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BÔNUS DEMOGRÁFICO
Recuo do PIB e desemprego fazem país jogar fora oportunidade criada pela queda da expansão populacional
Brasil desperdiça "ajuda" da demografia
ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO
O Brasil está desperdiçando
uma oportunidade única, do ponto de vista demográfico, de promover o crescimento econômico.
Essa chance não se repetirá,
mas, se for bem aproveitada, o
país poderá repetir nos próximos
30 anos o mesmo crescimento do
PIB per capita das décadas de 50,
60 e 70, marcadas pelos anos JK e
pelo "milagre econômico" do regime militar.
Um estudo do demógrafo José
Eustáquio Alves, da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE, mostra que, com a queda do
crescimento populacional, se o
PIB crescesse 5% ao ano até 2030,
igualaria o crescimento per capita
verificado de 50 a 70.
A principal razão desse "bônus
demográfico" é a queda na taxa de
fecundidade, que, em 2004, de
acordo com a Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios, chegou a 2,1 filhos por mulher, nível
de mera reposição populacional.
Com menos crianças, cresce a
participação da população em
idade ativa, entre 15 e 64 anos, no
total. Essa participação é medida
pela taxa de dependência. Em
1960, para cada grupo de 100 brasileiros em idade ativa, havia 81
crianças e 6 idosos. A taxa era,
portanto, de 87 "dependentes"
por 100 em idade ativa.
Desde então, a taxa vem caindo,
e as projeções populacionais indicam que chegará ao menor nível
histórico nos próximos 30 anos.
Com menos população "dependente", aumenta a possibilidade
dos trabalhadores de acumularem poupança e investirem.
Prazo de validade
Os demógrafos alertam, no entanto, de que esse bônus tem prazo para acabar. A partir de 2030, a
queda na fecundidade deverá
chegar a um limite, enquanto a
proporção de idosos no total deve
aumentar em ritmo acelerado.
Após ter chegado a 46 por 100 em
2020, a taxa de dependência será
de 59 (28 crianças e 31 idosos) para cada grupo de 100 brasileiros
em idade ativa em 2050. Em 2000,
essa taxa era de 53 por 100.
"Em qualquer país, a transição
demográfica só acontece uma vez
e somente uma vez se pode utilizar o bônus. No entanto, essa janela de oportunidade de nada
adiantará se o país não absorve a
mão-de-obra disponível, e o
maior indicador de desperdício
hoje desse bônus são as altas taxas
de desemprego", afirma Alves.
Poupança
O comportamento do emprego
nos próximos 30 anos será fundamental para definir se os idosos
do futuro ficarão dependentes da
população jovem e adulta ou se,
em vez disso, atuarão como incentivadores do crescimento econômico por terem acumulado
poupança nos anos em que a situação era mais favorável a isso.
Para Cássio Turra, pesquisador
associado da Universidade de
Princeton e do Cedeplar (Centro
de Desenvolvimento e Planejamento Regional, da UFMG), uma
população idosa com poupança e
capacidade de investir pode até se
reverter, no futuro, em uma espécie de segundo bônus.
"Daqui para a frente, a pressão
por gastos públicos com idosos
será cada vez maior. Quanto melhor aproveitarmos o bônus demográfico, mais excedente será
gerado para fazer frente às novas
demandas que acompanham o
envelhecimento. Ignorar isso é
abrir mão de uma oportunidade
única. O problema é que estamos
ao menos dez anos atrasados nesse debate", diz Turra.
Eduardo Rios-Neto, presidente
da Comissão Nacional de População e Desenvolvimento e professor do Cedeplar, afirma que o país
já perdeu grande parte do dividendo demográfico causado pelo
aumento da proporção de população ativa, mas ainda há tempo
para se beneficiar.
"Os próximos 15 anos devem
ser marcados por um planejamento de reformas e aproveitamento da dinâmica demográfica.
O país deverá ter feito todas as
suas reformas estruturais e a transição para o crescimento econômico sustentado até 2020. A partir
daí, a pressão demográfica na previdência só aumentará por causa
do envelhecimento populacional", diz Rios-Neto.
Segunda rodada
Para Turra, é preciso também
manter a estabilidade: "O país
cresceu menos do que o esperado
pela instabilidade macroeconômica dos anos 80 e inicio dos 90. A
manutenção da estabilidade nas
próximas décadas é central para
que o segundo bônus demográfico seja bem aproveitado".
Na avaliação de Sônia Corrêa,
pesquisadora da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids, é
preciso considerar que as condições globais para o crescimento
dos países latino-americanos não
são tão boas quanto as dos países
desenvolvidos e de alguns tigres
asiáticos no momento em que essas nações puderam aproveitar
seu bônus demográfico.
A pesquisadora alerta também
para o risco de querer criar políticas de controle de natalidade. "A
queda na taxa de fecundidade de
fato constituiu uma janela de
oportunidade, mas isso não pode
ser usado como argumento de
que é preciso cair mais a natalidade para beneficiar a economia",
diz Corrêa.
O demógrafo José Eustáquio Alves concorda: "Não estamos defendendo queda na fecundidade,
até porque ela já caiu, mas, uma
vez que isso aconteceu, é preciso
aproveitar a chance".
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