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OPINIÃO ECONÔMICA
Já vivemos em 2003
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
A semana que termina foi
muito rica em ensinamentos
sobre o que nos espera em 2003.
Na política e na economia. Um
novo tempo começa e renova a
energia de todo aquele que faz da
análise dos fatos sua atividade
profissional dominante. A velocidade com que o novo governo Lula impõe-se sobre todos nós faz
correr as horas em um ritmo alucinante. Escrevo minha coluna
semanal pleno de idéias e pensamentos. É necessário um esforço
muito grande para não deixar
apenas a emoção comandar
meus movimentos no teclado do
computador. As mudanças do PT
como partido político nesses últimos dias provocam em mim, vítima que fui de seu comportamento anterior no campo da oposição, reações muito fortes e difíceis
de serem controladas. Mas sinto
que preciso manter minha razão,
como força dominante das palavras que faço chegar a meus leitores habituais. Não quero incomodá-los com questões pessoais neste momento em que conhecer o
futuro do Brasil é uma preocupação de todos nós.
Mas vamos aos fatos! Começo
com o comportamento do mercado financeiro nesses últimos dias:
queda na cotação do dólar e no
risco Brasil; colapso das taxas de
juros cobradas pelos investidores
durante os últimos meses, para
rolar a dívida pública interna indexada ao dólar, e o claro indício
de que o dinheiro especulativo de
curto prazo, que havia fugido do
Brasil, já está de volta. Em outras
palavras, o país começa a sair da
armadilha de curto prazo em que
havia caído, depois que a vitória
de Lula ficou evidente para todos.
Como se diz no interior, matou a
cobra e mostrou o pau!
Há alguns dias, o Banco Central
foi obrigado a pagar a escandalosa taxa de 37% ao ano e mais a
variação do dólar para vender títulos públicos com vencimento no
primeiro dia útil de abril próximo. Esses mesmos títulos são negociados, hoje, com juros de menos de 20% ao ano, além da correção cambial do período. Na última quinta-feira, em leilão realizado já sob o signo desses novos
tempos em que vivemos, o BC colocou papéis cambiais que vencem no primeiro dia útil de julho
-cobrindo, portanto, o primeiro
semestre do próximo ano- com
juros abaixo de 20% ao ano. No
mesmo leilão, conseguiu vender
títulos com vencimento em janeiro de 2004, pagando, além da correção cambial do período, juros
pouco acima de 20% ao ano.
Para o analista experiente e
atento, esses são sinais evidentes
de que estamos saindo do encilhamento da dívida pública interna que foi o marco dos últimos
meses. Os juros são ainda elevados, sinal claro das dificuldades
estruturais em que nos metemos e
que ainda persistem, mas uma esperança abre-se sem dúvida para
o novo governo. Poderia citar outros sinais claros de melhora na
percepção dos mercados em relação ao futuro, mas a evidência
dos juros nos papéis cambiais é
suficiente.
Todo esse brutal ajuste nos preços dos principais ativos financeiros tem uma razão única: a percepção, cada dia mais clara, da
mudança de comportamento do
PT da oposição para o PT do governo. Não se conhece, na história
recente do Brasil, uma mudança
com essas velocidade e intensidade. E com essa cara de pau!
Meu leitor deve lembrar-se ainda das críticas que o presidente
Fernando Henrique Cardoso recebeu das hostes petistas quando
passou a governar com uma
agenda liberal pró-mercado. Foram buscar em seus escritos dos
anos 60 e 70 conceitos em oposição à linha política de seu governo e fizeram disso um escândalo.
O presidente teve a coragem de
dizer que o cobrassem não pelo
que havia escrito em seus tempos
de intelectual, mas sim pelo que
fazia como presidente de todos os
brasileiros.
Já o PT não teve a coragem de
fazer isso de maneira explícita e
clara e, por isso, está pagando -e
vai ainda pagar- muito caro por
essa contradição. A sabatina no
Senado Federal, que antecedeu a
aprovação do nome de Henrique
Meirelles como o presidente do
Banco Central escolhido por Lula,
foi constrangedora. Apesar do comedimento e da civilidade dos
partidos que serão oposição ao
novo governo!
Mas vamos deixar de lado essa
questão ética, principalmente em
relação aos militantes mais à esquerda do PT, e conversar um
pouco sobre o que esperar no
campo econômico do partido da
estrela recém-convertido à economia de mercado e à ortodoxia
econômica. Essa conversão não
foi fruto de um processo amplo de
reflexão política e dos valores econômicos históricos do partido, como ocorreu no caso famoso do
Partido Socialista Obreiro Espanhol. Não foi também motivada
pelo fracasso de uma política econômica de um governo socialista,
como o que ocorreu na França,
em 1982. Em ambos os casos, houve tempo e motivação para que as
novas diretrizes econômicas fossem discutidas e absorvidas por
quadros políticos e administrativos do próprio partido.
Isso não ocorreu com o PT, e
prova disso é a dificuldade que o
novo governo vem encontrando
para formar sua equipe econômica. No caso do presidente do BC, o
PT foi obrigado a buscar no PSDB
um quadro com as qualidades
necessárias para comandar essa
área complexa e decisiva. Além
disso, foi obrigado ao desgaste de
ver um profissional acusado pelo
próprio partido de comportamento ilícito nos fatos ligados à flutuação do real em 1999 ter de ser
defendido de forma envergonhada no plenário do Senado.
Essa falta de legitimidade na
adoção de uma agenda econômica de terceiros, estranha ao partido e à sua história, me faz lembrar de outro fato histórico recente como o paradigma mais próximo dessa conversão petista. Na
Argentina, o ex-presidente De la
Rúa venceu as eleições como candidato de um partido político de
oposição e com um discurso muito duro sobre a responsabilidade
do governo, que terminava seu
mandato, pelas dificuldades econômicas que viviam os argentinos. Vitorioso, assumiu por razões oportunistas o modelo econômico de seu antecessor, com
um discurso em que afirmava que
as dificuldades de então eram
frutos de uma gestão incompetente da economia e não do modelo
em si. O mesmo argumento foi
usado pelo futuro ministro da Fazenda, na última quarta-feira.
Não preciso detalhar o que ocorreu com De la Rúa para terminar
meu raciocínio...
Já disse várias vezes que a armadilha financeira em que nos
metemos exigirá do próximo governo uma política conservadora
e, em muitos momentos, burra
-como aconteceu agora na última reunião do Copom- para
podermos voltar a respirar. Mas
não pode o futuro ministro da Fazenda se entusiasmar com o modelo atual e esquecer-se de que foi
ele a causa principal de nosso colapso econômico recente.
Volto a insistir que, paralelamente à manutenção dos valores
do malanismo na gestão da economia no próximo ano, o futuro
governo deve desenvolver uma
nova agenda de trabalho que trate das questões centrais de hoje: a
vulnerabilidade externa e a questão dos juros internos. Não é uma
tarefa trivial para ser levada a
um bom termo, mas será uma armadilha terrível se não for enfrentada adequadamente. Que a
euforia que certamente teremos
no primeiro trimestre do próximo
ano não faça o governo esquecer
da magnitude e da urgência dos
problemas que tem pela frente.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 59,
engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e
ministro das Comunicações (governo
FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br
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