São Paulo, domingo, 20 de agosto de 2006

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Crédito se esgota como motor econômico

Níveis de inadimplência têm alta significativa e IBGE diz que o consumidor chegou "ao limite" do seu endividamento

Técnico do Ipea afirma que a ampliação do crédito e os benefícios assistenciais deram "gás artificial" ao crescimento da economia


FERNANDO CANZIAN
DA REPORTAGEM LOCAL

A expansão do crédito como um dos motores do atual crescimento econômico chegou ao seu limite e está desacelerando. Ao mesmo tempo, há recordes no aumento do número de endividados e no comprometimento da renda com dívidas.
Em julho, o Brasil sofreu um aumento considerado "histórico" nos registros de CPFs de pessoas que não honraram suas dívidas. Houve um salto de 89,2% sobre julho de 2005 na média de 15 Estados (não inclui São Paulo), segundo o SPC Brasil (Serviço de Proteção ao Crédito). A alta acumulada no primeiro semestre é de 35%.
Em São Paulo, 38% dos consumidores declararam, em julho, estar com a renda comprometida com dívidas por mais de um ano. Um recorde, diz a Fecomercio SP, que reúne as empresas comerciais do Estado.
Segundo a entidade, mais de 55% dos paulistanos têm dívidas. Desses, 37,3% estão com as contas em atraso.
De acordo com o Banco Central, 7,7% das pessoas físicas estavam inadimplentes em maio. Do final de 2004 para cá, a inadimplência cresceu 24,2%. No crédito para a aquisição de bens de consumo, o não-pagamento chega a 11,3%. Como resposta, vários bancos já estão pisando no freio na oferta de crédito.
Segundo Marcel Solimeo, economista da ACSP (Associação Comercial de São Paulo), se os dados do BC excluíssem as operações de crédito consignado (com desconto direto em folha de pagamento e hoje 50% do crédito concedido), a inadimplência seria ainda maior.

Limite e artificialidade
Reinaldo Pereira, responsável pela Pesquisa Mensal de Comércio do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), afirma que o brasileiro está chegando "ao limite de seu endividamento".
Para o pesquisador Roberto Messenberg, do Ipea (Instituto de Economia Aplicada), ligado ao Ministério do Planejamento, o esgotamento do crédito revela a "artificialidade" e a "insustentabilidade" das políticas adotadas pelo governo para promover o crescimento atual.
"Muito disso [da expansão econômica e do crédito] fez parte de um processo de transferência de renda promovido pelo setor público. Os programas assistencialistas injetaram um poder de compra maior na economia. Isso deu um gás ao consumo e fez com que o ritmo fosse mantido por algum tempo. Mas é insustentável", afirma.
Na semana passada, a Folha entrevistou algumas pessoas que saíam de lojas especializadas em conceder crédito no centro de São Paulo. Há dezenas delas e centenas de funcionários "caçando" clientes nas ruas. Dois dos entrevistados foram à financeira tentar um novo crédito para pagar dívidas.
Basicamente, a inadimplência aumentou porque as pessoas se endividaram mais sem que houvesse um aumento correspondente na renda.
Nos últimos 12 meses, segundo o Banco Central, as operações de crédito às pessoas físicas tiveram aumento de 31%. Boa parte do crescimento deveu-se ao crédito consignado a pensionistas da Previdência Social, que hoje já representa a metade do que é concedido.
Em contrapartida, o aumento da massa real de rendimentos no Brasil deve subir apenas 5,5% neste ano.
Para 2007, as previsões de aumento da renda são piores. Devido a seu peso sobre as contas públicas, não são esperados um aumento significativo do salário mínimo (subiu 13,4% neste ano) ou os impactos positivos dos benefícios previdenciários atrelados ao mínimo.
Também não deverá ocorrer uma ampliação nos programas sociais como o Bolsa-Família, que atingirá seu limite de atendimento até o final de 2006. No emprego, a tendência é que a criação de vagas formais mude pouco. Hoje, 90% dos novos empregos pagam só até R$ 700.


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