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PAULO RABELLO DE CASTRO
Presente de Natal
O "subsídio" ao parlamentar é só uma compensação para o representante do povo que vai de sua base até Brasília
NO APAGAR das luzes do ano de
custo político mais elevado
de todos os tempos, parlamentares daquele que foi considerado, por voz corrente, o pior Congresso da história republicana resolveram se auto-regalar um presente de
Natal, equiparando seus subsídios
ao do cargo de juiz do STF (Supremo
Tribunal Federal), com direito ao
"gatilho automático" de reajuste, cada vez que o Supremo decidisse pela
elevação de suas próprias remunerações.
Ocorre que, diferentemente do
juiz, do auditor fiscal, do diplomata
de carreira ou do funcionário administrativo, os senhores e senhoras
parlamentares não são empregados
do Estado, e sim representantes do
povo, eleitos justamente para defender os interesses da população perante o Estado nacional. O "subsídio" ao parlamentar é apenas uma
compensação financeira estabelecida para o representante do povo que
se desloca de sua base eleitoral até
Brasília, deixando seus afazeres profissionais para cuidar dos interesses
dos seus eleitores. Em tese, é uma
missão de sacrifício, algo para patriotas de primeira grandeza, homens e mulheres que respondem ao
chamamento de uma vocação pública, pro tempore, sempre com algum
prejuízo de ordem pessoal.
Doce ilusão de um cidadão. A atividade do político brasileiro converteu-se em emprego de interesse duradouro. O parlamentar, uma vez lá
encastelado, quer perenizar suas
vantagens; primeiro, como emprego
estável, em seguida, como aposentadoria, e, se possível, depois, como sucessão dinástica de pai para filho.
A decisão das lideranças partidárias de quase dobrar o seu próprio
"subsídio" poderia até fazer algum
sentido caso, por exemplo, tal ajuda
de custo, de tão defasada, monetariamente, houvesse se tornado irrisória. Mas não. A decisão das Mesas
do Congresso teve intenção muito
clara: equiparar o subsídio à mais alta remuneração do Estado brasileiro, como se o parlamentar fosse um
"funcionário público" de alto coturno, além disso atrelando a bondade
autoconferida a futuros reajustes do
Poder Judiciário. Faltou modéstia,
faltou bom senso e faltou até vergonha. Faltou também uma adequada
contabilidade de custos sociais. Sim,
porque, ao decidir pela absurda vantagem, os parlamentares da ativa
passaram a agraciar também as centenas de colegas seus "em gozo de
aposentadoria" (?), como se qualquer deles houvesse contribuído para o pecúlio extra que passariam a
auferir de mão beijada.
Que moral terão os congressistas
recém-eleitos de votar difíceis reformas saneadoras do gasto público a
partir do ano que vem, quando o
próprio colégio de representantes
do povo é o primeiro a promover a
explosão das despesas de hoje e de
amanhã? É só fazer as contas. Para
cobrir despesas públicas explosivas,
a carga tributária deve continuar a
crescer muito mais rápido do que a
geração de bens e serviços no setor
privado, cuja capacidade de reinvestimento vai se apertando e minguando. Cessa o potencial de crescimento e de geração de empregos na
economia produtiva, restando então, ao próprio governo, passar a distribuir "subsídios" também ao contingente de milhões de pessoas desempregadas pela recessão causada
pelo gasto público excessivo, novidade brasileira produzida no laboratório de aberrações econômicas do
atual modelo de estagnação auto-inflingida.
O Natal de 2006 será magro e triste, como o tem sido nos últimos
anos, para uma vasta maioria do povo brasileiro. O custo econômico de
decisões políticas equivocadas, como esta que nos escandaliza às vésperas do fim de ano, está no centro
da explicação da estagnação brasileira. A má política tem custado uma
perda de produção nacional que só
não é incomensurável porque os números existem e podemos medir o
prejuízo causado em termos de renda perdida pelos brasileiros. A conta
do custo econômico dessa má política é até simples: calcula-se em cerca
de US$ 100 de renda perdida, per capita, por ano. Durante os últimos 12
anos desde o Plano Real, cada brasileiro perdeu cerca de US$ 1.200, cumulativos.
Ou seja, se políticos decidissem as coisas certas, a renda per
capita da vasta maioria do povo já
seria suficiente para lhes dispensar
o cheque do Bolsa Família.
O Natal do brasileiro comum virou um presente às avessas. Assim
mesmo, feliz Natal!
PAULO RABELLO DE CASTRO, 57, doutor em economia
pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do
Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora
de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria
econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da
Fecomercio SP. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias,
nesta coluna.
rabellodecastro@uol.com.br
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