentes- e saíram à venda de suas ações.

Contágio
O problema é o chamado contágio. Embora a GM seja uma empresa, o movimento antecipado de reorganização de portfólios dos investimentos e a maior aversão a risco levaram também a vendas de papéis de mercados emergentes, como o Brasil.
"O movimento de venda no mercado corporativo de "high yields" (alto risco) contaminou o de mercados emergentes, embora os fundamentos dos dois sejam completamente diferentes", disse Jan Randolph, chefe do departamento de risco soberano da consultoria Global Insight.
Os preços sentiram o golpe. O risco-país dos mercados emergentes como um todo fechou a 363 pontos na última sexta-feira, mais de 10% acima do nível inferior a 330 pontos atingido há pouco mais de uma semana. No caso do Brasil, esse risco passou de 365 para 428 pontos no mesmo período, uma alta de 17,2%.
A forte oscilação nos preços de todos os ativos, como a cotação do real, levou o governo brasileiro a cancelar um leilão semanal de dívida em contratos de swap na última semana.
Segundo dados da consultoria AMG Data, braço da Merrill Lynch, os fundos dedicados a países emergentes registraram, nos sete dias encerrados em 16 de março, sua primeira captação líquida negativa (mais saques do que novos investimentos) desde a penúltima semana de janeiro deste ano. O volume foi pequeno, apenas US$ 1,2 milhão, mas pode significar uma inversão de tendência, até porque os chamados fundos "high yields" vêm sofrendo saídas líquidas há cinco semanas. E, segundo Christopher Garman, da Merrill Lynch, há correlação entre essas classes de fundos.

Juros nos EUA
Garman diz que os saques dos fundos de maior risco têm sido associados, principalmente, à elevação da taxa de juros futuros nos EUA -que reflete a expectativa de que o aperto monetário promovido pelo Fed (Federal Reserve, o banco central norte-americano) vai continuar. Nas últimas duas semanas, as taxas praticadas dos títulos de dez anos norte-americanos subiram de pouco menos de 4% para 4,5%.
Um dos principais fatores é o temor de que a disparada nos preços de petróleo -que voltaram a um patamar superior a US$ 55- possa ter impacto negativo sobre a inflação dos EUA, fazendo o preço dos combustíveis subir.
Maior inflação nos EUA pode significar um movimento mais brusco de aumento de juros no país, o que seria uma notícia bem pior que o anúncio da GM para mercados emergentes.
"Tudo vai depender do mercado de títulos norte-americano. Se as taxas de dez anos se estabilizarem em torno de 4,5%, a recente crise [nos mercados emergentes] passará rápido. Se a taxa subir mais e rapidamente, aí poderemos ver um forte movimento de venda, provocando uma correção muito forte de preços", afirma Peter West, economista-chefe da Poalim Asset Management.
Randolph, da GlobalInsight, acredita que as cotações dos ativos de mercados emergentes estejam passando por uma correção que não deverá ser brusca, principalmente porque os fundamentos econômicos de países como o Brasil vêm melhorando bastante.
Mas, segundo ele, uma correção era inevitável porque os preços dos títulos das dívidas externas desses países haviam atingido níveis historicamente muito baixos e insustentáveis. Agora, com a tendência de que a liquidez global diminua, puxada por juros maiores nos EUA, a expectativa é que esses preços caiam mesmo.
A conseqüência disso é que governo e empresas de nações emergentes passarão a pagar mais caro se quiserem financiamento externo. Por isso, Randolph acredita que o ideal para o Brasil seria renovar o acordo com o FMI (Fundo Monetário Internacional), que vence no fim deste mês.
"Isso seria bom para reforçar a confiança dos mercados. Nunca sabemos o que nos aguarda na esquina", diz ele.
Nesse contexto, há investidores como Mohamed El-Erian, da Pimco (Pacific Investment Management Co), que administra US$ 20 bilhões em dívidas de mercados emergentes, que afirmam terem aproveitado os preços mais baixos para aumentar sua exposição a países como o Brasil. El-Erian disse à Folha que as vendas da semana passada foram provocadas, principalmente, por fuga de investidores de curto prazo:
"De forma geral, parece que os investidores de longo prazo não venderam. E, no nosso caso, vamos aproveitar o movimento de venda para aumentar nossos ativos de Brasil e de outros créditos com fortes fundamentos", disse.
Na opinião dele, a tendência é que os efeitos da última semana sejam revertidos em breve. Mas a maior parte dos analistas não acredita que os preços de ativos de emergentes se recuperem a ponto de voltar para os melhores níveis históricos que chegaram a alcançar nos últimos meses.


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