São Paulo, sexta-feira, 21 de setembro de 2007

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EUA dão passo que pode desbloquear Rodada Doha

País diz que aceita reduzir subsídios a agricultores

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

Os Estados Unidos deram ontem um passo importante capaz de, eventualmente, desbloquear a Rodada Doha, o mais ambicioso ciclo de negociações para liberalização comercial, lançada em 2001, na capital do Qatar, e virtualmente estancada desde então.
Os Estados Unidos se disseram dispostos a negociar com base nas cifras expostas no documento apresentado em julho pelo presidente do Comitê de Negociações Agrícolas, o neozelandês Crawford Falconer, anunciou o próprio Falconer em Genebra.
Mas a oferta está condicionada a que "todos os outros países trabalhem também de acordo com os mesmos parâmetros", ressalvou Falconer.
Na prática, significa o seguinte: os Estados Unidos aceitam reduzir seus subsídios internos aos produtores rurais para entre US$ 12,8 bilhões e US$ 16,2 bilhões por ano. Até agora, a oferta oficial norte-americana era cortar os subsídios para US$ 22 bilhões, embora, no ano passado, seus gastos com essa rubrica não tenham passado de US$ 11 bilhões.
É um grande passo adiante, até porque, mesmo informalmente, Washington insistia em um limite de pelo menos US$ 15 bilhões.
Mas o anúncio, confirmado em Washington pelo porta-voz do USTr, Sean Spicer, está condicionado a duas coisas:
1) A União Européia deve aceitar os números propostos por Falconer para reduzir as tarifas de importação de bens agrícolas entre 52% e 53,5%.
A liberalização na área tarifária era o segundo grande nó da negociação agrícola, ao lado dos subsídios internos norte-americanos, mas a União Européia já havia aceitado um corte "superior a 50%", o que torna os números de Falconer perfeitamente palatáveis.
2) Mas, na área de bens industriais, os grandes países emergentes, o Brasil entre eles, terão que aceitar reduzir suas tarifas bem mais do que se mostravam dispostos a aceitar até agora.
Nesse segmento, o corte nas tarifas de importação se dará segundo a chamada "fórmula suíça", que prevê um coeficiente. O corte será tanto maior quanto menor for o coeficiente.
Don Stephenson (Canadá), presidente do grupo negociador de bens industriais, propôs, para os países em desenvolvimento, um coeficiente entre 19 e 23. O Brasil, oficialmente, insistia em um coeficiente 30, mas, extra-oficialmente, admitia chegar a 25. Os Estados Unidos querem coeficiente 18.
Um coeficiente entre 19 e 23 significar reduzir as tarifas brasileiras entre 53% e 58%, afetando mais da metade das 8.800 linhas tarifárias catalogadas pela OMC.
Com coeficiente 20, por exemplo, a tarifa media brasileira cai de 31% para 11,74%; e a máxima, de 35% para 12,78%.
Os cálculos se referem sempre às tarifas consolidadas (registradas na OMC), bem mais altas que a tarifa efetivamente aplicada.
A expectativa de avanço se dá pelo fato de que todas as negociações até agora ficavam nesse jogo de "eu faço, desde que os outros também façam". Como os "outros" nunca faziam, o impasse rolava ano após ano, reunião após reunião.
Mas, agora, os EUA "fizeram", aceitando o corte nos subsídios agrícolas internos, que era o principal nó na agricultura, por sua vez o eixo da negociação.
Peter Power, porta-voz do comissário europeu de Comércio, Peter Mandelson, diz, com clareza, como o anúncio dos EUA muda o jogo: "Sem um compromisso dos Estados Unidos, o texto [de Crawford Falconer] não tinha futuro".
Como o documento Falconer era o único sobre a mesa de negociações, todo o futuro da Rodada Doha pendia de sua aceitação ou rejeição. Agora, portanto, há um futuro.
Não quer dizer que um acordo seja iminente, mas parece o momento menos nebuloso vivido pelas negociações em seus seis anos de duração.


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