São Paulo, quarta-feira, 20 de novembro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LUÍS NASSIF

O cerco aos gurus

No dia 23 de outubro deste ano, em pleno processo eleitoral, o analista da Salomon Smith Barney (ligada ao Citigroup) José Garcia-Cantera produziu um documento para a clientela, sobre os planos do PT, caso Lula fosse eleito.
Dizia estar de posse de um documento interno do partido, em que não se descartaria a possibilidade de mudar a regulação do setor para forçar os bancos a reduzir seus "spreads". Recomendava que os bancos não deveriam apostar no médio prazo no Brasil, em razão do risco de reestruturação da dívida pública, do risco de uma grande intervenção federal no setor e do risco de uma economia estagnada.
Por alguns detalhes do documento, percebe-se que Garcia-Cantera se baseou em uma reunião da equipe de Lula com a Febraban, na qual em nenhum momento essas hipóteses foram aventadas.
O que leva um analista a conclusões dessa natureza, sem nenhum embasamento na realidade? Pior: baseando-se em uma reunião na qual estava presente o mundo bancário brasileiro, sem que nenhum outro bancário tivesse entendido a conversa da maneira relatada?
A forma de entender esse jogo é recorrer ao "fator Jack Grubman", o ex-analista de telecomunicações da Salomon Smith Barney, divisão do Citicorp, acusado de ter manipulado análises para beneficiar operações do banco.
No dia 13 de abril passado, sob o título "O terremoto que se avizinha", antecipei aqui o que poderia acontecer com o Citibank. "Não se menospreze o trabalho iniciado por procuradores de Nova York contra bancos de investimentos nova-iorquinos, acusados de manipular o boom ocorrido na Nasdaq. Pode-se estar entrando em período de turbulência maior do que aquele provocado pela revelação das operações da Enron."
Na coluna mencionava outra, de 10 de março de 2000, que denunciava o papel deletério de alguns analistas de mercado, manipulando análises e informações para beneficiar as operações de suas instituições. E lembrava que "o primeiro passo das investigações certamente passará ou já passou pelo levantamento das maiores disparidades: aqueles "gurus", que erraram mais redondamente nas suas análises, ou os bancos, que erraram mais clamorosamente nos seus ratings".
Nesta semana, o colunista Ben White, do "The Washington Post", escreveu artigo com o título "Crise ética desafia reputação de Weill, o líder do Citi", publicado na segunda-feira em "O Estado de S.Paulo".
Dizia ele: "Enquanto se esforçava para transformar o Citigroup Inc. na maior e mais lucrativa empresa de serviços financeiros dos Estados Unidos, Sanford Weill ajudou a criar um tipo de Wall Street no qual os componentes-chaves do financiamento moderno trabalhavam juntos, sob o mesmo teto. Agora, o Citicorp e seu líder estão presos na investigação desse novo mundo".
"A questão é se os íntimos relacionamentos entre os analistas de ações e valores, os banqueiros de investimento e outros atores financeiros criaram conflitos que encorajaram companhias a enganar investidores e dar vantagens a grande clientes (...)"
Na semana passada, o "The Wall Street Journal" divulgou e-mails de Grubman dizendo ter melhorado a avaliação da AT&T para fortalecer a luta de Weill contra John Reed, co-presidente-executivo do Citigroup, o grupo resultante da fusão entre a Travelers, de Weill, e o Citicorp.
Minha coluna de abril terminava dizendo que "não se sabe quanto tempo se levará para esse quebra-cabeças ser montado. Mas virá terremoto do grosso por aí, porque vai se chegar ao epicentro da parte do sistema financeiro internacional, o poder hegemônico que dominou os fluxos especulativos da última década".
Agora as peças começam a se encaixar. É hora de o governo brasileiro, especificamente a embaixada em Washington, pensar em uma ação severa contra os analistas que manipularam o mercado contra o Brasil, como esse Garcia-Cantera. A Justiça norte-americana provavelmente não irá puni-lo pelas perdas que trouxeram ao Brasil. Mas certamente haverá procurador babando sangue, para punir quem enganou investidores norte-americanos.

E-mail - lnassif@uol.com.br


Texto Anterior: Indústria tem recuperação de vagas
Próximo Texto: Transição: FMI aceita, e revisão de meta do superávit fica para 2003
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.