São Paulo, quinta-feira, 21 de outubro de 2004

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VISÃO DE DENTRO

Ex-presidente do banco vê exagero em decisão

GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.

O ex-presidente do Banco Central Gustavo Loyola, 51, sócio da Tendências Consultoria, considerou exagerada a decisão do Banco central de aumentar em 0,5 ponto percentual a Selic. "Eu não consigo entender o que eles estão vendo", afirmou. Para Loyola, o Banco Central está tomando uma posição muito conservadora.
 

Folha - O BC tomou a decisão correta ao aumentar a Selic?
Gustavo Loyola -
Já há algum tempo acho que não havia necessidade de novos aumentos dos juros. Eu não consigo entender o que eles estão vendo. O BC está tomando uma medida antecipatória para tentar reduzir a expectativa inflacionária para o ano que vem, que está acima do ponto de mira do BC (de 5,1%).
Mas eu vejo alguns pontos problemáticos nesse diagnóstico. Primeiro, a inflação observada está relativamente bem comportada. Não existe nenhum indicador de pressão inflacionária. Segundo, os níveis de atividade econômica estão mostrando uma certa tendência de estabilização. A demanda externa deve pressionar menos. Os indicadores são bastante tranqüilizadores no curto prazo. O BC está assumindo uma posição bastante conservadora.
Os custos podem ser excessivos, principalmente se a gente considerar a trajetória da dívida do Brasil e o próprio nível da taxa real de juro, que já é muito alta. Nos EUA, o que o Fed está fazendo é corrigir a taxa real de juro, que está negativa. No Brasil, se fosse mantida a taxa nominal de juros, a própria queda da inflação já traria um aumento da taxa real de juros.

Folha - Por que o excesso de conservadorismo?
Loyola -
Política monetária não é uma coisa que se faz com régua e compasso. Existe muita ciência, mas existe muita percepção subjetiva também. O BC pode estar atribuindo uma probabilidade de um problema inflacionário maior do que eu esteja vendo. Pode ser também um problema do perfil conservador da equipe do BC.

Folha - Quais são os riscos dessa estratégia?
Loyola -
O grande problema dessa estratégia é que existe uma espécie de contaminação das expectativas. O BC aumenta os juros porque as expectativas estão mais altas, mas ao mesmo tempo o próprio BC, ao elevar os juros, induz o aumento das expectativas.

Folha - O sr. acha que o fato de o BC ter dito antes que iria aumentar os juros influenciou a decisão?
Loyola -
Muitas vezes os bancos centrais podem se tornar prisioneiros da sua própria palavra. Eles dificilmente voltam atrás, exceto se puderem configurar a existência de um fato novo. O problema pode se tornar agudo quando os BCs estão construindo sua credibilidade. O BC pode achar que o custo de voltar atrás pode ser muito elevado. O problema é a falta de autonomia formal do BC.


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