|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LUÍS NASSIF
O cerco aos gurus
No dia 23 de outubro deste
ano, em pleno processo
eleitoral, o analista da Salomon
Smith Barney (ligada ao Citigroup) José Garcia-Cantera produziu um documento para a
clientela, sobre os planos do PT,
caso Lula fosse eleito.
Dizia estar de posse de um documento interno do partido, em
que não se descartaria a possibilidade de mudar a regulação do
setor para forçar os bancos a reduzir seus "spreads". Recomendava que os bancos não deveriam apostar no médio prazo no
Brasil, em razão do risco de reestruturação da dívida pública,
do risco de uma grande intervenção federal no setor e do risco de uma economia estagnada.
Por alguns detalhes do documento, percebe-se que Garcia-Cantera se baseou em uma reunião da equipe de Lula com a
Febraban, na qual em nenhum
momento essas hipóteses foram
aventadas.
O que leva um analista a conclusões dessa natureza, sem nenhum embasamento na realidade? Pior: baseando-se em
uma reunião na qual estava
presente o mundo bancário brasileiro, sem que nenhum outro
bancário tivesse entendido a
conversa da maneira relatada?
A forma de entender esse jogo
é recorrer ao "fator Jack Grubman", o ex-analista de telecomunicações da Salomon Smith
Barney, divisão do Citicorp,
acusado de ter manipulado
análises para beneficiar operações do banco.
No dia 13 de abril passado, sob
o título "O terremoto que se avizinha", antecipei aqui o que poderia acontecer com o Citibank.
"Não se menospreze o trabalho
iniciado por procuradores de
Nova York contra bancos de investimentos nova-iorquinos,
acusados de manipular o boom
ocorrido na Nasdaq. Pode-se estar entrando em período de turbulência maior do que aquele
provocado pela revelação das
operações da Enron."
Na coluna mencionava outra,
de 10 de março de 2000, que denunciava o papel deletério de
alguns analistas de mercado,
manipulando análises e informações para beneficiar as operações de suas instituições. E
lembrava que "o primeiro passo
das investigações certamente
passará ou já passou pelo levantamento das maiores disparidades: aqueles "gurus", que erraram mais redondamente nas
suas análises, ou os bancos, que
erraram mais clamorosamente
nos seus ratings".
Nesta semana, o colunista Ben
White, do "The Washington
Post", escreveu artigo com o título "Crise ética desafia reputação de Weill, o líder do Citi", publicado na segunda-feira em "O
Estado de S.Paulo".
Dizia ele: "Enquanto se esforçava para transformar o Citigroup Inc. na maior e mais lucrativa empresa de serviços financeiros dos Estados Unidos,
Sanford Weill ajudou a criar um
tipo de Wall Street no qual os
componentes-chaves do financiamento moderno trabalhavam juntos, sob o mesmo teto.
Agora, o Citicorp e seu líder estão presos na investigação desse
novo mundo".
"A questão é se os íntimos relacionamentos entre os analistas de ações e valores, os banqueiros de investimento e outros
atores financeiros criaram conflitos que encorajaram companhias a enganar investidores e
dar vantagens a grande clientes
(...)"
Na semana passada, o "The
Wall Street Journal" divulgou e-mails de Grubman dizendo ter
melhorado a avaliação da
AT&T para fortalecer a luta de
Weill contra John Reed, co-presidente-executivo do Citigroup,
o grupo resultante da fusão entre a Travelers, de Weill, e o Citicorp.
Minha coluna de abril terminava dizendo que "não se sabe
quanto tempo se levará para esse quebra-cabeças ser montado.
Mas virá terremoto do grosso
por aí, porque vai se chegar ao
epicentro da parte do sistema financeiro internacional, o poder
hegemônico que dominou os
fluxos especulativos da última
década".
Agora as peças começam a se
encaixar. É hora de o governo
brasileiro, especificamente a
embaixada em Washington,
pensar em uma ação severa contra os analistas que manipularam o mercado contra o Brasil,
como esse Garcia-Cantera. A
Justiça norte-americana provavelmente não irá puni-lo pelas
perdas que trouxeram ao Brasil.
Mas certamente haverá procurador babando sangue, para
punir quem enganou investidores norte-americanos.
E-mail - lnassif@uol.com.br
Texto Anterior: Indústria tem recuperação de vagas Próximo Texto: Transição: FMI aceita, e revisão de meta do superávit fica para 2003 Índice
|