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São Paulo, sexta-feira, 21 de fevereiro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Pau que nasce torto morre torto!

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Em recente entrevista ao jornal "Valor", o ex-secretário da Fazenda de São Paulo Yoshiaki Nakano fez referência a um estudo do FMI sobre as experiências de vários países com o sistema de metas de inflação. O "paper" do Fundo analisa os resultados obtidos e afirma que, para o sucesso desse instrumento, são necessárias dez condições institucionais e conjunturais. Nakano, em seus comentários sobre a experiência brasileira dos últimos anos, analisa apenas duas delas: a questão do desequilíbrio fiscal e a fragilidade de nossas contas cambiais. Suas palavras são muito oportunas nesta ocasião em que o Banco Central do governo Lula reafirma, por palavras e atos do Copom, sua disposição de manter inalterado o mecanismo criado por Armínio Fraga em 1999.
Para que o leitor da Folha possa compreender com maior facilidade os argumentos contra e a favor dessa decisão do governo, relembro as condições em que o sistema de metas inflacionárias foi implantado pelo governo Fernando Henrique Cardoso. O debate sobre o sistema de metas iniciou-se no governo FHC, durante os dias dramáticos que se seguiram à moratória russa, em outubro de 1998. O ritmo alucinante de perdas de reservas externas levou o presidente a convocar uma reunião de sua equipe econômica no Palácio do Planalto. Reunião tensa e com uma clara divisão entre os defensores do regime cambial de taxas administradas e um grupo que, mais uma vez, defendia a flutuação do real. Dada a situação de crise, lembravam esses a necessidade de um apoio financeiro do FMI e da definição de uma nova política monetária para permitir a estabilização ordenada de nossa moeda depois da mudança do regime cambial.
O presidente decidiu pela ida ao Fundo, mas com a continuidade da política cambial e monetária de Gustavo Franco. Pouco mais de 60 dias depois, no início de janeiro de 1999, o governo foi forçado pelo mercado a deixar flutuar o real. Em vez de uma mudança controlada, com a definição de uma nova política monetária refletida com calma e com tempo para ser debatida, tivemos uma verdadeira operação a céu aberto e a adoção, na base da pressa e do desespero, do chamado sistema de metas de inflação.
Apesar dessa improvisação, os resultados obtidos inicialmente pelo Banco Central foram exitosos, com a estabilização da moeda, depois de um breve período de "overshooting". O sucesso obtido e a melhora nas condições dos mercados internacionais de capitais em 2000 abriram uma janela extraordinária para uma revisão cuidadosa do sistema adotado. Várias deficiências na sua metodologia já eram apontadas por vários analistas, inclusive os riscos de seguir adiante em condições conjunturais ainda desfavoráveis. Exatamente os dois pontos citados agora por Nakano e o FMI. Mas a equipe econômica estava eufórica com sua performance, levando o governo a manter o sistema e fixar metas irrealistas para os anos de 2001 e 2002.
A crise Argentina no início de 2001 e a crise energética no Brasil colocaram o modelo em crise. Sua rigidez não permitia lidar com esses novos desafios, e o descolamento da inflação realizada em relação às metas anunciadas passou a ser uma constante. Isso apesar das elevações dos juros nas reuniões do Copom. O golpe final sobre a política monetária de Armínio Fraga veio em 2002, com a crise de confiança gerada pelas eleições de outubro e a perspectiva de vitória do então candidato Lula.
A disparada do dólar no front interno e a elevação do preço do petróleo e de outras commodities agrícolas nos mercados internacionais criaram um choque de preços de enormes proporções, desmoralizando de vez as metas de inflação. "Last but not least", o impacto inflacionário que se seguiu ao crescimento de nosso saldo comercial e da redução da oferta interna de bens deu uma dinâmica ainda mais impressionante à escalada dos preços.
Com a troca de governo, uma nova oportunidade aparece para uma adequação do sistema de metas ao quadro conjuntural brasileiro. Mais uma oportunidade perdida! O governo do PT, verdadeiro cristão-novo da ortodoxia econômica, fica com medo de explicitar as mudanças pedidas por economistas que já haviam refletido sobre as armadilhas do sistema definido em 1999. Seria, segundo eles, um sinal de fraqueza em relação aos compromissos assumidos com o mercado. As duas reuniões do Copom do governo Lula seguiram a lógica de aumentar os juros para mostrar seu empenho em atingir a inatingível meta de 8,5% de inflação neste ano.
A armadilha de usar o ano civil de 2003 como período de referência vai obrigar nossa autoridade monetária a aumentar ainda mais os juros na reunião de março, aliás como já pede o mercado financeiro. Isso apesar de suas projeções mostrarem que atingiremos o número mágico se considerada a inflação apenas do último trimestre do ano.
Quantos recursos jogados fora por um erro metodológico e pela falta de coragem de explicitar a meta apenas para a parte final de 2003.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 60, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).

Internet: www.primeiraleitura.com.br

E-mail - lcmb2@terra.com.br


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