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EUA dão passo que pode desbloquear Rodada Doha
País diz que aceita reduzir subsídios a agricultores
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
Os Estados Unidos deram
ontem um passo importante
capaz de, eventualmente, desbloquear a Rodada Doha, o
mais ambicioso ciclo de negociações para liberalização comercial, lançada em 2001, na
capital do Qatar, e virtualmente estancada desde então.
Os Estados Unidos se disseram dispostos a negociar com
base nas cifras expostas no documento apresentado em julho
pelo presidente do Comitê de
Negociações Agrícolas, o neozelandês Crawford Falconer,
anunciou o próprio Falconer
em Genebra.
Mas a oferta está condicionada a que "todos os outros países
trabalhem também de acordo
com os mesmos parâmetros",
ressalvou Falconer.
Na prática, significa o seguinte: os Estados Unidos aceitam
reduzir seus subsídios internos
aos produtores rurais para entre US$ 12,8 bilhões e US$ 16,2
bilhões por ano. Até agora, a
oferta oficial norte-americana
era cortar os subsídios para
US$ 22 bilhões, embora, no ano
passado, seus gastos com essa
rubrica não tenham passado de
US$ 11 bilhões.
É um grande passo adiante,
até porque, mesmo informalmente, Washington insistia em
um limite de pelo menos US$
15 bilhões.
Mas o anúncio, confirmado
em Washington pelo porta-voz
do USTr, Sean Spicer, está condicionado a duas coisas:
1) A União Européia deve
aceitar os números propostos
por Falconer para reduzir as tarifas de importação de bens
agrícolas entre 52% e 53,5%.
A liberalização na área tarifária era o segundo grande nó da
negociação agrícola, ao lado dos
subsídios internos norte-americanos, mas a União Européia
já havia aceitado um corte "superior a 50%", o que torna os
números de Falconer perfeitamente palatáveis.
2) Mas, na área de bens industriais, os grandes países
emergentes, o Brasil entre eles,
terão que aceitar reduzir suas
tarifas bem mais do que se mostravam dispostos a aceitar até
agora.
Nesse segmento, o corte nas
tarifas de importação se dará
segundo a chamada "fórmula
suíça", que prevê um coeficiente. O corte será tanto maior
quanto menor for o coeficiente.
Don Stephenson (Canadá),
presidente do grupo negociador de bens industriais, propôs,
para os países em desenvolvimento, um coeficiente entre 19
e 23. O Brasil, oficialmente, insistia em um coeficiente 30,
mas, extra-oficialmente, admitia chegar a 25. Os Estados Unidos querem coeficiente 18.
Um coeficiente entre 19 e 23
significar reduzir as tarifas brasileiras entre 53% e 58%, afetando mais da metade das
8.800 linhas tarifárias catalogadas pela OMC.
Com coeficiente 20, por
exemplo, a tarifa media brasileira cai de 31% para 11,74%; e a
máxima, de 35% para 12,78%.
Os cálculos se referem sempre às tarifas consolidadas (registradas na OMC), bem mais
altas que a tarifa efetivamente
aplicada.
A expectativa de avanço se dá
pelo fato de que todas as negociações até agora ficavam nesse
jogo de "eu faço, desde que os
outros também façam". Como
os "outros" nunca faziam, o impasse rolava ano após ano, reunião após reunião.
Mas, agora, os EUA "fizeram", aceitando o corte nos
subsídios agrícolas internos,
que era o principal nó na agricultura, por sua vez o eixo da
negociação.
Peter Power, porta-voz do
comissário europeu de Comércio, Peter Mandelson, diz, com
clareza, como o anúncio dos
EUA muda o jogo: "Sem um
compromisso dos Estados Unidos, o texto [de Crawford Falconer] não tinha futuro".
Como o documento Falconer
era o único sobre a mesa de negociações, todo o futuro da Rodada Doha pendia de sua aceitação ou rejeição. Agora, portanto, há um futuro.
Não quer dizer que um acordo seja iminente, mas parece o
momento menos nebuloso vivido pelas negociações em seus
seis anos de duração.
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