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São Paulo, sexta-feira, 21 de março de 2003

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LUÍS NASSIF

O pós-lua-de-mel

O problema do governo Lula não é a falta de ritmo atual. Apenas o mercado, com sua infinita superficialidade, poderia supor um partido, recém-chegado ao poder, conseguir pique operacional no primeiro ano.
O problema do PT é que foram muito altas as expectativas com a eleição de Lula. Nesses processos, a virada do pêndulo também costuma ser muito rápida. E o que apresentar quando terminar a lua-de-mel?
Nessa hora ficarão mais claras imprudências cometidas no período. O PT agiu de forma prudente ao manter os rumos da política econômica, ao evitar retaliações ao governo que passou e ao disciplinar as declarações dos ministros e da sua militância. Mas cochilou ao não determinar regras de atuação dos novos ministros.
Em muitas áreas ocorreu uma limpa geral em cargos de segundo e terceiro escalões. Não se tratou meramente de mudar comando, mas de limpar imprudentemente os escalões burocráticos. Essa imprudência está provocando a virtual paralisia de muitas áreas e ministérios e vai dispersar energias que deveriam estar concentradas na definição de planos de ação para a solução dos enormes problemas legados pela gestão Fernando Henrique Cardoso.
A herança, ainda que pesada, não poderá indefinidamente servir de desculpa para a não-ação. Há uma longa e relevante lista de tarefas a serem realizadas neste ano, só que não se sabe onde estão os formuladores. Exemplos:
1) Política de desenvolvimento - Até agora o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) formulou um conceito de atuação -investir na inclusão social- que está longe de se constituir em uma política desenvolvimentista. O Ministério do Desenvolvimento está mais preocupado em criar ferramentas operacionais. O governo Lula continua devendo a agenda positiva.
2) Mercado de capitais - Na campanha foi anunciado como prioridade, como única saída para a capitalização das empresas. Depois, a única coisa que se ouviu foram declarações contrárias ao uso do BNDES para estimular o setor.
3) Saneamento básico - O governo Fernando Henrique Cardoso produziu não só o apagão de energia como o de saneamento. E agora, o que está sendo pensado para revitalizar o setor?
4) Modelo elétrico - A ministra Dilma Rousseff (Minas e Energia) agiu com firmeza, ao impedir que muitos autores se apropriassem do tema reforma do setor elétrico. Mas qual o projeto que garante a manutenção dos investimentos?
5) Política científico-tecnológica - Não se espere nada da equipe do ministro Roberto Amaral (Ciência e Tecnologia). Mas quem vai formular a proposta?
6) Indicadores educacionais - O Ministério da Educação ameaçou acabar com o Provão, mais visível indicador do setor. Recuou ante as pressões. Mas o Idep tem adotado posições dúbias em relação ao tema, como organizar seminários para avaliar os indicadores e não convidar as universidades que são avaliadas. Além disso, o ministro Cristovam Buarque andou acenando com a ampliação da participação de funcionários e alunos na escolha de reitores de universidades federais.
Enfim, há um longo caminho de reconstrução aguardando projetos de governo. A saída é um choque de gestão. Mas aparentemente Lula e FHC têm algo em comum: o gosto pela retórica, mais do que pela realização.

E-mail - LNassif@uol.com.br


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