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COMENTÁRIO
Manifestantes querem globalização alternativa
MICHAEL HARDT E
ANTONIO NEGRI
DO "THE NEW YORK TIMES"
Gênova, a cidade renascentista
conhecida por sua abertura e
grande sofisticação política, está
em crise neste fim de semana. Deveria ter aberto alegremente seus
portões para a realização da cúpula dos líderes mais poderosos do
mundo. Mas, em vez disso, a cidade foi transformada em uma fortaleza medieval de barricadas
com controles de alta tecnologia.
A ideologia dominante sobre a
atual forma de globalização é que
não há alternativa. E, estranhamente, isso restringe tanto os governantes quanto os governados.
Os líderes do G-8 não têm alternativa senão tentar demonstrar
sofisticação política. Eles querem
parecer caridosos e transparentes.
Prometem ajudar os pobres e se
ajoelham diante do papa e seus
interesses. Mas a verdadeira agenda é a renegociação das relações
entre os poderosos sobre questões como a construção de sistemas de defesa antimísseis.
De certa forma, porém, os líderes parecem distantes das transformações que os cercam, como
se estivessem seguindo as orientações cênicas de uma peça antiga.
Já podemos ver a foto, embora
ainda não tenha sido tirada: o presidente George W. Bush, como
um rei improvável, ladeado por
monarcas menores. Essa não é
exatamente uma imagem do futuro. Os que protestam contra a cúpula de Gênova, porém, não se
deixam distrair por esses símbolos de poder antiquados. Eles sabem que um sistema global fundamentalmente novo está sendo
formado. Não pode mais ser compreendido em termos de imperialismo britânico, francês, russo ou
mesmo americano.
Os vários protestos que antecederam Gênova se baseavam no
reconhecimento de que nenhuma
potência nacional está no controle da atual ordem mundial. Em
consequência, os protestos devem ser dirigidos para organizações internacionais e supranacionais, como o G-8, a OMC e o FMI.
Os movimentos não são antiamericanos, como parecem, mas dirigidos para uma estrutura de poder diferente e maior.
Se não são potências nacionais,
mas supranacionais, que hoje regem a globalização, devemos admitir que essa nova ordem não
tem mecanismos institucionais
de representação democrática,
como têm os países-nações: não
há eleições nem debates públicos.
Os governantes são efetivamente cegos e surdos para os governados. Os manifestantes saem às
ruas porque essa é a forma de expressão de que dispõem. A falta
de outras vias e de mecanismos
sociais não é culpa deles.
Antiglobalização não é uma
descrição adequada para as manifestações em Gênova (ou Québec,
ou Praga ou Seattle). O debate sobre a globalização continuará irremediavelmente confuso, na
verdade, se não insistirmos em
qualificar o termo "globalização".
Os manifestantes estão realmente
unidos contra a atual forma de
globalização capitalista, mas a
maioria deles não é contra as forças e correntes globalizadoras em
si. Eles não são isolacionistas, separatistas nem nacionalistas.
Os próprios protestos se tornaram movimentos globais, e um de
seus objetivos mais claros é a democratização dos processos globalizadores. Não deve ser chamado de movimento antiglobalização. Trata-se de um movimento
alternativo de globalização, que
quer eliminar desigualdades entre
ricos e pobres e expandir as possibilidades de autodeterminação.
Devemos captar das vozes ouvidas em Gênova que um futuro diferente e melhor é possível. Quando se reconhece o tremendo poder das forças internacionais e supranacionais que apóiam nossa
atual forma de globalização, pode-se concluir que é inútil resistir.
Mas os que estão hoje nas ruas
são tolos o bastante para acreditar
que há alternativas possíveis. Surgiu uma nova espécie de ativista
político, com um espírito que é remanescente do idealismo paradoxal dos anos 60 -o rumo de ação
realista hoje é exigir algo aparentemente impossível ou novo.
Os movimentos de protesto são
parte integral de uma sociedade
democrática e somente por essa
razão devemos agradecer àqueles
que estão em Gênova, quer concordemos com eles ou não. Os
movimentos de protesto, no entanto, não fornecem um plano
prático para solucionar os problemas, e não devemos esperar isso
deles. Sua principal intenção é
criar desejos políticos de um futuro melhor.
Já vemos sementes desse futuro
no mar de rostos que se estende
das ruas de Seattle às de Gênova.
Uma das características mais
marcantes desses movimentos é
sua diversidade: sindicalistas ao
lado de ecologistas, com sacerdotes e comunistas. Estamos começando a ver o surgimento de uma
multidão que não é definida por
uma identidade isolada, mas que
consegue descobrir a comunidade em sua multiplicidade.
Esse movimento é o que liga
mais claramente Gênova à abertura para novos tipos de intercâmbio e novas idéias de seu passado renascentista.
Michael Hardt e Antonio Negri
são autores de "Empire"
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