São Paulo, quarta, 20 de maio de 1998

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COLISÃO
Presidente dos EUA quer abertura agressiva, mas o do Brasil quer implementação de acordos da Rodada Uruguai
Comércio internacional opõe FHC a Clinton

CLÓVIS ROSSI
enviado especial a Genebra

Brasil e Estados Unidos bateram de frente, nas últimas 24 horas, em termos de interesses e prioridades em relação ao comércio internacional.
A tal ponto que, se o discurso que o presidente Fernando Henrique Cardoso pronunciou ontem, a propósito do 50º aniversário do sistema internacional de comércio, não tivesse vindo pronto do Brasil, pareceria uma resposta direta e frontal ao pronunciamento, na véspera, de seu colega norte-americano Bill Clinton.
Nem é preciso interpretar cada frase para notar profundas diferenças (ver quadro).
É verdade que Fernando Henrique tratou de minimizar o choque, ao conversar no início da noite com jornalistas brasileiros.
"É uma situação semelhante à que ocorre na Alca (Área de Livre Comércio das Américas, que deve englobar os 34 países americanos, menos Cuba) e que nós estamos conseguindo resolver", disse o presidente.
Mas emendou: "O Brasil coloca os seus interesses na mesa de negociações e não tem porque seguir os interesses dos outros".
Pelo menos em relação aos Estados Unidos, o interesse de cada parte segue, de fato, direção divergente.
Era da Informação
Os Estados Unidos, pela boca de Clinton, pregam, por exemplo, o aproveitamento "do pleno potencial da Era da Informação".
O Brasil, diz Fernando Henrique, prefere, antes, que estejam "implementados os compromissos acordados na Rodada Uruguai", o mais abrangente pacote de liberalização do comércio, concluído em 1994.
É uma alusão à necessidade de que os países ricos abram seus mercados agrícolas à produção brasileira (e dos demais países em desenvolvimento) e, também, ao período de transição, que vai durar mais três anos, para que caiam as tarifas de importação de bens industriais.
Agricultura e indústria, como é óbvio, são bens anteriores à Era da Informação.

Ao ataque
Clinton fala em "agressiva" abertura de mercados. Fernando Henrique ataca o fato de que, "em países desenvolvidos, não é incomum constatar-se que, sob o manto de medidas de defesa comercial, uma eficiente burocracia governamental substituiu, com vantagem, a deficiente competitividade de certos setores".
Aludiu especificamente às medidas compensatórias ou de antidumping, recursos que os Estados Unidos adotam mais do que qualquer outro país.
Servem, no primeiro caso, para se defender de supostos (ou reais) subsídios às exportações por outros países.
Já medidas antidumping são atos que tratam de impedir que um país venda em outro produtos a preços iguais ou inferiores aos de produção.
Ataque à lei
Fernando Henrique atacou igualmente a lei Helms-Burton, citando-a como exemplo de "leis comerciais de duvidosa compatibilidade com as normas multilateralmente acordadas".
É a lei norte-americana que impõe punições a quem comercialize com Cuba.
A menção à Helms-Burton não constava do texto do discurso presidencial distribuído previamente aos jornalistas.
Que as críticas a esses tipos de práticas comerciais se dirigem aos Estados Unidos, fica claro pela análise do ministro Botafogo Gonçalves (Indústria e Comércio).
"Outros países também praticam políticas inconsistentes com as normas da OMC, mas, como os Estados Unidos são a maior economia do mundo...".
A rigor, Fernando Henrique e Clinton só coincidem na análise que fazem da globalização.
Para Fernando Henrique, "é um fato, um processo real que está aí".
Para Clinton, "a globalização não é uma escolha política, é um fato".



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