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População fez sua parte, agora é a economia, diz demógrafa
DA SUCURSAL DO RIO
Para a demógrafa Ana Amélia
Camarano, do Ipea (Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada), a
população já fez a sua parte para
beneficiar o crescimento econômico. Está na hora, diz ela, de a
economia fazer a parte dela.
Camarano afirma que o país
precisa também começar a discutir os efeitos da queda acelerada
de fecundidade, como fazem hoje
os países desenvolvidos, antes
que seja tarde. Leia a seguir trechos de sua entrevista à Folha:
Folha - A chegada da taxa de fecundidade brasileira ao nível de reposição surpreende?
Ana Amélia Camarano - A tendência de queda já era prevista, e
isso está acontecendo no mundo
inteiro. O que é mais difícil de prever é sua velocidade, e ela chegou
antes do previsto.
Mesmo que não caia mais, a população vai começar a diminuir
daqui a 30 anos e acelerar seu processo de envelhecimento. Temos
de começar a olhar para essa
questão para não acontecer como
no Japão, que só foi discutir o problema 20 anos depois que a taxa
de fecundidade caiu demais.
Folha - Mas a queda, no caso brasileiro, não é positiva?
Camarano - Não acho que isso
seja positivo ou negativo. Vários
demógrafos e economistas defendem que o crescimento populacional incentiva o desenvolvimento tecnológico, de produtos e
cria mercado consumidor. A população não cai num vácuo social.
Cai num contexto e isso será bom
ou ruim dependendo de como a
sociedade lidará com isso.
Folha - No entanto, no caso brasileiro, há um diferencial muito
grande de fecundidade entre as
mulheres mais pobres e mais ricas.
A diminuição entre as mais pobres
não ajudaria a reduzir a pobreza?
Camarano - Esse é o discurso que
está na mídia hoje, de que a população tem de diminuir e que essas
mulheres mais pobres têm que diminuir o número de filhos. No entanto, no mundo inteiro, inclusive
no Brasil, foi entre as mulheres
mais pobres que a fecundidade
caiu mais.
Na África subsaariana, a fecundidade vem caindo nos últimos
anos, enquanto a pobreza aumentou. Se existisse essa associação
entre redução da população e diminuição da pobreza, isso não deveria ter acontecido.
Há demógrafos que afirmam
que a população fez sua parte diminuindo a fecundidade, mas a
economia não fez a parte dela para diminuir a pobreza. Politicamente, é mais fácil mandar as mulheres diminuírem seu número de
filhos do que distribuir renda. Esse é o ponto.
Folha - Mas, como a taxa de fecundidade continua maior entre as
populações mais pobres, não há o
risco de se agravar o quadro de
concentração de renda no Brasil?
Camarano - Sim. Há o risco e ele
é mais imediato. Mas, novamente,
é malthusiano achar que é a população a vilã da história. É sempre ela que tem que resolver o
problema. Nasceu muita gente,
então fazemos política de controle de natalidade. Não nasce gente,
como no Japão, então fazemos
política para aumentar a natalidade. Está na hora de deixar a economia também fazer a parte dela.
Folha - Não seria importante garantir meios para que cada família,
inclusive as mais pobres, possa fazer seu próprio planejamento?
Camarano - Sim, mas há uma
confusão quando se fala de planejamento familiar. Planejamento
virou sinônimo de controle. As
políticas públicas têm de dar condições para a mulher ter ou não
ter filhos.
Significa também dar a ela condições de acesso a um pré-natal
adequado, de atendimento a essa
criança e a gestante no pós-natal.
Quando se fala de direitos reprodutivos no Brasil, parece que
estamos falando apenas de direitos anti-reprodutivos, mas o direito reprodutivo é também o direito de reproduzir. É o direito de
ter um filho. Mas só se pensa em
métodos anticoncepcionais. É todo um viés malthusiano presente
na mídia.
É preciso considerar que filho é
também um patrimônio afetivo
para as camadas mais pobres. É
um bem que essas mulheres têm e
se sentem valorizadas. A maternidade ainda é um papel social muito valorizado. Somente recentemente esse papel começou a ser
contestado e essa é uma das razões da queda da fecundidade.
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