São Paulo, sábado, 20 de outubro de 2007

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JOÃO SICSÚ

O marquetólogo, os juros e a área

O marquetólogo pensa que fiscais da Receita ficam em escritórios refrigerados só analisando declarações de IR

MARQUETÓLOGO é o estudioso das teorias de marketing. Mas também podemos atribuir ao termo outro significado: ideólogo a serviço dos ganhos exorbitantes do mercado financeiro. Os marquetólogos tiveram boa formação acadêmica. Mas marquetólogo é aquele que já abandonou critérios científicos de abordagem da realidade, é apenas um crente, é uma "caixa de som" portadora de idéias que nem sabe sequer a origem. O mercado financeiro não contrata apenas marquetólogos. Sérgio Werlang é um exemplo de um cientista a serviço de um grande banco.
Os marquetólogos têm idéias muito simples: 1) superávits primários fiscais e juros devem ser altos porque garantem ganhos seguros e elevados para os seus patrões e clientes e 2) o nanico Estado brasileiro é considerado culpado por todos os males da economia. Eles não percebem que o Estado não gera bem-estar social porque, acima de tudo, não tem um quantitativo de funcionários capaz de atender aos milhões de brasileiros carentes de serviços, por exemplo, de educação e saúde de boa qualidade.
Um desses marquetólogos me criticou, em artigo publicado na Folha, por ter usado como proxi para mensurar o nanismo do Estado brasileiro a quantidade de fiscais por 1.000 km2 relativamente a Bélgica, Japão, Holanda e outros países. Quando apresentei os dados, já esperava que tal crítica fosse feita. Mas, como a crítica demorou a aparecer, avaliei que tivesse subestimado a inteligência dos marquetólogos de plantão. Porém a crítica veio: não subestimei.
Segundo o Unafisco -Sindicato Nacional dos Fiscais da Receita Federal- e o estudo da OCDE que mencionei como fonte dos dados que havia apresentado, é reconhecido que a quantidade de fiscais da receita pública deve ser avaliada por duas dimensões:1) pelo tamanho do território/fronteiras e 2) pelo total de habitantes de um país.
A primeira dimensão, desprezada pelo marquetólogo, é muito importante, porque os fiscais da Receita Federal têm o dever de combater contrabando e atividades econômicas ilícitas, tal como a pirataria. O contrabando pode passar por fronteiras abandonadas. As mercadorias piratas podem ser produzidas em qualquer recanto do vasto território nacional. Cabe esclarecer, inclusive, que está escrito na carteira funcional dos fiscais da Receita Federal que estão autorizados a utilizar arma de fogo porque sua tarefa é fiscalizar regiões perigosas e desertas. O marquetólogo pensa que fiscais da Receita ficam dentro de escritórios refrigerados analisando declarações de Imposto de Renda.
É também um critério importante a ser levado em conta a relação entre a quantidade de fiscais e a quantidade de habitantes de um país. Pelo critério espacial, o Estado brasileiro é nanico. Pelo critério populacional também. O Brasil possui 0,04 fiscal por mil habitantes. A Bélgica possui 0,32, a Holanda, 0,58, e o Japão 0,30.
De fato, o Brasil precisa não somente de fiscais; precisa também contratar por concurso público para receber salários dignos: professores, médicos, enfermeiros, policiais, engenheiros e pesquisadores.
O marquetólogo tratou de um tema que desconhece. Deveria ter criticado é o Banco Central, onde foi diretor. Ele sabe como as coisas são decididas nessa instituição. Será que o Banco Central utilizou como base o tamanho continental do território nacional para manter a elevadíssima taxa Selic em 11,25% na sua última reunião? Talvez essa seja a explicação absurda que sustente a decisão absurda.


JOÃO SICSÚ é diretor de Estudos Macroeconômicos do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e professor do Instituto de Economia da UFRJ. É autor do livro "Emprego, Juros e Câmbio" (Campus-Elsevier, 2007) e co-autor e organizador do livro "Arrecadação (de onde vem?) e Gastos Públicos (para onde vão?)", Boitempo Editorial, 2007.


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