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ARTIGOS
País em desenvolvimento deve abandonar moeda
Peter Parks - 22.jul.05/France Presse
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Visitantes em exposição de cédulas de yuan em Pequim, na China; moedas de países em desenvolvimento são mais sensíveis a crises |
BENN STEIL
ESPECIAL PARA O "FINANCIAL TIMES'
De todas as objeções que
costumam ser levantadas
contra a globalização -incluindo
os danos que supostamente causa
a igualdade de rendas, direitos
dos trabalhadores, democracia e
ambiente-, nenhuma é tão convincente quanto o caos que crises
cambiais periodicamente causam
nos países em desenvolvimento.
Economistas defensores da globalização, como Martin Wolf, do
"Financial Times", e meu colega
Jagdish Bhagwati, reconhecem
que os fluxos de capital são seu
calcanhar-de-aquiles. Wolf argumentou que, até agora, os ganhos
gerados pela integração dos mercados emergentes aos mercados
mundiais de capital "foram questionáveis, e os custos das crises,
enormes". Bhagwati criticou a "liberalização financeira apressada e
imprudente". Eu gostaria de dizer
que eles estão errados, pois qualquer justificativa para controles
de capital parece ser admissão de
derrota diante dos sempre equivocados inimigos da globalização.
Ainda assim, é importante reconhecer que aquilo que vemos como globalização não é a mesma
coisa que o liberalismo econômico clássico aplicado em escala
mundial, e que a globalização moderna pode apresentar problemas
mesmo que o liberalismo que lhe
serve de arcabouço não tenha falhas. A melhor prova pode ser obtida no estudo de uma era muito
anterior de globalização, entre o
final da década de 1870 e 1914.
Não só o mundo era, então, comparativamente bastante integrado, em indicadores comerciais,
mas diversos dos indicadores financeiros também apontam para
uma melhor integração. A paridade de poder aquisitivo e a equalização das taxas reais de juros se
sustentavam internacionalmente
em grau que não se vira até lá, e
que não voltou a se repetir nas décadas posteriores. Os déficits e superávits médios, como porcentagem dos PIBs, eram duas vezes
maiores do que os atuais. E alguns
estudos demonstraram que os
fluxos de capital faziam um trabalho mais eficiente ao equiparar o
capital disponível às necessidades
de investimento, no período.
Talvez o mais surpreendente seja o fato de que os fluxos de capital
de curto prazo na realidade desempenhavam importante papel
de estabilização: os déficits comerciais podiam ser financiados
confiavelmente por influxos de
curto prazo, estimulados por uma
alta modesta nas taxas de juros de
curto prazo. Além disso, embora
crises financeiras ocorressem, a
recuperação tendia a ser consideravelmente mais rápida.
O sistema monetário que evoluiu durante a globalização do final do século 19 e começo do século 20 era muito diferente do
atual. Conhecido como "padrão-ouro", ele operava pelo uso voluntário de reservas de ouro pelos
países como lastro para suas moedas nacionais, a uma taxa de câmbio fixa. O Banco da Inglaterra desempenhava papel essencial, já
que o mundo confiava em sua dedicação a essa conversibilidade, o
que dava aos investidores confiança para transferir fundos.
Além disso, os países que enfrentavam crises financeiras em geral
passavam por entradas, e não saídas, aceleradas de ouro. À medida
que os preços dos ativos internos
caíam, após uma crise, a expectativa de que as taxas de câmbio e os
preços dos ativos retornassem aos
níveis anteriores à crise devido ao
compromisso dos governos para
com o padrão-ouro estimulava as
importações do metal.
O "sistema" monetário internacional criado depois de 1971 abarca cerca de 200 moedas, que circulam na forma de promissórias
não passíveis de resgate. Durante
a era da globalização com padrão-ouro, os preços das commodities
se alinhavam no panorama internacional de maneira mais ou menos tão eficiente quanto se alinhavam entre as diferentes regiões de
um mesmo país. Hoje, nos acostumamos a tal ponto a um mundo
de moedas nacionais que passamos a considerar normal não o
alinhamento internacional de
preços de commodities, mas sim
o movimento de toda a estrutura
de preços de um país, para baixo e
para cima, para ajustar a toda a
estrutura de preços de um segundo país. Assim, uma queda no
preço mundial de uma commodity como o café, em dólares, tende a não produzir a diversificação
e o abandono das formas ineficientes de produção, gerando em
lugar disso uma inflação que afeta
toda a economia, e desvalorizações de câmbio nos países em que
os exportadores de café tenham
influência política. O banco central distorce todos os demais preços da economia para impedir a
adaptação do país à queda nos
preços mundiais do café. Essa é a
raiz do desenvolvimento estagnado de muitos países mais pobres.
Estabilidade
O exemplo clássico dos motivos
que justificam a livre flutuação
cambial de uma moeda se baseia
nos efeitos estabilizadores do uso
da taxa de câmbio para proteger
os juros internos contra movimentos nas taxas de juros estrangeiras, e a capacidade de reduzir
taxas de juros para enfrentar recessões. Mas os indícios apontam
para o oposto: sob regimes de
câmbio livres, as taxas de juros
dos países em desenvolvimento
se tornam mais sensíveis às internacionais, e cresce a probabilidade de que tenham de subir em vez
de cair, numa recessão, para impedir fuga de capitais.
Crises cambiais se tornaram
agora uma séria preocupação, especialmente para países com regimes de câmbio fixo ou de âncora
cambial. Nas duas décadas passadas, diversas crises afligiram países da América Latina e da Ásia,
bem como nações nas fronteiras
européias, especialmente Rússia e
Turquia. O problema emergiu
quando esses países tentaram
aproveitar as oportunidades de
um mercado internacional de capitais dominado pelo dólar. Para
os países em desenvolvimento, isso acarreta risco fatal: os credores
precipitam crises quando temem
desvalorizações e moratórias das
dívidas denominadas em dólares.
Em resumo, os países em desenvolvimento não vêem benefícios
econômicos reais quando adotam
uma política monetária independente. Suas taxas de juros na prática ficam atreladas às americanas, e suas importações de capital
em dólares os expõem a crises
cambiais que seriam evitadas pelo
uso de um lastro em ouro como o
que sustentava a globalização do
século 19 e tornava impossível política econômica independente.
Conversão
Hoje, a melhor opção para os
países em desenvolvimento cujo
objetivo é uma integração segura
à globalização seria substituir
suas moedas por dinheiro aceito
internacionalmente: dólar ou euro. O país com melhor desempenho econômico na América Latina em 2004 foi o politicamente
volátil Equador, que cresceu 6,6%
com inflação de 2,7%, a menor
em 30 anos. O Equador dolarizou
sua economia em 2000. Se a
União Européia fosse sábia, mudaria radicalmente sua política
quanto à ampliação da zona do
euro e ofereceria assistência à
Turquia e outros países para que
adotassem a moeda de imediato.
Os inimigos da globalização se
sentirão ultrajados diante de tamanho golpe contra a "soberania
monetária". Mas esse conceito é
um dos mais prejudiciais dentre
os fetiches relacionados à soberania que surgiram no século 20.
Moedas de prata espanholas e
mexicanas circularam livremente
nos EUA até o final do século 19.
Papas medievais chegavam a condenar soberanos por adulterarem
conteúdo de metal em suas moedas, e essa continua a ser a fatal
solução dos países para cada dor
de dente econômica que os aflige.
Basta estudar o caso da Argentina, que voltou a gerar inflação de
dois dígitos, para constatar as reações adversas à globalização que
emergem das ruínas depois de experiências fracassadas com moedas nacionais que ninguém deseja
manter em seus portfólios. A era
dourada da globalização do século 19 nos ensinou que os fluxos de
capital não precisam ser o calcanhar-de-aquiles de sua atual reencarnação. A chave é reconstruir a
globalização com base em moedas que as pessoas desejem usar
sem que a isso sejam obrigadas.
Benn Steil é diretor de economia internacional no Conselho de Relações Internacionais e co-autor de "Financial Statecraft: The Role of Financial Markets in American Foreign Policy" [Estadismo financeiro: o papel dos mercados financeiros na política externa americana].
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