São Paulo, domingo, 22 de janeiro de 2006

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TURBULÊNCIA

Com salários atrasados, funcionários passam a buscar emprego em aéreas de outros países

Crise na Varig deixa piloto no cheque especial

MAELI PRADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Do glamour às contas atrasadas no final do mês. A forte crise financeira da Varig vem incentivando alguns comandantes a buscar trabalho em empresas de outros países. Além dos recorrentes atrasos salariais e do não-pagamento de direitos, como o 13º salário, os pilotos, muitos dos quais viveram os tempos áureos da empresa, lidam com o desencanto da derrocada da Varig e a indefinição sobre o futuro da companhia.
A Varig aprovou um plano para sua reestruturação societária, mas ainda não é certo que novos investidores -essenciais neste momento- capitalizarão a aérea.
"O dia-a-dia está muito complicado. Ficamos felizes que o processo de reestruturação tenha sido aprovado, mas a empresa não precisaria ter chegado ao estado que chegou", diz Cássio Teixeira César de Oliveira, 39, piloto do grupo desde 1998. "A maioria dos colegas está no cheque especial", completa ele, que voa rotas domésticas pela Nordeste (empresa aérea do grupo que, como a Rio Sul, teve sua malha unificada com a Varig em 2002).
Quando começou a voar pela companhia, recorda, o sonho de grande parte dos pilotos era entrar na Varig. "Há uns três anos, começamos a perceber que a empresa foi perdendo fôlego. Houve redução de horas trabalhadas, e a Varig começou a perder aviões."
No ano em que Oliveira entrou na empresa, a Varig liderava o mercado. Em 2005, a companhia caiu para terceira do mercado doméstico, com 26,7%, atrás da TAM e da Gol, segundo o DAC (Departamento de Aviação Civil).
A queda no "market share" refletiu no bolso dos funcionários. "De três anos para cá, minha vida financeira virou um inferno. Eu devo para o banco, para o meu pai e pago juros altíssimos para os bancos. Tive que mudar todo o meu cronograma de pagamento porque só pagam os salários no final do mês", relata o piloto J.L., 42, que preferiu não ser identificado na reportagem.
Os comandantes ressaltam, entretanto, que a situação financeira e a tensão a respeito do futuro da companhia não influenciam seu trabalho. "Enquanto estamos voando, deixamos nossos problemas fora. Temos uma responsabilidade muito grande em relação aos passageiros", diz J.L.
Segundo os pilotos ouvidos pela Folha, a companhia continua mantendo respeito total às regras trabalhistas do sindicato dos aeronautas, como quantidade de horas trabalhadas.
A necessidade de corte de custos dentro da empresa -as demissões são um dos caminhos mais evidentes para isso, já que a Varig tem um quadro de funcionários inchado- coloca principalmente os pilotos da companhia na linha de frente.
Segundo informações enviadas pelo conselho de administração da aérea no ano passado à Justiça do Rio de Janeiro, que acompanha o processo de recuperação judicial, Varig, Rio Sul e Nordeste possuíam na época cerca de 1.740 pilotos, ou seja, 22,3 comandantes por aeronave.
A quantidade de pilotos, segundo o documento elaborado na ocasião, é 45% maior do que a das companhias internacionais comparáveis à Varig, o que não acontece no caso de comissários.
"A sensação é que os pilotos são mais visados. Mas o profissionalismo é grande, sabemos que não podemos deixar a empresa parar agora", diz Oliveira, que faz parte da APN (Associação dos Pilotos da Nordeste).

Efeito psicológico
O impacto da crise da Varig sobre seus pilotos não é só financeiro também por conta do perfil dos comandantes da aérea. Muitos são filhos de pilotos que também trabalharam vários anos na empresa, como é o caso de Quites Júnior, 43, que está na empresa desde 1985.
"Meu pai foi piloto da Varig e aposentou-se no final dos anos 90. Ele trabalhou na empresa por 32 anos, e era muito feliz no trabalho", diz ele, que fez curso de piloto nos Estados Unidos e atualmente voa rotas internacionais.
"Independentemente do problema que enfrentamos nos últimos anos, tenho orgulho de ser piloto da Varig. Sabemos que a empresa vai ter que fazer alguns sacrifícios, como demissões, para recuperar-se", diz o piloto.

Alternativas internacionais
Em meio à avalanche de problemas da Varig, os pilotos da empresa estão sendo seduzidos cada vez mais pelas propostas de companhias da China, Índia ou mesmo de países da Europa, que precisam de comandantes experientes para suas aeronaves.
"Gostamos muito da empresa, mas sabemos que talvez tenhamos que nos sacrificar para que ela continue. Estou avaliando se aceito uma proposta para trabalhar na China", afirma Oliveira.
Alguns pilotos da aérea tiram licença ou pedem demissão da companhia para ir voar em outras empresas. Se a faixa salarial de um piloto de Boeing-737 no Brasil é de R$ 9.000, na Europa é de US$ 8.000.
Na Ásia, o valor é um pouco menor, mas as companhias oferecem facilidades como pagamento de aluguel e escola de inglês para os filhos dos pilotos.


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