São Paulo, domingo, 22 de janeiro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A tirania dos interesses escusos

MARTIN WOLF
DO "FINANCIAL TIMES"

Por que alguns países são ricos e tantos outros são pobres? Por que vem se provando tão difícil para as nações estagnadas recuperar o terreno que as separa das mais prósperas? São as questões mais importantes no ramo da economia. Adam Smith tentou respondê-las. E William Lewis, diretor fundador do McKinsey Global Institute, foi um dos estudiosos que, ao seguir seus passos, o fez de maneira mais perceptiva, em "The Power of Productivity: Wealth, Poverty and the Threat to Global Stability" [o poder da produtividade: riqueza, pobreza e a ameaça à estabilidade mundial]. A resposta dele daria orgulho ao autor de "A Riqueza das Nações": competição impiedosa, abrangente, justa e aberta.
O conhecimento quanto às maneiras de gerir produtivamente uma atividade econômica não é mistério. As mais bem-sucedidas empresas do mundo sabem como fazê-lo em todos os setores. Os investidores estão à procura de investimento lucrativo em todo o mundo. Mas não conseguem achá-lo em muitos países em que os produtores são ineficientes.
Como isso aconteceu? A resposta é que as pessoas que estão no poder, as empresas líderes, os políticos e burocratas corruptos, os trabalhadores protegidos por arranjos formais de emprego e os beneficiários de subsídios governamentais se combinam para criar oposição à competição aberta, que os forçaria a adotar mudanças econômicas pouco confortáveis. Os intelectuais inimigos do mercado também elogiam essa recalcitrância. O resultado é uma oposição perene e generalizada à competição.
Lewis e seus colegas conseguiram demonstrar a importância da competição e de sua ausência ao dedicar seus recursos ao estudo detalhado de setores e empresas individuais. Combinando assim microeconomia e desfechos macroeconômicos, eles enriqueceram nossa compreensão quanto às raízes da produtividade.
Assim, quais são as mais importantes conclusões que tiraram?
Primeiro, mais de 5 bilhões de seres humanos vivem em economias improdutivas. Cerca de 800 milhões de pessoas vivem em economias altamente produtivas, e não mais de 340 milhões de pessoas vivem naquilo que Lewis classifica como "o sopé da colina". Tomados como um todo, os esforços de desenvolvimento do último meio século fracassaram.
Segundo, foram descobertas apenas duas rotas eficientes para o desenvolvimento: o caminho da alta produtividade e dos insumos de baixa intensidade tomado pelos EUA e o caminho da baixa produtividade e dos insumos de alta intensidade tomado pelo Japão e Coréia do Sul. A Europa Ocidental segue o caminho norte-americano, mas com mais distorções, especialmente quanto ao uso da mão-de-obra.
Terceiro, números imensos de trabalhadores se dedicam ao setor de construção, mesmo nos países em desenvolvimento. Assim, a produtividade desses setores e seus derivados desempenha papel importante no cômputo da produção geral per capita. A excepcional produtividade desses ramos da economia americana, especialmente a distribuição varejista, exerce efeitos positivos sobre toda a economia. Na maioria dos países, porém, esses serviços são geradores de empregos de baixa especialização, com efeitos adversos sobre a produtividade geral.
Quarto, nem os níveis de educação nem a falta de capital são obstáculos intransponíveis à produtividade. Trabalhadores mexicanos analfabetos atingem níveis de produtividade elevados na construção de casas em Houston. A Toyota conseguiu sucesso em elevar seus níveis de produtividade para perto dos padrões japoneses, em fábricas de todo o mundo. O investimento direto de empresas internacionais de primeira linha é capaz de superar obstáculos se puder ser feito sem interferência.
Por fim, a competição sem distorções nos mercados de produtos é o determinante de longo prazo mais influente em produtividade. A competição é a maneira pela qual as empresas mais produtivas se destacam. No Reino Unido, porém, a competição no varejo é distorcida pelos controles de planejamento, e no Japão é protegida pelas medidas de proteção ao varejo de pequena escala.
Mas é nos países em desenvolvimento que a competição sofre os obstáculos mais sistemáticos. Os casos de Brasil, Rússia e Índia são de chorar. Em muitos países em desenvolvimento, empresas legítimas competem contra companhias que não pagam impostos, ignoram a regulamentação e roubam propriedade intelectual. No Brasil, onde o governo gasta 39% do PIB, o ônus da tributação sobre as empresas legítimas se torna paralisante, e a proporção do emprego urbano pela qual elas respondem vem caindo. Mas é na Índia que os esforços de distorção da competição se transformaram em verdadeira arte.
Para os países ricos da Europa Ocidental e para o Japão, as lições são duas: a competição é importante, e distorcê-la com proteções a pequenas empresas uma rota prejudicial para os objetivos de distribuição de renda.
Mas é para os países em desenvolvimento que as implicações são mais valiosas e menos palatáveis. Uma das revoluções de que precisam é intelectual. Os líderes nacionais precisam compreender que os objetivos da política não devem ser promover crescimento de produtores específicos, mas defender os interesses dos consumidores e, com eles, a competição. A abertura para a economia mundial importa por isso. A competição internacional explica por que os setores exportadores do Japão e da Coréia do Sul são tão produtivos e o restante das economias desses países não o é.
Infelizmente, o necessário envolve também uma revolta contra a conspiração de interesses escusos predatórios. Quase todo mundo estaria em melhor situação se fosse possível desarmar esses interesses de maneira simultânea. Mas isso sempre foi difícil de fazer. Numa democracia com grupos de interesses políticos bem posicionados, é quase impossível. O resultado não é desarmamento, mas destruição econômica mutuamente assegurada.
Competição livre e justa parece simples de obter. Mas nada está mais longe da verdade: a competição incomoda os intelectuais que se deslumbram com Estado benevolente, os burocratas que administram programas do governo, as empresas que recebem favores do Estado e, em resumo, todos aqueles que se beneficiam das distorções. A competição beneficia as pessoas que ficam de fora, muitas vezes desprezadas, em detrimento dos bem relacionados e bem posicionados. A surpresa talvez seja o fato de que alguns países tenham enriquecido, e não que tantas nações sejam pobres.


Traduções nesta página de Paulo Migliacci


Texto Anterior: Artigos: País em desenvolvimento deve abandonar moeda
Próximo Texto: Realidade virtual: Jogos on-line criam economia paralela
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.