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OPINIÃO ECONÔMICA
Os três porquinhos em recuperação
GESNER OLIVEIRA
A economia política da recuperação é curiosamente
mais complexa do que a de conjunturas de crise. As boas notícias
em relação ao emprego e à produção das últimas semanas melhoram o humor em todos os mercados, mas exigem um roteiro claro
de ação que nem sempre está disponível.
No auge da crise, todos os problemas e as demandas setoriais
perdem prioridade. De certa forma, é mais fácil para o governo
negar determinados pleitos setoriais diante de uma escalada do
prêmio de risco-país ou de uma
forte contração do comércio
mundial. Em meio a crises agudas, o governante não precisa ter
uma agenda, pois a crise não deixa muita margem de manobra
em relação àquilo que deve ser
feito.
A situação atual é diferente. O
pior da tempestade mundial passou e restam riscos menos palpáveis. Os mais pessimistas podem
alegar que o petróleo beirando os
US$ 50 o barril constitui ameaça
concreta, mas é difícil imaginar
que tal patamar de preços permaneça por muito tempo. Não há excesso de demanda de petróleo no
mundo para sustentar tal preço.
Além disso, o Brasil está menos
vulnerável a choques do petróleo
relativamente ao passado e a outros emergentes.
O Brasil tem uma janela de
oportunidade que precisa ser bem
aproveitada. Mas isso requer realismo acerca das fragilidades da
economia e clareza em relação às
prioridades. Embora as contas
externas registrem sensível melhora com a mudança de patamar das exportações, o Brasil ainda está vulnerável a crises externas. Qualquer choque que acarrete elevação do dólar e dos juros se
traduz imediatamente em forte
crescimento da dívida pública,
elevando o risco de "default" e deteriorando ainda mais as contas
públicas.
Além disso, a recuperação da
atividade se dá com uma pressão
crescente sobre a precária infra-estrutura do país. Nem bem o país
começou a experimentar um pouco de crescimento e já há gargalos
nos modais de transporte e nos
principais portos. Imagine a situação em um cenário desejável
de expansão entre 3% e 4% nos
próximos dois anos.
A superação dos problemas de
infra-estrutura exige investimentos imediatos. Trata-se de viabilizar projetos de longo prazo de
maturação que vão entrar em
funcionamento não neste ano ou
no próximo ano, mas em 2006/07.
Daí a urgência de estimular as inversões produtivas.
Isso exige o máximo esforço de
racionalização das despesas públicas para poupar recursos para
o investimento. Como a fonte pública é sabidamente insuficiente,
terá de haver um decidido engajamento do setor privado, para o
que a adequação e a estabilidade
de regras nos segmentos de infra-estrutura são essenciais.
A execução de tais tarefas é extremamente difícil. Exige uma
agenda clara e foco nas prioridades. Os sinais para a sociedade e
para os investidores devem ser
inequívocos e unidirecionais. O
país inteiro precisa ser mobilizado em prol do crescimento.
No entanto, como não há uma
situação crítica na economia, a
agenda política tende a ser dispersiva, e os pleitos corporativos e
setoriais proliferam em prejuízo
da maior solidez das contas públicas. Por sua vez, o discurso governamental é ambíguo, e continua a impressão que o governo é
capaz de fabricar constrangimentos políticos sucessivos.
A fábula dos irmãos Grimm ensina que as decisões dos porquinhos Cícero e Heitor estavam
equivocadas no médio prazo. A
opção por casas de palha e de madeira não resistiram aos ataques
fulminantes do lobo.
Uma análise fria da situação
brasileira sugere que o Brasil não
está imune a uma inversão do
atual ciclo de expansão da economia mundial. Faltam, contudo,
incentivos adequados para que o
país tome as providências necessárias para atenuar os choques
externos do futuro.
Gesner Oliveira, 48, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br
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