São Paulo, quarta-feira, 20 de novembro de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Infelizmente, nem Keynes, nem China, nem Índia

ANTONIO BARROS DE CASTRO

Duas novas críticas à situação em que se encontra a economia brasileira foram recentemente incorporadas ao debate.
A primeira aponta o fato de que desde os anos 1930 se sabe que o desemprego e a não-utilização de capacidade produtiva podem ser combatidos (ou "compensados") mediante políticas de estímulo às atividades econômicas. Costuma-se até agregar que isso vem sendo feito em países que dispõem de sólidas redes de proteção social. Com mais razão, acrescenta-se, políticas de natureza compensatória (monetárias e, possivelmente fiscais) deveriam ser usadas num país como o Brasil, no qual a proteção social é no mínimo precária.
A segunda crítica aponta o fato de que os países que melhor desempenho apresentam nos mais recentes anos são aqueles que não aceitaram passivamente as reformas pró-mercado. A China e a Índia costumam ser apontadas a esse propósito. Em ambos os países as reformas pró-mercado foram dosificadas e condicionadas por instituições e estruturas altamente peculiares.
Trata-se de argumentos respeitáveis. O problema é que não parecem ter em conta a especificidade da situação em que nos encontramos. Senão vejamos.
O Brasil, como outras economias da América Latina, passou, nos anos 1990, por um processo de endividamento externo, em maior ou menor medida frustrado. Concretamente: ao endividamento não corresponderam investimentos em escala comparável (a poupança doméstica proporcionalmente se retraiu); e o processo foi interrompido antes que amadurecessem as suas consequências positivas. Em outras palavras, caiu a entrada de financiamento, sem que tenha devidamente aumentado a capacidade de gerar recursos externos.
A economia fica então sujeita a um "stop and go". A cada retomada se segue prontamente a (re)descoberta de que a demanda doméstica não pode crescer.
Um novo estágio, possivelmente terminal, começa então a delinear-se. Ele surge quando, na percepção dos credores, o país se encontra fadado à quebra. O Brasil e a Argentina ingressaram nesse estágio, por ocasião da crise russa (meados de 1998).
Significa então que o Brasil está de fato condenado ao "default" e à crise que a ele invariavelmente se segue? Não necessariamente.
O Brasil reúne três trunfos de que a Argentina carecia. O primeiro é que o ajuste externo está se fazendo de forma espetacularmente rápida, sem quebra e colapso do nível de atividades. O segundo é que mesmo os títulos denominados em dólar são pagos em reais -e há incomparavelmente menos contratos dolarizados. O terceiro é que o país realizou, recentemente, sensível ajuste fiscal.
Mas e a Índia e a China?
O ponto relevante aqui é que aqueles países se caracterizam por instituições diferentes. Heterodoxas, sim, sem dúvida -exóticas, mesmo, aos nosso olhos. Mas certamente não se trata de modas ou improvisos. São o resultado (mutável, claro) de um processo de experimentação. Deram certo, deram errado, e o que resultou, em muitos casos, está presentemente funcionando bastante bem. Cansei de ver referências pejorativas àquelas "baleias" -por contraste com os míticos "tigres asiáticos". A propósito, o que não deu certo (não resistiu à experimentação) foi o New Deal norte-americano.
Ignorar as características do contexto é um vício compartilhado tanto pelos proponentes das reformas pró-mercado quanto, frequentemente, pelos que querem copiar soluções. Como já disse um arguto observador, instituições viajam mal -é preciso tempo para readaptá-las.


Antonio Barros de Castro, 58, professor titular da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.


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