São Paulo, quarta, 20 de maio de 1998

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ARTIGO
A ilha terceiro-mundista

MAX SCHRAPPE

Embora a estabilidade da moeda seja uma importante conquista, não se pode entendê-la -como procuram repassar à opinião pública alguns interlocutores do governo- como solução macro para todos os problemas brasileiros. A começar pelos efeitos colaterais da política monetária de sustentação do Real -desemprego, fechamento e insolvência de empresas-, o país assiste ao recrudescimento de numerosos e graves problemas.
Não bastasse o atraso da reforma constitucional e o fato de nem sequer ter sido iniciado o processo de regulamentação das emendas já aprovadas, o que mantém na estaca zero o reordenamento institucional e econômico, a sociedade brasileira assusta-se com a violência crescente da criminalidade, a beligerância dos conflitos fundiários, a fome das vítimas da seca no Nordeste e a sua utilização política para fomentar os saques e a baderna.
O mais preocupante é que o governo demonstra estar confuso e inseguro no trato dessas questões. O estigma das ditaduras, que ao longo deste século se intercalaram aos regimes de liberdade, parece ter deixado sequelas culturais. Confunde-se o execrável autoritarismo de tempos passados com o necessário senso de autoridade que devem ter os governantes.
Com o respaldo do voto popular, cabe ao governo exercer a sua autoridade para garantir a ordem pública. A verdadeira democracia pressupõe um harmonioso equilíbrio entre direitos e deveres. A quebra desse equilíbrio, como se vê, por exemplo, nos saques ocorridos no Nordeste, transforma democracia em anarquia, colocando em risco as próprias instituições.
Nesse episódio, o Estado falha duplamente: de um lado, ao não ter condições, a despeito do grande aumento da arrecadação e da carga tributária, de minorar a angustiante situação dos flagelados da seca; de outro, ao permitir que esse flagelo leve à violência do saque, em prejuízo de numerosos cidadãos. Não basta culpar o "El Niño" e fazer discursos retóricos atribuindo às esquerdas o incitamento aos roubos a armazéns e supermercados.
Além desses problemas pontuais, a saúde e o ensino precários, o crescimento das favelas, as epidemias e endemias e os índices de desemprego criam um quadro muito preocupante. Diante de problemas tão graves, recorre-se à velha e ineficiente prática das soluções tapa-buracos. É o caso da CPMF, que onerou ainda mais o inferno tributário do país e não resolveu o problema da saúde, conforme denunciam as estatísticas da tuberculose, da hanseníase, do sarampo, da dengue...
Outro exemplo: o Brasil tem, em sua Constituição, aquela que é considerada pelos especialistas a mais avançada legislação ambiental do planeta. Entretanto, na esteira da miséria e da falta de educação e cultura, continua a devastação da Amazônia, dos rios e do solo.
Nas grandes cidades, a poluição do ar não melhora. E dá-lhe soluções improvisadas, como o rodízio dos automóveis em São Paulo, que, além de cercear o direito de ir e vir, estimula a compra de segundos e terceiros carros em numerosas famílias -geralmente veículos mais baratos e velhos e, portanto, muito mais poluidores.
Em vez de fiscalizar a frota, impor o controle da emissão de gases e punir os transgressores de todas as leis ambientais, o Estado prefere criar mais uma indústria arrecadatória, colocando estagiários nas ruas para "faturar" as multas.
Todas essas questões vão tornando o Brasil muito distante do país desenvolvido que todos esperavam ver na virada do milênio. Somos uma ilha com problemas típicos do Terceiro Mundo, cercada de moeda estável por todos os lados. Moeda, porém, à qual cada vez menos brasileiros têm acesso, pois paulatinamente aumentam as estatísticas da exclusão social.


Max Schrappe, 65, industrial gráfico, é presidente da Abigraf (Associação Brasileira da Indústria Gráfica) e primeiro vice-presidente da Fiesp/Ciesp (Federação e Centro das Indústrias do Estado de São Paulo).



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