São Paulo, sábado, 20 de julho de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

O euro forte e o Brasil

GESNER OLIVEIRA

Os brasileiros que viajaram para o exterior nestas férias de julho notaram que um sanduíche e uma cerveja em Nova York podem facilmente custar R$ 50 reais. A conta é muito mais salgada para quem viajou para os países europeus que adotaram o euro, em função da apreciação dessa moeda em relação ao dólar.
Essa percepção do turista sugere os efeitos mais gerais sobre a economia. Como o real tem o dólar como referência, e o dólar se depreciou comparativamente ao euro, o real está ainda mais depreciado em relação ao euro.
No início da tarde de ontem um euro estava cotado em algumas corretoras de São Paulo a R$ 2,97. Este valor está 29% mais alto que nas férias de julho do ano passado, quando o mesmo euro custava R$ 2,30.
Os preços dos bens na União Européia subiram apenas 2% desde julho passado. No caso de alguém que tenha obtido a correção de seu salário pela inflação dos últimos 12 meses, seu rendimento cresceu 7,3% no mesmo período. Ao fazer as contas, o turista brasileiro que visitou a zona do euro nestas férias perceberá uma elevação real de preços de cerca de 23% em comparação com as férias do ano passado. Para quem optou pelos EUA, o aumento foi de 7,6%. Moral da história: é melhor viajar pelo Brasil.
A contrapartida do empobrecimento do turista brasileiro no exterior é o aumento da competitividade das exportações brasileiras. Os itens da pauta brasileira se tornaram mais baratos comparativamente aos bens e serviços europeus e, em menor escala, aos dos EUA.
O movimento da moeda nacional vis-à-vis os dinheiros nacionais vem se tornando cada vez mais importante com a globalização e com o surgimento de múltiplas áreas monetárias com o dólar, iene e agora o euro, em contraste com a nítida hegemonia de um padrão monetário na maior parte dos últimos dois séculos (libra-ouro, dólar-ouro e dólar).
Em um país com vocação de comerciante mundial ("global trader"), isto é, com vendas diversificadas para a União Européia, EUA e Ásia, a dança das principais moedas importa, e muito.
O ganho de competitividade relativamente à União Européia tende a ser favorável ao Brasil porque a corrente de comércio com aquele bloco é ligeiramente maior do que com os EUA.
Das exportações brasileiras, 26% são dirigidas à União Européia e 27% das importações provêm daquele bloco. 25% das vendas externas vão para os EUA e 24% das compras vêm daquele país. Em 2001, Ásia e Argentina pesavam 12% e 9% nas exportações, respectivamente.
A taxa de câmbio real efetiva constitui indicador composto pelas taxas nominais de câmbio relativas às moedas dos principais parceiros comerciais, deflacionadas pelo diferencial entre a inflação no Brasil e a inflação média desses países.
Portanto, se a taxa de câmbio real efetiva aumenta, os produtos brasileiros estão mais baratos relativamente à média dos principais parceiros comercias e vice-versa. O gráfico nesta página mostra a evolução desta taxa desde a implementação do Plano Real.
Como lembrou nesta última quarta-feira o presidente do banco central dos EUA (Federal Reserve), Alan Greenspan, em pronunciamento no Congresso, taxas de câmbio são difíceis de prever, mesmo pelos modelos econômicos mais sofisticados, principalmente em momentos de turbulência na economia mundial.
Se prever a cotação do dólar já é difícil, imagine o movimento da taxa de câmbio efetiva real que depende de inúmeras variáveis como as inflações nacionais e a evolução da cotação de uma cesta de moedas.
Mas uma coisa é certa. No curto prazo, devem-se evitar a todo o custo movimentos artificiais em relação ao câmbio, como foi o período de sobrevalorização do real no segundo semestre de 1994. Nesse sentido, os regimes de câmbio flutuante, como o adotado pelo Brasil a partir de 1999, têm se mostrado mais adequados.
No médio prazo, não há milagre. Para produzir melhor e mais barato é necessário aumentar a produtividade, o que requer investimento e inovação. Só assim o turista brasileiro vai se sentir mais rico no exterior e certamente encontrar mais itens com a marca Brasil durante o verão nova-iorquino ou europeu.


Gesner Oliveira, 46, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-Eaesp, consultor da Tendências e ex-presidente do Cade.

Internet:
www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br


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