|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LUÍS NASSIF
Quando o Rio voltou a ser Rio
Quando Aluizio Salles, o
grande dândi da sociedade carioca, levantou-se de sua cadeira de rodas, espantou por alguns minutos a gota que o
prostra e arrastou seus 85 anos
em direção ao salão de danças
do grill do Copacabana Palace,
foi como se, naquele momento,
o velho Rio de Janeiro dos anos
40 e 50 conseguisse sua revanche sobre esses tempos novos e
agitados que o sepultaram.
Espalhados pelos salões do
Copacabana Palace havia cerca de 500 pessoas, presentes aos
80 anos do ex-ministro Roberto
Campos. Metade meros espectadores da contemporaneidade, metade vultos da história.
Havia lá os pioneiros da petroquímica nacional, nos anos
40, remanescentes do grupo do
BNDES dos anos 50 -incluindo o anfitrião José Luiz Bulhões Pedreira-, o grupo de
técnicos da Sumoc que ajudou
a reformar o Brasil nos anos
60, de ex-reis do café-society
aos primeiros empresários a
buscar a internacionalização
de igual para igual -como os
Monteiro Aranha e Walther
Moreira Salles- e algumas
das mulheres esplendorosas de
fins dos 40 -de dona Lily de
Carvalho, que reinava, a Danuza Leão, que debutava.
Faltava a cobertura da revista ``A Sombra'' e as crônicas de
Jacinto de Thormes. Mas, vá lá,
nada é perfeito.
Foi como se se tivesse folheado as diversas camadas cronológicas que compõem a vida de
uma cidade e das páginas saíssem personagens, que, depois
de dado o recado, andavam
dispersos ou perdidos pelos
desvãos dos tempos modernos.
Com o detalhe de que, nos
anos 50, naquela cidade se
construía o novo Brasil.
O petróleo é nosso
A alguns quilômetros dali,
manifestantes invadiam o
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES), reagindo contra a
privatização da Vale do Rio
Doce.
À frente do movimento, os
mesmos Henrique Miranda e
dona Maria Augusta Tibiriçá,
os verdadeiros organizadores
da heróica campanha ``O Petróleo é Nosso''. Havia os ícones -generais Horta Barbosa,
Leônidas Cardoso-, os propagandistas -Gondim da Fonseca, Mattos Pimenta-, os políticos -Domingos Velasco e
Euzébio Rocha.
Mas a organização, que ajudou a espalhar símbolos de
torres de petróleo por todas as
cidades brasileiras, partiu do
casal de professores positivistas, ele egresso da Marinha, ela
filha de dona Alice Tibiriçá, a
paulista quatrocentona que,
nos anos 40, liderou os primeiros movimentos de emancipação feminina do Brasil.
Volta e meia o casal ajudava
a juntar pessoas na Cinelândia
para cantar o Hino Nacional
sob as bênçãos do marechal
Floriano Peixoto, seu vulto
maior.
Desta vez, faltaram a Cinelândia e as verrinas de Gondim da Fonseca -que, se vivo
fosse, deitaria e rolaria sobre a
festa de Campos. Desta vez, o
alarido era menor e não chegava a atrapalhar os sons que
saíam do Copa, nem as luzes
de homens e mulheres que, do
fim dos 40 aos fim dos 60,
transformaram o Rio na cidade mais agradável do planeta e
em ponto de encontro internacional.
Dinossauros e entreguistas
No Copa, o aniversariante
Campos ironizava os ``dinossauros''. Na Cinelândia, os
``dinossauros'' imprecavam
contra os ``entreguistas''. No
entanto, ambos os lados compunham o que de melhor o Rio
ofereceu ao país nos anos 50.
Cada qual a seu modo, mesmo com os decibéis elevados
dos discursos ideológicos, empenhava-se com toda sua energia e patriotismo na construção do novo país. Uns, cantando o Hino Nacional; outros
-como o próprio Campos-
contendo as emoções e vergastando tudo o que, em sua opinião, atrapalhasse o futuro.
No segundo governo Vargas,
a equipe econômica, composta
pelos de ``esquerda'' -Rômulo
de Almeida, Cleantho de Paiva
Leite-, tratava de fincar as
bases industriais do país. No
BNDES, economistas de largo
espectro ideológico -de Campos e Lucas Lopes a Ignácio
Rangel- tratavam de definir
os princípios de uma política
industrial que mudaria a face
do país nas décadas seguintes.
Na área financeira, técnicos
do Banco do Brasil e da Sumoc, liderados por Octávio Bulhões, empenhavam-se em
construir as instituições que
ajudariam fundamentalmente
na formação do Brasil moderno. Na Sudene, os economistas
de Celso Furtado esboçavam os
primeiros desenhos de uma política regional.
Muita água rolou depois disso, muito vício persistiu, muitos defeitos se estratificaram
ao longo das décadas seguintes. A radicalização dos anos
50 produziu fendas enormes
nesse punhado de bravos. A
militarização dos anos 60 excluiu parte dos brasileiros do
processo de reconstrução nacional. As perplexidades dos
anos 80 passaram a sensação
de que o país perdera o rumo.
Nos anos 90, recria-se, em todo o país, o clima da busca das
mudanças, similar ao que
transformou os 50 nos anos
dourados.
Na frente do Copa, os transeuntes passavam distraídos.
Um ou outro olhava para os
salões iluminados, sem pressentir que ali transcorria o último baile de uma geração
dourada.
Email: lnassif@uol.com.br
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|