São Paulo, domingo, 22 de janeiro de 2006

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População fez sua parte, agora é a economia, diz demógrafa

DA SUCURSAL DO RIO

Para a demógrafa Ana Amélia Camarano, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), a população já fez a sua parte para beneficiar o crescimento econômico. Está na hora, diz ela, de a economia fazer a parte dela.
Camarano afirma que o país precisa também começar a discutir os efeitos da queda acelerada de fecundidade, como fazem hoje os países desenvolvidos, antes que seja tarde. Leia a seguir trechos de sua entrevista à Folha:

Folha - A chegada da taxa de fecundidade brasileira ao nível de reposição surpreende?
Ana Amélia Camarano -
A tendência de queda já era prevista, e isso está acontecendo no mundo inteiro. O que é mais difícil de prever é sua velocidade, e ela chegou antes do previsto.
Mesmo que não caia mais, a população vai começar a diminuir daqui a 30 anos e acelerar seu processo de envelhecimento. Temos de começar a olhar para essa questão para não acontecer como no Japão, que só foi discutir o problema 20 anos depois que a taxa de fecundidade caiu demais.

Folha - Mas a queda, no caso brasileiro, não é positiva?
Camarano -
Não acho que isso seja positivo ou negativo. Vários demógrafos e economistas defendem que o crescimento populacional incentiva o desenvolvimento tecnológico, de produtos e cria mercado consumidor. A população não cai num vácuo social. Cai num contexto e isso será bom ou ruim dependendo de como a sociedade lidará com isso.

Folha - No entanto, no caso brasileiro, há um diferencial muito grande de fecundidade entre as mulheres mais pobres e mais ricas. A diminuição entre as mais pobres não ajudaria a reduzir a pobreza?
Camarano -
Esse é o discurso que está na mídia hoje, de que a população tem de diminuir e que essas mulheres mais pobres têm que diminuir o número de filhos. No entanto, no mundo inteiro, inclusive no Brasil, foi entre as mulheres mais pobres que a fecundidade caiu mais.
Na África subsaariana, a fecundidade vem caindo nos últimos anos, enquanto a pobreza aumentou. Se existisse essa associação entre redução da população e diminuição da pobreza, isso não deveria ter acontecido.
Há demógrafos que afirmam que a população fez sua parte diminuindo a fecundidade, mas a economia não fez a parte dela para diminuir a pobreza. Politicamente, é mais fácil mandar as mulheres diminuírem seu número de filhos do que distribuir renda. Esse é o ponto.

Folha - Mas, como a taxa de fecundidade continua maior entre as populações mais pobres, não há o risco de se agravar o quadro de concentração de renda no Brasil?
Camarano -
Sim. Há o risco e ele é mais imediato. Mas, novamente, é malthusiano achar que é a população a vilã da história. É sempre ela que tem que resolver o problema. Nasceu muita gente, então fazemos política de controle de natalidade. Não nasce gente, como no Japão, então fazemos política para aumentar a natalidade. Está na hora de deixar a economia também fazer a parte dela.

Folha - Não seria importante garantir meios para que cada família, inclusive as mais pobres, possa fazer seu próprio planejamento?
Camarano -
Sim, mas há uma confusão quando se fala de planejamento familiar. Planejamento virou sinônimo de controle. As políticas públicas têm de dar condições para a mulher ter ou não ter filhos.
Significa também dar a ela condições de acesso a um pré-natal adequado, de atendimento a essa criança e a gestante no pós-natal.
Quando se fala de direitos reprodutivos no Brasil, parece que estamos falando apenas de direitos anti-reprodutivos, mas o direito reprodutivo é também o direito de reproduzir. É o direito de ter um filho. Mas só se pensa em métodos anticoncepcionais. É todo um viés malthusiano presente na mídia.
É preciso considerar que filho é também um patrimônio afetivo para as camadas mais pobres. É um bem que essas mulheres têm e se sentem valorizadas. A maternidade ainda é um papel social muito valorizado. Somente recentemente esse papel começou a ser contestado e essa é uma das razões da queda da fecundidade.


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