São Paulo, quarta-feira, 20 de dezembro de 2000

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OPINIÃO ECONÔMICA

Privatizar a Cesp Paraná seria uma injustiça

JOAQUIM FRANCISCO DE CARVALHO

O cancelamento do leilão da Cesp Paraná, cuja realização estava marcada para o dia 6 deste mês, oferece-nos boa oportunidade para confrontar as promessas com os resultados da privatização das empresas de eletricidade. Como se sabe, o Executivo estadual já transferiu para a exploração privada, principalmente estrangeira, as maiores distribuidoras de eletricidade (Eletropaulo, CPFL e Elektro) e duas geradoras (Cesp Paranapanema e Cesp Tietê).
Com a Cesp Paraná teria sido alienada a maior geradora, mas os interessados no leilão, na expectativa de vantagens ainda maiores do que as oferecidas nas privatizações anteriores, desistiram na última hora. Parece-me claro que ganhou o consumidor, pois a privatização teria alargado ainda mais o caminho a cartéis que controlariam o sistema elétrico de ponta a ponta, para elevar as tarifas à vontade.
No início da atual gestão, o governador e seus secretários prometiam que, com a receita das privatizações, reduziriam a dívida pública e, livrando-se da responsabilidade de administrar empresas estatais, poderiam concentrar esforços em programas sociais como os de saneamento, habitação, saúde, segurança pública etc. O resultado foi o oposto do prometido: a dívida dobrou, os programas sociais estão à míngua e a violência é crescente.
Para o setor elétrico, as promessas eram que as tarifas cairiam e que o capital privado se encarregaria de expandir o sistema. Mas os fatos desmentiram os governantes: os novos donos das antigas estatais, no afã de cortar despesas para maximizar lucros, não fizeram os investimentos necessários para a expansão da capacidade geradora, comprometendo seriamente a confiabilidade do sistema -o risco de déficit triplicou, o que já sentiu-se nos "apagões" dos dias 12 e 14-, enquanto as tarifas, que eram acessíveis até para as populações de baixa renda, estão hoje entre as mais caras do mundo, e ainda serão dolarizadas.
Apesar desse retumbante fracasso, o governo obstinava-se em privatizar a Cesp Paraná -a maior geradora de São Paulo, com 6,622 milhões de quilowatts de potência instalada. O Programa Estadual de Desestatização, para simular um enganoso ágio, tinha fixado em R$ 1,739 bilhão o preço mínimo para alienação de 38,67% do capital da empresa. A subavaliação era clara, pois o custo de construção de novas hidrelétricas é da ordem de US$ 1.400 por quilowatt instalado. Portanto a fatia em causa vale cerca de US$ 3,6 bilhões, ou seja, R$ 7,2 bilhões ao câmbio atual. E aí não estão incluídas as vultosas disponibilidades financeiras em caixa, muito menos o inestimável valor das equipes de técnicos e engenheiros altamente qualificados que operam a empresa, cuja experiência absorvida "on the job" vale talvez mais do que os próprios ativos físicos.
Por outro lado, é inaceitável a artimanha usada em outras privatizações, de se avaliar pelo método do fluxo de caixa descontado o valor de um sistema público que gera eletricidade aproveitando o fluxo das águas correntes nos rios, que é permanente, tendo portanto valor amoedável automaticamente reajustado "ad infinitum". Aquele método é válido para calcular-se o valor presente de unidades industriais ou comerciais -não para se alienar um bem público de valor perene.
Não merece comentários a informação oficial de que o comprador arcaria com a dívida da empresa, num montante de R$ 6,8 bilhões. O que significa isso, diante de um potencial para auferir indefinidamente lucros líquidos superiores a R$ 2 bilhões por ano?
Os defensores da privatização da Cesp Paraná alegavam que o preço para a alienação referia-se a ativos contabilmente depreciados. Esquecem que as usinas foram construídas com recursos especialmente incorporados para isso na estrutura das tarifas de eletricidade pagas pela coletividade; vale dizer, foram "compradas" pelo povo, que as pagou, adquirindo o direito de receber energia elétrica a preços calculados com base nos ativos depreciados. Este ou qualquer outro governo, passageiro por natureza, não tem mandato para alienar tal direito, convertendo-o em fonte de lucros eternos para grupos escolhidos pelos tecnocratas de plantão.
Assinale-se, por fim, que a Cesp Paraná poderia desempenhar a importantíssima função estratégica de regular os custos da eletricidade que abastece São Paulo, compensando assim, pelo menos em parte, a inoperância do MAE (Mercado Atacadista de Energia) e da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), órgãos criados por sugestão de uma firma de consultoria britânica, inexperiente em sistemas hidrelétricos. De resto, em qualquer país soberano -inclusive nos Estados Unidos, onde quase tudo é privado- o controle das hidrelétricas é exercido por empresas públicas, visando à otimização hidrológica, à eficiência operacional e à preservação ambiental.
Os atuais governantes foram eleitos para administrar o patrimônio público, jamais para loteá-lo a seu bel-prazer. Privatizar a Cesp Paraná teria sido um ato tão iníquo e lesivo ao direito da coletividade, que nunca poderia ser considerado perfeito, sob o aspecto jurídico.

Joaquim Francisco de Carvalho, 65, é engenheiro do setor elétrico. Coordenou o setor industrial do Ministério do Planejamento (governos Castello Branco, Costa e Silva e Médici). Foi diretor da Nuclen e engenheiro da Cesp.

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