São Paulo, sábado, 21 de agosto de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Os três porquinhos em recuperação

GESNER OLIVEIRA

A economia política da recuperação é curiosamente mais complexa do que a de conjunturas de crise. As boas notícias em relação ao emprego e à produção das últimas semanas melhoram o humor em todos os mercados, mas exigem um roteiro claro de ação que nem sempre está disponível.
No auge da crise, todos os problemas e as demandas setoriais perdem prioridade. De certa forma, é mais fácil para o governo negar determinados pleitos setoriais diante de uma escalada do prêmio de risco-país ou de uma forte contração do comércio mundial. Em meio a crises agudas, o governante não precisa ter uma agenda, pois a crise não deixa muita margem de manobra em relação àquilo que deve ser feito.
A situação atual é diferente. O pior da tempestade mundial passou e restam riscos menos palpáveis. Os mais pessimistas podem alegar que o petróleo beirando os US$ 50 o barril constitui ameaça concreta, mas é difícil imaginar que tal patamar de preços permaneça por muito tempo. Não há excesso de demanda de petróleo no mundo para sustentar tal preço. Além disso, o Brasil está menos vulnerável a choques do petróleo relativamente ao passado e a outros emergentes.
O Brasil tem uma janela de oportunidade que precisa ser bem aproveitada. Mas isso requer realismo acerca das fragilidades da economia e clareza em relação às prioridades. Embora as contas externas registrem sensível melhora com a mudança de patamar das exportações, o Brasil ainda está vulnerável a crises externas. Qualquer choque que acarrete elevação do dólar e dos juros se traduz imediatamente em forte crescimento da dívida pública, elevando o risco de "default" e deteriorando ainda mais as contas públicas.
Além disso, a recuperação da atividade se dá com uma pressão crescente sobre a precária infra-estrutura do país. Nem bem o país começou a experimentar um pouco de crescimento e já há gargalos nos modais de transporte e nos principais portos. Imagine a situação em um cenário desejável de expansão entre 3% e 4% nos próximos dois anos.
A superação dos problemas de infra-estrutura exige investimentos imediatos. Trata-se de viabilizar projetos de longo prazo de maturação que vão entrar em funcionamento não neste ano ou no próximo ano, mas em 2006/07. Daí a urgência de estimular as inversões produtivas.
Isso exige o máximo esforço de racionalização das despesas públicas para poupar recursos para o investimento. Como a fonte pública é sabidamente insuficiente, terá de haver um decidido engajamento do setor privado, para o que a adequação e a estabilidade de regras nos segmentos de infra-estrutura são essenciais.
A execução de tais tarefas é extremamente difícil. Exige uma agenda clara e foco nas prioridades. Os sinais para a sociedade e para os investidores devem ser inequívocos e unidirecionais. O país inteiro precisa ser mobilizado em prol do crescimento.
No entanto, como não há uma situação crítica na economia, a agenda política tende a ser dispersiva, e os pleitos corporativos e setoriais proliferam em prejuízo da maior solidez das contas públicas. Por sua vez, o discurso governamental é ambíguo, e continua a impressão que o governo é capaz de fabricar constrangimentos políticos sucessivos.
A fábula dos irmãos Grimm ensina que as decisões dos porquinhos Cícero e Heitor estavam equivocadas no médio prazo. A opção por casas de palha e de madeira não resistiram aos ataques fulminantes do lobo.
Uma análise fria da situação brasileira sugere que o Brasil não está imune a uma inversão do atual ciclo de expansão da economia mundial. Faltam, contudo, incentivos adequados para que o país tome as providências necessárias para atenuar os choques externos do futuro.


Gesner Oliveira, 48, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br


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