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São Paulo, domingo, 20 de abril de 2003

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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS


Nova crise asiática vai contagiar o Ocidente

GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA

O fim do maior ciclo de euforia financeira do século 20 começou em maio de 1997, com a "crise asiática" que irrompeu na Tailândia. Veio para primeiro plano o debate sobre o "risco sistêmico" e a dinâmica de "contágio" entre mercados globalizados. Seis anos depois, o sistema global está em pedaços, a atividade econômica perde fôlego em todos os países industrializados e a Ásia volta a preocupar. Desta vez, teme-se um contágio no sentido literal: a dispersão do vírus da Sars (sigla em inglês para a Síndrome Respiratória Aguda Grave), conhecida como "pneumonia asiática".
Está aberta a temporada de cálculos dos custos econômicos do vírus. A revista "Far Eastern Economic Review" acaba de publicar uma sondagem. Por baixo e de modo grosseiro, o impacto já seria da ordem de US$ 10,6 bilhões.
Outros especialistas antecipam até US$ 50 bilhões de prejuízo na região e US$ 150 bilhões em escala global. A Organização Mundial da Saúde calcula em US$ 30 bilhões o custo até agora.
A profundidade dessa destruição de riqueza e renda, no entanto, é mais difícil de estimar. Uma coisa é a queda na taxa de ocupação de hotéis, restaurantes ou companhias aéreas em 2003. Bem pior é a quebra de empresas, que torna a recuperação mais difícil e gera impactos maiores em bancos e outras instituições financeiras.
A doença afeta a demanda e a oferta, ao mesmo tempo provoca quedas vertiginosas no turismo asiático e leva a uma redução no consumo, mas também pode afetar as linhas de produção industrial. Os impactos sobre as contas públicas também crescem rapidamente. Em vários países afetados os governos já anunciaram pacotes de gastos para proteger micro e pequenos empresários em setores como turismo, alimentação e comércio. Os custos no sistema de saúde também aumentam.
O contágio econômico da Sars tende a ser muito mais virulento que o custo em vidas da doença propriamente dita (obviamente o valor de uma vida é incalculável). O problema mais grave, no entanto, é que até agora ninguém sabe até que ponto irá a contagem de mortos: a gripe de 1918 matou 40 milhões de pessoas em todo o mundo.
O contágio global da Sars não é apenas de natureza econômica. Há problemas no modelo de saúde e pesquisa em medicina em todo o mundo. Assim como há um complexo industrial-militar, houve uma expansão global do complexo médico-industrial, pautado principalmente pelo combate a males como o câncer e as doenças cardíacas.
A negligência, combinada à piora nas condições econômicas globais, tornou as doenças infecciosas mais ameaçadoras, tanto as novas como as antigas, que ampliaram o seu impacto. Cerca de 30 novas infecções foram identificadas nos últimos 20 anos enquanto se expandiram pragas que se imaginava derrotadas, como cólera, difteria, febre amarela, dengue e tuberculose.
Os impactos financeiros também já chegaram aos mercados cambiais. Há uma nova desconfiança no regime de câmbio fixo de Hong Kong que eleva o risco de crédito de empresas e governos da região, um dos enclaves capitalistas asiáticos mais afetados pela Sars. Economistas avaliam em 20% a desvalorização necessária para acomodar a piora nas expectativas.
No cenário mais catastrófico, teria início um novo ciclo de desvalorizações cambiais na Ásia, tornando ainda mais precárias as perspectivas de reativação econômica nas economias industrializadas ocidentais (EUA e União Européia).

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