São Paulo, quarta, 20 de maio de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OPINIÃO ECONÔMICA
O futuro chegou?

ANTONIO BARROS DE CASTRO

Na última coluna afirmei, referindo-me à economia brasileira, que aquilo que já se definiu é mais importante do que o que está ainda por definir. O texto levou um amigo a comentar: "Se entendi bem, você disse que o futuro chegou". Confessando um certo embaraço, trato de explicitar um pouco mais o que buscava dizer. O futuro chegou, sim, mas apenas no limitado sentido de que a economia não mais se encontra numa encruzilhada -percepção amplamente difundida no início desta década.
O grau de abertura presentemente alcançado pela economia brasileira pode ser caracterizado pelo fato de que a alíquota média efetivamente paga pelas importações foi de apenas 7% em 97. Esse valor é da mesma ordem de grandeza daquele que caracteriza as economias desenvolvidas -sendo que estas últimas empregam barreiras não-tarifárias com maior intensidade do que o Brasil.
Quanto à privatização de empresas do Estado, a única grande dúvida parece ser hoje o destino da Petrobrás -cabendo observar, a esse propósito, que o Chile preservou o cobre na esfera pública, e o mesmo fez o México com o petróleo.
A estabilização da economia que, sem ser uma tarefa concluída (dada a persistência e mesmo o agravamento do quadro fiscal), alcançou resultados que ultrapassam as previsões mais otimistas.
Os atores privados, de sua parte, em grande medida já se reposicionaram em resposta às transformações verificadas no meio ambiente local. As empresas, reorganizando-se, alterando seu porta-fólio de produtos, suas técnicas, criando ou transferindo fábricas. Muitas já se encontram, inclusive, no segundo ou terceiro round da reestruturação. Além do mais, de 96 em diante, empresas estrangeiras iniciaram uma verdadeira revoada em direção ao país. E as suas decisões, à medida que se concretizavam, passaram a definir o perfil (em certos casos o próprio eixo) de uma nova safra de investimentos.
Os resultados colhidos a partir dessas transformações revelaram-se, de início, enormemente gratificantes e, a seguir, crescentemente frustrantes. No atual momento, as mudanças já ocorridas vão deixando de ser aspirações e projetos -e seus resultados não podem mais ser entendidos como surpreendentes. Os gestores da política econômica, o comando das empresas e a população em geral, começam a perceber e identificar uma (nova) realidade. Ela passa a ser entendida (e criticada) pelas suas (novas) características. Vai se formando uma outra visão do que seja o Brasil.
Convém evocar um momento fundamental da nossa história. A industrialização foi uma aspiração que ganhou força na transição para os anos 40 e consolidou-se nos anos 50. A partir de certo ponto o Brasil passou a ser visto e entendido como uma economia em processo de industrialização (e desenvolvimento). E os seus problemas passavam a ser concebidos como próprios à industrialização (e ao desenvolvimento).
Hoje, por analogia, o Brasil começa a ser visto como uma economia de mercado, aberta e estável -e os seus problemas passam a ser aqueles que ameaçam essas características. O cupom cambial (remuneração exigida pelos que aqui colocam o seu dinheiro), tão em evidência neste momento, é uma boa ilustração. Sem que ele se situe em nível desejado pelos candidatos a credores, não é possível atrair capitais no volume necessário para manter a estabilidade e a abertura da economia.
O fato de que os problemas existentes no novo quadro -o desequilíbrio fiscal, a possibilidade de uma crise cambial, o crescimento travado- já tenham sido detectados, significa, não apenas que a (nova) agenda da política econômica está definida, mas também que os rumos da economia se encontram, se não traçados, pelo menos claramente sugeridos.
Para os atores, públicos e privados, são, em suma, poucos os graus de liberdade existentes nesse contexto. Para os primeiros, porque a fragilidade macroeconômica é evidente. Para os segundos, porque a competição é intensíssima -seja pela abertura, seja pela enorme elevação e melhoria da capacidade de produzir, num meio ambiente em que a demanda se encontra basicamente travada.
Saímos da encruzilhada, e agora, para o bem e para o mal, somos reféns das opções feitas.


Antonio Barros de Castro, 58, professor-titular da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.