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São Paulo, domingo, 20 de abril de 2003

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POUSO DA ÁGUIA

Para Robert Brenner, da UCLA, falta de investimentos externos ameaça país com dólar fraco ou alta de juros

Historiador prevê nova recessão nos Estados Unidos

DA REPORTAGEM LOCAL

A redução de investimentos domésticos nos Estados Unidos está longe do fim. Para piorar a situação, a capacidade dos consumidores de continuar sustentando a economia com seus gastos também parece estar se esgotando. Esse cenário ameaça empurrar o país para uma recessão. E não há vitória militar no Iraque capaz de mudar esse quadro.
As opiniões são de Robert Brenner, renomado historiador norte-americano, que é professor e diretor do Departamento de Teoria Social e História Comparativa da Universidade da Califórnia, em Los Angeles (UCLA).
O historiador, especializado em economia, teme ainda a emergência de um problema ainda maior para os EUA. Com a fraqueza econômica do país, investidores estrangeiros estão cada vez menos dispostos a financiar o gigantesco déficit que o país mantém em suas transações com o exterior.
Se essa tendência persistir o governo norte-americano terá de enfrentar o seguinte dilema: ou deixa o dólar se desvalorizar ainda mais ou sobe os juros. As duas soluções, no entanto, teriam impacto nefasto sobre a economia.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista de Brenner- que acaba de ter seu livro "O boom e a bolha: os Estados Unidos na economia mundial" lançado no Brasil pela Record- à Folha.Ë(ÉRICA FRAGA)

Folha -Muitos analistas apostam que o fim da guerra trará recuperação à economia mundial. O senhor concorda com essa suposição?
Robert Brenner -
Essas expectativas se baseiam na opinião de que a guerra era a principal responsável pela estagnação econômica. Mas isso ignora as múltiplas fraquezas da economia, que muito provavelmente continuarão a resultar em estagnação no futuro previsível, ou em algo até pior.
O investimento é a chave para qualquer recuperação, mas ele caiu acentuadamente em 2001 e de novo em 2002, e hoje, em base anualizada, está 10% abaixo de seu nível de 2000. Além disso, não surgiu qualquer sinal de uma recuperação em 2003.
Com o declínio no investimento e o crescimento no déficit comercial, os gastos dos consumidores vêm conduzindo a economia, mas é duvidoso que possam continuar a fazê-lo.
Isso se deve ao fato de que o aumento nos gastos dos consumidores dependeram, em nível sem precedentes, de um crescimento jamais visto no nível de endividamento doméstico. Há, porém, fortes motivos para acreditar que a capacidade das famílias para tomar empréstimos esteja se reduzindo rapidamente.
A relação entre dívidas e renda pessoal está em um pico histórico no momento. O índice de desemprego aumentou muito mais do que os números oficiais demonstram, já que estes últimos não incluem os dois milhões de "trabalhadores desencorajados" que simplesmente saíram da força de trabalho. Talvez o pior seja o fato de que aparentemente a bolha no mercado imobiliário -que, combinada às baixas taxas de juros, vinha sustentado o aumento no endividamento domiciliar ao longo dos dois últimos anos- está perto de estourar.
Esses fatores, tanto ou mais que a guerra no Iraque, são provavelmente responsáveis pelo fato de que os gastos reais dos consumidores tenham caído nos três últimos meses. Se essa tendência de queda persistir, a economia voltará à recessão.

Folha - A crise do excesso de produção nos países desenvolvidos acabou?
Brenner -
É basicamente porque a crise do excesso de capacidade não foi superada que o investimento, o principal propulsor da economia, continuou a cair, impedindo qualquer indicação de uma verdadeira recuperação.
O excesso de capacidade resulta da imensa explosão no investimento durante os anos finais da década de 90, tornada possível pela bolha no mercado de ações, mas que aconteceu em meio a uma queda de 20% no índice de lucros não financeiros entre 1997 e 2000. Quando veio o crash do mercado de ações, o imenso estoque de fábricas e equipamentos, especialmente nos setores industrial e de alta tecnologia, foi revelado. A contração resultante, acompanhada por reduções entre 10% e 15% de suas forças de trabalho, foi a principal força que levou a economia para baixo desde a metade de 2000.
Mas é evidente que essa tendência negativa continuará. O setor industrial opera hoje em nível 27% inferior ao seu potencial, o mais baixo desde 1983. A capacidade utilizada no setor de tecnologia da informação é ainda mais baixa. A combinação resultante de capacidade ociosa e severa pressão de baixa sobre os preços perpetuou a desastrosa queda nos lucros até agora. Essa crise da lucratividade é a fonte primordial da fraqueza econômica atual dos Estados Unidos.
É por causa desse excesso de capacidade que as extraordinárias reduções nas taxas de juros decretadas por Alan Greenspan, um total de 5,25% de corte em apenas dois anos, foram tão ineficazes no restabelecimento da expansão econômica. Por que as empresas tomariam dinheiro emprestado se não têm intenção de investir, já que dispõem de um excedente de fábricas e equipamentos?
Sem dúvida o aumento no déficit do Orçamento federal sob o governo Bush, alimentado pelos imensos cortes de impostos para os ricos e pela alta veloz dos gastos militares, ajudou a estabilizar a economia. Mas, dada a situação atual, tem pouca chance de gerar dinamismo econômico.

Folha - Os ativos financeiros já estão no seu preço justo?
Brenner -
O mercado de ações continua significativamente sobrevalorizado. Isso se deve ao fato de que, embora os preços das ações tenham caído significativamente, os lucros das empresas exibiram queda semelhante.
As relações entre preço e lucro, portanto, não estão muito abaixo de sua posição no pico do boom dos mercados. Especialmente porque as Bolsas de Valores já passaram pela corrida que normalmente acompanha o final de hostilidades ou de uma vitória militar. E ao que parece temos agora um sério risco de queda. A situação se torna ainda mais grave diante dos déficits comercial e de conta corrente descontrolados que os EUA vêm acumulando.
Até recentemente, os investidores internacionais estavam felizes em financiar esses déficits. Mas à medida que a economia norte-americana em geral e os mercados de ações especialmente continuam a decepcionar, o resto do mundo passou a reduzir severamente essas compras. Como resultado desse desencanto, a pressão sobre a moeda subiu, e o dólar caiu cerca de 20% em relação ao euro no espaço de um ano.
Se essas tendências se mantiverem, o Federal Reserve (banco central dos Estados Unidos) pode ter de enfrentar uma escolha dolorosa. Se deixar que o dólar caia, correrá o risco de uma liquidação generalizada de posições estrangeiras em investimentos norte-americanos. Isso causaria calamidade nos mercados de ativos e provavelmente causaria uma verdadeira fuga do dólar. Se elevar as taxas de juros, poderá empurrar a economia a uma recessão ainda mais profunda.

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