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JOÃO SICSÚ
O marquetólogo, os juros e a área
O marquetólogo pensa que
fiscais da Receita ficam em
escritórios refrigerados só
analisando declarações de IR
MARQUETÓLOGO é o estudioso das teorias de marketing. Mas também podemos atribuir ao termo outro significado: ideólogo a serviço dos ganhos
exorbitantes do mercado financeiro.
Os marquetólogos tiveram boa formação acadêmica. Mas marquetólogo é aquele que já abandonou critérios científicos de abordagem da
realidade, é apenas um crente, é
uma "caixa de som" portadora de
idéias que nem sabe sequer a origem. O mercado financeiro não contrata apenas marquetólogos. Sérgio
Werlang é um exemplo de um cientista a serviço de um grande banco.
Os marquetólogos têm idéias
muito simples: 1) superávits primários fiscais e juros devem ser altos
porque garantem ganhos seguros e
elevados para os seus patrões e
clientes e 2) o nanico Estado brasileiro é considerado culpado por todos os males da economia. Eles não
percebem que o Estado não gera
bem-estar social porque, acima de
tudo, não tem um quantitativo de
funcionários capaz de atender aos
milhões de brasileiros carentes de
serviços, por exemplo, de educação e
saúde de boa qualidade.
Um desses marquetólogos me criticou, em artigo publicado na Folha,
por ter usado como proxi para
mensurar o nanismo do Estado
brasileiro a quantidade de fiscais
por 1.000 km2 relativamente a Bélgica, Japão, Holanda e outros países. Quando apresentei os dados, já
esperava que tal crítica fosse feita.
Mas, como a crítica demorou a
aparecer, avaliei que tivesse subestimado a inteligência dos marquetólogos de plantão. Porém a crítica
veio: não subestimei.
Segundo o Unafisco -Sindicato
Nacional dos Fiscais da Receita Federal- e o estudo da OCDE que
mencionei como fonte dos dados
que havia apresentado, é reconhecido que a quantidade de fiscais da
receita pública deve ser avaliada
por duas dimensões:1) pelo tamanho do território/fronteiras e 2)
pelo total de habitantes de um país.
A primeira dimensão, desprezada pelo marquetólogo, é muito importante, porque os fiscais da Receita Federal têm o dever de combater contrabando e atividades
econômicas ilícitas, tal como a pirataria. O contrabando pode passar
por fronteiras abandonadas. As
mercadorias piratas podem ser
produzidas em qualquer recanto
do vasto território nacional. Cabe
esclarecer, inclusive, que está escrito na carteira funcional dos fiscais da Receita Federal que estão
autorizados a utilizar arma de fogo
porque sua tarefa é fiscalizar regiões perigosas e desertas. O marquetólogo pensa que fiscais da Receita ficam dentro de escritórios
refrigerados analisando declarações de Imposto de Renda.
É também um critério importante a ser levado em conta a relação
entre a quantidade de fiscais e a
quantidade de habitantes de um
país. Pelo critério espacial, o Estado brasileiro é nanico. Pelo critério
populacional também. O Brasil
possui 0,04 fiscal por mil habitantes. A Bélgica possui 0,32, a Holanda, 0,58, e o Japão 0,30.
De fato, o Brasil precisa não somente de fiscais; precisa também
contratar por concurso público para receber salários dignos: professores, médicos, enfermeiros, policiais, engenheiros e pesquisadores.
O marquetólogo tratou de um tema que desconhece. Deveria ter
criticado é o Banco Central, onde
foi diretor. Ele sabe como as coisas
são decididas nessa instituição. Será que o Banco Central utilizou como base o tamanho continental do
território nacional para manter a
elevadíssima taxa Selic em 11,25%
na sua última reunião? Talvez essa
seja a explicação absurda que sustente a decisão absurda.
JOÃO SICSÚ é diretor de Estudos Macroeconômicos do
Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e professor do Instituto de Economia da UFRJ. É autor do livro "Emprego, Juros e Câmbio" (Campus-Elsevier, 2007) e co-autor
e organizador do livro "Arrecadação (de onde vem?) e Gastos Públicos (para onde vão?)", Boitempo Editorial, 2007.
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