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OPINIÃO ECONÔMICA
Pau que nasce torto morre torto!
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
Em recente entrevista ao
jornal "Valor", o ex-secretário da Fazenda de São Paulo Yoshiaki Nakano fez referência a um
estudo do FMI sobre as experiências de vários países com o sistema de metas de inflação. O "paper" do Fundo analisa os resultados obtidos e afirma que, para o
sucesso desse instrumento, são
necessárias dez condições institucionais e conjunturais. Nakano,
em seus comentários sobre a experiência brasileira dos últimos
anos, analisa apenas duas delas:
a questão do desequilíbrio fiscal e
a fragilidade de nossas contas
cambiais. Suas palavras são muito oportunas nesta ocasião em
que o Banco Central do governo
Lula reafirma, por palavras e atos
do Copom, sua disposição de
manter inalterado o mecanismo
criado por Armínio Fraga em
1999.
Para que o leitor da Folha possa
compreender com maior facilidade os argumentos contra e a favor
dessa decisão do governo, relembro as condições em que o sistema
de metas inflacionárias foi implantado pelo governo Fernando
Henrique Cardoso. O debate sobre o sistema de metas iniciou-se
no governo FHC, durante os dias
dramáticos que se seguiram à
moratória russa, em outubro de
1998. O ritmo alucinante de perdas de reservas externas levou o
presidente a convocar uma reunião de sua equipe econômica no
Palácio do Planalto. Reunião tensa e com uma clara divisão entre
os defensores do regime cambial
de taxas administradas e um grupo que, mais uma vez, defendia a
flutuação do real. Dada a situação de crise, lembravam esses a
necessidade de um apoio financeiro do FMI e da definição de
uma nova política monetária para permitir a estabilização ordenada de nossa moeda depois da
mudança do regime cambial.
O presidente decidiu pela ida ao
Fundo, mas com a continuidade
da política cambial e monetária
de Gustavo Franco. Pouco mais
de 60 dias depois, no início de janeiro de 1999, o governo foi forçado pelo mercado a deixar flutuar
o real. Em vez de uma mudança
controlada, com a definição de
uma nova política monetária refletida com calma e com tempo
para ser debatida, tivemos uma
verdadeira operação a céu aberto
e a adoção, na base da pressa e do
desespero, do chamado sistema
de metas de inflação.
Apesar dessa improvisação, os
resultados obtidos inicialmente
pelo Banco Central foram exitosos, com a estabilização da moeda, depois de um breve período de
"overshooting". O sucesso obtido
e a melhora nas condições dos
mercados internacionais de capitais em 2000 abriram uma janela
extraordinária para uma revisão
cuidadosa do sistema adotado.
Várias deficiências na sua metodologia já eram apontadas por
vários analistas, inclusive os riscos de seguir adiante em condições conjunturais ainda desfavoráveis. Exatamente os dois pontos
citados agora por Nakano e o
FMI. Mas a equipe econômica estava eufórica com sua performance, levando o governo a manter o sistema e fixar metas irrealistas para os anos de 2001 e 2002.
A crise Argentina no início de
2001 e a crise energética no Brasil
colocaram o modelo em crise. Sua
rigidez não permitia lidar com esses novos desafios, e o descolamento da inflação realizada em
relação às metas anunciadas passou a ser uma constante. Isso apesar das elevações dos juros nas
reuniões do Copom. O golpe final
sobre a política monetária de Armínio Fraga veio em 2002, com a
crise de confiança gerada pelas
eleições de outubro e a perspectiva de vitória do então candidato
Lula.
A disparada do dólar no front
interno e a elevação do preço do
petróleo e de outras commodities
agrícolas nos mercados internacionais criaram um choque de
preços de enormes proporções,
desmoralizando de vez as metas
de inflação. "Last but not least", o
impacto inflacionário que se seguiu ao crescimento de nosso saldo comercial e da redução da
oferta interna de bens deu uma
dinâmica ainda mais impressionante à escalada dos preços.
Com a troca de governo, uma
nova oportunidade aparece para
uma adequação do sistema de
metas ao quadro conjuntural
brasileiro. Mais uma oportunidade perdida! O governo do PT, verdadeiro cristão-novo da ortodoxia econômica, fica com medo de
explicitar as mudanças pedidas
por economistas que já haviam
refletido sobre as armadilhas do
sistema definido em 1999. Seria,
segundo eles, um sinal de fraqueza em relação aos compromissos
assumidos com o mercado. As
duas reuniões do Copom do governo Lula seguiram a lógica de
aumentar os juros para mostrar
seu empenho em atingir a inatingível meta de 8,5% de inflação
neste ano.
A armadilha de usar o ano civil
de 2003 como período de referência vai obrigar nossa autoridade
monetária a aumentar ainda
mais os juros na reunião de março, aliás como já pede o mercado
financeiro. Isso apesar de suas
projeções mostrarem que atingiremos o número mágico se considerada a inflação apenas do último trimestre do ano.
Quantos recursos jogados fora
por um erro metodológico e pela
falta de coragem de explicitar a
meta apenas para a parte final de
2003.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 60,
engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e
ministro das Comunicações (governo
FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br
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