São Paulo, sábado, 21 de julho de 2001

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COMENTÁRIO

Manifestantes querem globalização alternativa

MICHAEL HARDT E
ANTONIO NEGRI


DO "THE NEW YORK TIMES"

Gênova, a cidade renascentista conhecida por sua abertura e grande sofisticação política, está em crise neste fim de semana. Deveria ter aberto alegremente seus portões para a realização da cúpula dos líderes mais poderosos do mundo. Mas, em vez disso, a cidade foi transformada em uma fortaleza medieval de barricadas com controles de alta tecnologia. A ideologia dominante sobre a atual forma de globalização é que não há alternativa. E, estranhamente, isso restringe tanto os governantes quanto os governados.
Os líderes do G-8 não têm alternativa senão tentar demonstrar sofisticação política. Eles querem parecer caridosos e transparentes. Prometem ajudar os pobres e se ajoelham diante do papa e seus interesses. Mas a verdadeira agenda é a renegociação das relações entre os poderosos sobre questões como a construção de sistemas de defesa antimísseis.
De certa forma, porém, os líderes parecem distantes das transformações que os cercam, como se estivessem seguindo as orientações cênicas de uma peça antiga. Já podemos ver a foto, embora ainda não tenha sido tirada: o presidente George W. Bush, como um rei improvável, ladeado por monarcas menores. Essa não é exatamente uma imagem do futuro. Os que protestam contra a cúpula de Gênova, porém, não se deixam distrair por esses símbolos de poder antiquados. Eles sabem que um sistema global fundamentalmente novo está sendo formado. Não pode mais ser compreendido em termos de imperialismo britânico, francês, russo ou mesmo americano.
Os vários protestos que antecederam Gênova se baseavam no reconhecimento de que nenhuma potência nacional está no controle da atual ordem mundial. Em consequência, os protestos devem ser dirigidos para organizações internacionais e supranacionais, como o G-8, a OMC e o FMI. Os movimentos não são antiamericanos, como parecem, mas dirigidos para uma estrutura de poder diferente e maior.
Se não são potências nacionais, mas supranacionais, que hoje regem a globalização, devemos admitir que essa nova ordem não tem mecanismos institucionais de representação democrática, como têm os países-nações: não há eleições nem debates públicos.
Os governantes são efetivamente cegos e surdos para os governados. Os manifestantes saem às ruas porque essa é a forma de expressão de que dispõem. A falta de outras vias e de mecanismos sociais não é culpa deles.
Antiglobalização não é uma descrição adequada para as manifestações em Gênova (ou Québec, ou Praga ou Seattle). O debate sobre a globalização continuará irremediavelmente confuso, na verdade, se não insistirmos em qualificar o termo "globalização". Os manifestantes estão realmente unidos contra a atual forma de globalização capitalista, mas a maioria deles não é contra as forças e correntes globalizadoras em si. Eles não são isolacionistas, separatistas nem nacionalistas.
Os próprios protestos se tornaram movimentos globais, e um de seus objetivos mais claros é a democratização dos processos globalizadores. Não deve ser chamado de movimento antiglobalização. Trata-se de um movimento alternativo de globalização, que quer eliminar desigualdades entre ricos e pobres e expandir as possibilidades de autodeterminação.
Devemos captar das vozes ouvidas em Gênova que um futuro diferente e melhor é possível. Quando se reconhece o tremendo poder das forças internacionais e supranacionais que apóiam nossa atual forma de globalização, pode-se concluir que é inútil resistir.
Mas os que estão hoje nas ruas são tolos o bastante para acreditar que há alternativas possíveis. Surgiu uma nova espécie de ativista político, com um espírito que é remanescente do idealismo paradoxal dos anos 60 -o rumo de ação realista hoje é exigir algo aparentemente impossível ou novo.
Os movimentos de protesto são parte integral de uma sociedade democrática e somente por essa razão devemos agradecer àqueles que estão em Gênova, quer concordemos com eles ou não. Os movimentos de protesto, no entanto, não fornecem um plano prático para solucionar os problemas, e não devemos esperar isso deles. Sua principal intenção é criar desejos políticos de um futuro melhor.
Já vemos sementes desse futuro no mar de rostos que se estende das ruas de Seattle às de Gênova. Uma das características mais marcantes desses movimentos é sua diversidade: sindicalistas ao lado de ecologistas, com sacerdotes e comunistas. Estamos começando a ver o surgimento de uma multidão que não é definida por uma identidade isolada, mas que consegue descobrir a comunidade em sua multiplicidade.
Esse movimento é o que liga mais claramente Gênova à abertura para novos tipos de intercâmbio e novas idéias de seu passado renascentista.


Michael Hardt e Antonio Negri são autores de "Empire"



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