São Paulo, domingo, 20 de março de 2005

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AUDITORIA

Em 2004, empresa cresceu 30% e já é a 3ª no ranking; para concorrentes, força vem da proximidade com o poder

Após apoiar PT, Trevisan ganha mercado

JANAÍNA LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL

Desde 2003, quando os petistas chegaram ao governo, a Trevisan aumentou em ritmo acelerado o número de contratos e o porte das empresas que atende.
No ano passado a auditoria cresceu 30%, provocando críticas dos concorrentes. Para eles, o sucesso da Trevisan é, em boa medida, resultado da proximidade de Antoninho Marmo Trevisan com os poderosos do PT.
"A força da Trevisan é a força política", afirmou à Folha o diretor da área de finanças estruturadas da KPMG, Maurício Endo, responsável pela área de PPPs no Brasil. "Por enquanto, sentimos isso principalmente na área de fundos [de pensão]. Até fizemos um ponto de interrogação: o que será que a Trevisan tem que nós não temos? Temos tamanho e experiência internacionais", complementou o executivo.
Empresas de menor porte concordam. "A Trevisan é praticamente governo, agora", reforçou Marcelo Tommasi, sócio da Terco, atual sócia da Grant Thornton International. Esta última foi parceira da Trevisan por 11 anos, até outubro de 2004, quando a brasileira se uniu à BDO. Outros auditores ouvidos pela Folha fizeram eco a Endo e a Tommasi, sob condição de anonimato.
"Eles que vão trabalhar", reagiu Antoninho Marmo Trevisan, na primeira vez em que falou com a Folha sobre as acusações. "Estamos crescendo, sim, e vamos crescer mais. Que tomem cuidado." (Leia entrevista abaixo.)
Os números da área são nebulosos, mas a Trevisan é considerada pela maioria dos especialistas como a quinta colocada na grade nacional.
Perde para as estrangeiras Deloitte, PricewaterhouseCoopers, KPMG e Ernst & Young. Juntas, são as "Big Four" -as "grandes" no mercado global, com receita superior a US$ 10 bilhões por ano, cerca de R$ 27 bilhões.
No ano passado, o faturamento estimado da Trevisan foi de cerca de R$ 100 milhões. A BDO, parceira internacional da Trevisan, faturou, no mundo, US$ 2,7 bilhões (cerca de R$ 7,3 bilhões) no ano fiscal encerrado em setembro de 2003. É a quinta do ranking geral.

Fermento
A Trevisan é a primeira a reconhecer o salto considerável dado por seus resultados nos últimos tempos. No ano passado, abocanhou o terceiro lugar na grade de auditorias da CVM (Comissão de Valores Mobiliários).
A lista, relativa a 30 de setembro de 2004, contempla só empresas com ações negociadas em Bolsa. A Trevisan deixou para trás a KPMG e a Ernst & Young, respectivamente, quarta e quinta colocadas no ranking. A liderança coube à Deloitte, seguida da Price.
"Nosso objetivo é passar ao segundo lugar em 2005", adianta Carlos Eduardo Assman, diretor da Trevisan. Nos cálculos dele, o crescimento do grupo bateu 30% em 2004. A esperança é aumentar mais 30% em 2005.
De acordo com Assman, a Trevisan contrata, em média, quatro auditores por semana, além de um contador e um tributarista.
O diretor informa que, para dar vazão a todo o incremento, o escritório de Porto Alegre dobrou de tamanho, assim como o de Curitiba. Em Florianópolis, a auditoria saiu do zero e hoje conta com dez pessoas. Na cidade de Belo Horizonte, a Trevisan livrou-se da sócia local. Mas nada se compara a Salvador e Recife -o crescimento foi de 300% em quatro meses, disse Assman.
Campo Grande, Cuiabá e Goiânia compõem a regional Centro-Oeste. Por lá, são filiais ainda incipientes. A meta é incrementá-las, assim como os escritórios de Manaus e de Belém.
Em São Paulo e no Rio de Janeiro, os dois maiores escritórios, há falta de espaço para abrigar os funcionários.
A receita de tamanho sucesso, na avaliação de Assman, é que escândalos contábeis internacionais mostraram a necessidade de auditorias sérias. O diretor pondera que a Trevisan não está submetida à matriz internacional, o que permite à brasileira preços mais competitivos.

Companheiros
A gênese das acusações contra a Trevisan está no extenso círculo de amizades de seu dono. Antoninho Marmo Trevisan foi um dos primeiros empresários renomados do país a apoiar o PT. Ele ajudou a escrever o programa de governo do partido e opinou na transição de governo. Desde 2002, é tido como um dos empresários "ministeriáveis".
Trevisan também é próximo ao vice-presidente da República e ministro da Defesa, José Alencar. Em 21 de fevereiro, o vice foi convidado para ser patrono na graduação de uma turma da Faculdade Trevisan. Não pôde ir. Estava ocupado com as negociações da Varig, empresa da qual a Trevisan é auditora e consultora, por conta de uma liminar judicial.
A saída de Alencar foi pedir ao filho, Josué Gomes da Silva, presidente e controlador da Coteminas, para representá-lo. Lá pelas tantas, o celular de Silva tocou e o vice discursou pelo telefone.
O empresário também é tratado com deferência pelo presidente do PT, José Genoino, e o ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, entre outras estrelas do PT.
O presidente do BNDES, Guido Mantega, o considera um dos auditores mais eficientes do país. O banco nega contratos com a Trevisan.

Contratos
A maioria dos contratos da Trevisan, segundo a empresa, está no setor de serviços (36% do total). Indústria aparece na segunda colocação (23%), seguida da área financeira (15%), terceiro setor (14%) e agronegócios (7%). O governo está no fim da lista, com meros 5%.
À Folha, e por escrito, a Trevisan negou possuir contratos vigentes -nas áreas de auditoria, consultoria ou prestação de serviços- com empresas controladas pela União.
Não é o que dizem o Banco do Brasil e a Cobra Tecnologia. Com o BB, desde janeiro de 2004 vigora um contrato que permite à Trevisan prestar serviços às regionais Sul e Sudeste, inclusive a capital de São Paulo.
O documento, segundo a assessoria do BB, prevê a terceirização de serviços e permite a contratação de mil terceirizados para dar apoio aos servidores concursados nas agências da instituição. Por isso, na região central de São Paulo é possível encontrar pessoas com crachá da Trevisan nas agências do BB ensinado clientes a operar caixas eletrônicos ou indicando a fila apropriada que devem pegar.
O Banco do Brasil garante que a escolha da Trevisan foi feita por meio de licitação.
A Petrobras também contraria a versão da Trevisan ao informar que há, sim, um contrato de consultoria tributária entre elas.
O trato foi oficializado em 30 de julho de 2004, pelo período de um ano, no valor de R$ 1,6 milhão. O objetivo é aconselhar a Petrobras sobre meios de diminuir o passivo previdenciário acumulado pela petrolífera.
Dois outros contratos, no valor total de R$ 1,1 milhão, expiraram. Um deles foi assinado sem tomada de preços no mercado. Mas, de acordo com a Petrobras, atendeu ao decreto-lei 2.745/88, que trata das regras para procedimentos simplificados da estatal. O outro derivou de licitação.
À Folha a Trevisan também negou relação oficial com fundos de pensão estatais de grande porte -Previ (Banco do Brasil), Funcef (Caixa Econômica Federal) e Petros (Petrobras). As exceções, diz a empresa, ficam por conta da Paranapanema e do Sauípe, investimentos onde a Previ participa.
Procurado, o fundo de pensão do BB afirmou que não faz parte de sua política administrativa dar informações à imprensa sobre a gestão das empresas nas quais participa. O mesmo fez a Funcef.
A Folha, contudo, apurou que a Trevisan tem opinado na gestão de empresas ferroviárias ligadas à Previ e à Funcef. A auditoria teria sido chamada para olhar com lupa as contas da Brasil Ferrovias, ao lado da Angra Partners, por suspeita de má gestão dos recursos ao longo de vários anos.
Petros, da Petrobras, informou que a empresa é responsável pela auditoria externa contábil da entidade desde abril de 2004.
A Trevisan audita também a Bovespa, a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e a Abrasca (Associação Brasileira das Companhias Abertas).


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