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ANÁLISE
Ganância infectou crédulos e permitiu as trapaças
DO "FINANCIAL TIMES"
Para um homem notório por
sua ambiguidade deliberada,
Alan Greenspan, o presidente do
Federal Reserve (Fed, banco central dos Estados Unidos), tem um
talento notável para encontrar
frases reveladoras.
Em 1996, ele capturou toda uma
era em duas palavras: "exuberância irracional". E nesta semana,
saiu-se com outra: "ganância infecciosa".
A raiz da crise no setor de governança corporativa dos Estados
Unidos e, em escala menor, em
outros países, foi, nas palavras de
Greenspan no discurso dirigido
ao Congresso americano, "a rápida ampliação das capitalizações
que aconteceram na parte final
dos anos 90 nos mercados de
ações". Isso não se devia ao fato
de que as pessoas fossem mais gananciosas do que no passado,
mas sim, nas palavras dele, "a um
aumento desproporcional nas
oportunidades de avareza".
Força irresistível
Entre o começo de 1995 e seu pico, menos de seis anos mais tarde,
a capitalização dos mercados de
ações dos Estados Unidos aumentou em mais de US$ 12 trilhões. A força irresistível de uma
imensa oportunidade colidiu
contra o objeto que era a vigilância do patrimônio dos acionistas.
Apenas agora, com a queda nos
mercados, os resultados desse
choque vão sendo dolorosamente
revelados.
Como também disse o chairman do Fed, "advogados, auditores internos e externos, os conselhos das empresas, os analistas de
valores de Wall Street, as agências
de classificação de crédito e os
grandes detentores institucionais
de ações fracassaram todos, por
um motivo ou por outro, em detectar e denunciar aqueles que
violaram o nível de confiança essencial ao bom funcionamento
dos mercados".
Coisas impossíveis
É um julgamento severo mas
correto. No entanto, Greenspan
não avançou o suficiente. A ganância também criou investidores mais crédulos.
Ninguém é capaz de proteger as
pessoas contra si mesmas. Se estamos preparados para acreditar
em "até seis coisas impossíveis
antes do café da manhã", obviamente um tolo e seu dinheiro não
demorarão a se separar.
Mas sejamos justos. Talvez os
apostadores crédulos tenham
acreditado em apenas duas coisas
impossíveis.
O que se provou suficiente para
sustentar a disparada das avaliações dos valores das ações sem
base em receitas subjacentes que
as justificassem.
Os investidores decidiram encarar como corretas previsões de
longo prazo insensatas sobre os
lucros das empresas, e aceitaram
que muitas companhias bem administradas seriam capazes de gerar uma ascensão suave e ilimitada de seus lucros trimestrais.
É verdade que a suposta duplicação dos lucros reais das empresas dos Estados Unidos entre 1993
e o começo de 2000 ajudou os investidores a confundir uma recuperação cíclica com uma nova
tendência.
De forma semelhante, os executivos das empresas mesmos estavam felizes por prometer -e aparentemente executar- uma continuada elevação de seus lucros.
No entanto, bastaria pensar um
pouco para que a sobriedade prevalecesse. Os investidores deveriam ter compreendido que a
concorrência forçaria as empresas a distribuir quaisquer benefícios conferidos pelos ganhos de
produtividade aos seus clientes e
empregados.
Os investidores deveriam, igualmente, ter compreendido que era
improvável que os lucros corporativos crescessem mais rápido
que a economia em longo prazo.
Deveriam, além disso, ter sabido
que era inevitável que os lucros
viessem a flutuar.
Pensem sobre tudo isso. Em
longo prazo, a economia dos Estados Unidos pode crescer entre
3% e 4% ao ano em termos reais.
No Reino Unido e na Europa continental, a tendência real de crescimento é de entre 2% e 3%
anuais.
Portanto, o provável é que essas
sejam as taxas de crescimento de
longo prazo para os lucros. Pode
haver desvios em relação à tendência em prazo curto e médio,
mas não em prazo longo.
Crescimento de lucros
Presumam igualmente que a inflação fique entre os 2% e os 3%
anuais nessas economias. Portanto, os lucros e receitas nominais
teriam de subir entre 5% e 7%
anuais nos Estados Unidos e entre
os 4% e os 6% nominais na Europa para que a tendência se confirme. Algumas empresas indubitavelmente se sairão melhor que a
média.
Mas é igualmente seguro que
outras se saiam pior. Apenas os
grupos excepcionalmente bem
administrados ou bem posicionados conseguirão sustentar um
crescimento nominal de receita
da ordem de 10% ao ano, para não
falarmos de taxas mais elevadas.
Um executivo-chefe que prometa esse tipo de desempenho é
provavelmente um executivo-chefe disposto -ou predisposto a
ser forçado- a agir de maneira
irregular.
Se o exército de analistas, especialistas, assessores e executivos
disser coisa diferente, os investidores deveriam lembrar-se de que
interessa muito a essas pessoas
vender-lhes fantasias. Se as pessoas podem enriquecer vendendo
milagres, tentarão vender milagres. A manipulação imoral ou
completamente ilegal é o resultado, inevitável e humano.
Dois anos atrás, os investidores
estavam dispostos a acreditar em
qualquer coisa; agora, não confiam mais em nada. Assim, o mercado hoje pune aquilo que recompensava. Não se trata de uma crise
do capitalismo, mas de um mecanismo corretivo em funcionamento. Os mercados que hoje despencam e a descrença generalizada descendem diretamente da
bolha e da crença anteriores. Os crédulos pagam.
Compreensivelmente, os investidores estão enfurecidos por terem sido enganados. Querem a punição dos trapaceiros. E isso deveria efetivamente acontecer.
Mas foi a credulidade do público que tornou possível o reino dos
trapaceiros e dos pilantras. Os executivos-chefes deram aos investidores o que estes desejavam. Se não o tivessem feito, teriam sido punidos.
Trata-se, infelizmente, de uma velha história, repetida em quase
todas as gerações. Sem dúvida ela voltará a acontecer no futuro. A
ganância era de fato infecciosa. E é agradável lançar a culpa aos outros. Mas poucos escaparam à doença.
Tradução de Paulo Migliacci
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