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OPINIÃO ECONÔMICA
Pandemônio
PAULO RABELLO DE CASTRO
Faz mais de 20 anos que começamos a desmanchar como um sorvete submetido ao calor do meio-dia. Depois de uma
taxa de crescimento olímpica no
período precedente a 1980 -ganhamos uma "medalha de ouro"
de expansão econômica entre
1900 e 1973, com o recorde de
4,9% de avanço anual do PIB
brasileiro (a produção total de
bens e serviços), e uma "medalha
de bronze", com 4,5% ao ano, na
contagem de todo o século 20
(1900 a 2000)-, a partir da virada dos anos 70 o nosso desempenho atlético na economia foi ficando muito para trás em relação
ao exibido por dezenas de outros
países.
Nem mesmo o benefício de um
honroso 5º ou 6º lugar na competição da maratona do crescimento foi conseguido nas duas décadas que vão de 1980 a 2002. Nesse
período, segundo o Iedi (Instituto
de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), que acaba de
rever esses dados numa pesquisa
de grande valor analítico e comparativa para a compreensão das
razões da sofrível posição do Brasil (www.iedi.org.br), a taxa de
crescimento do nosso país ficou
em 2,4% ao ano entre 1982 e 2002,
média incapaz de ao menos chegar perto das extraordinárias expansões na faixa de 7% a 10% de
mais de uma dezena de campeões
do crescimento, a começar pela
China, com expansão do PIB de
9,7% ao ano!
Numa faixa mais moderada
aparece, por exemplo, a Índia,
com uma expansão de 5,6% ao
ano (entre 1981 e 2000, segundo a
pesquisa do Iedi), belo desempenho para um país que precisa inverter o seu quadro dramático de
pobreza generalizada.
O Brasil, nesse contexto mundial de desempenhos, não foi assim tão mal quanto denotam os
números do PIB. Logo de saída, é
preciso lembrar que, na competição segmentada, houve avanços
significativos do Brasil. Em particular no agronegócio, o país sempre traz medalhas (no caso, traz
dólares de exportação) para casa.
Em 1978/1982, a produção brasileira anual de grãos colhia cerca
de 48 milhões de toneladas. Em
1998/2002 colheu uma média de
92 milhões de toneladas, um
avanço medido por 4,3% ao ano
no período.
Provavelmente nenhum outro
país, desenvolvido ou emergente,
terá alcançado essa marca do
agronegócio nacional. E, se formos olhar alguns outros campos
importantes, como extração mineral e petrolífera, educação e,
quem sabe, serviços de saúde (por
incrível que possa parecer!), aí
também o desempenho do Brasil
será destaque na certa.
Onde, então, é que nosso time
empaca, deixando a competição
passar?
Certamente, a explicação do
mau desempenho não está nos
atrasos setoriais, seja da agricultura ou de ramos da indústria,
como antes se pensava, nem mesmo pelo baixo coeficiente de educação formal do trabalhador brasileiro, apesar de ser essa uma restrição.
Lembrando a reação daquele
impaciente assessor do então candidato à Presidência dos EUA Bill
Clinton, ao relembrar-lhe "Its the
economy, stupid!", não custava
que alguém também nos gritasse:
"É a macroeconomia, gente!".
Ora, o que é, afinal, a macroeconomia? O estudo do Iedi nos traz
importantes pistas. O Brasil tem
sido, nos últimos 20 anos, um país
de taxas de juros (reais) consistentemente altas e de baixa competitividade cambial. Traduzindo: (1) alto custo financeiro, (2)
baixa irrigação de crédito e (3)
forte vulnerabilidade nas contas
externas. Como o próprio governo é o primeiro a pagar a conta
do alto custo financeiro e da vulnerabilidade externa, não sobram recursos para tocar as despesas de capital (investimentos),
já que boa parte da carga fiscal é
consumida hoje nos encargos de
juros da dívida pública, além dos
explosivos gastos primários.
Até 1994, o sorvete da economia
ia desmanchando na mão ao sol
da inflação escaldante, mas todo
mundo podia se lambuzar lambendo. Agora, guardaram o sorvete na geladeira do Banco Central. Assim, o sorvete não derrete
com a inflação, mas, em compensação, não se toma mais sorvete...
Isso tampouco é solução!
Reconhecer que a macroeconomia do Brasil está mal (não os setores produtivos, muito menos o
povo, que corre atrás do prejuízo!)
foi a tarefa bem cumprida pelo
correto diagnóstico do Iedi. Detectar câmbio e juros como sintomas importantes do nosso baixo
desempenho atlético, por assim
dizer, já é uma tremenda contribuição.
Também é bom recordar que a
consciência do nosso mau período é recente. Ainda há muita gente que acredita que vamos obter
muito crescimento com macroeconomia madrasta. Não vamos.
Outros ainda acham que basta
repetir a dose dos remédios vendidos na farmácia da comunidade
financeira para ficar curado da
apatia que nos consome. Ilusão
maior ainda.
Outros, enfim, acham que o
diagnóstico correto já existe há
muito tempo, mas o que falta é a
porta para a cura da doença.
Tampouco isso é verdade. Nesses
20 anos, assisti ao desfile das mais
profundas bobagens ditas por
macroeconomistas, políticos, curiosos em geral, e até, com certeza,
por mim mesmo.
Isso nada ajudou ao diagnóstico correto da anemia do crescimento. Quem não se lembra da
defesa fervorosa do congelamento
de preços e salários como remédio
aplaudido pelos doutos? Ou do repúdio das dívidas externa e interna?
O Brasil pode e vai sair desse
marasmo. Sem voluntarismo.
Com melhor compreensão da
macroeconomia doente, é possível chegar às respostas que queremos.
Mas há uma condição, ou, mais
precisamente, há duas: primeiro é
querer. Depois, saber querer.
Vontade de colocar o crescimento
na prioridade, na obsessão de cada dia, é o que faltou antes e que
parece ainda nos faltar hoje. Em
seguida, saber querer, não significa repetir apenas que o Banco
Central será prudente e conservador (isso deve estar no DNA dele)
ou que a Fazenda vai segurar o
caixa (isso deve estar no código
genético dela).
Falta o resto, bem maior do que
toda a ladainha do neoconservadorismo brasileiro. Falta desobstruir os caminhos bloqueados do
investimento público e das inversões privadas e recuperar aquele
gosto por fazer e fazer acontecer
que um dia nos empurrou para o
pódio das nações e que ainda poderá ressuscitar em nosso "ser coletivo" o espírito dos vencedores.
Paulo Rabello de Castro, 54, doutor em
economia pela Universidade de Chicago
(EUA), é vice-presidente do Instituto
Atlântico e chairman da SR Rating, agência brasileira de classificação de riscos de crédito. Escreve às quartas-feiras, a cada
15 dias, nesta coluna.
E-mail -
rabellodecastro@uol.com.br
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