São Paulo, terça-feira, 22 de fevereiro de 2005

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OPINIÃO ECONÔMICA

Triste madrugada foi aquela...

BENJAMIN STEINBRUCH

Se eu fosse do governo Lula, colocaria as barbas de molho depois da madrugada da última terça-feira, dia 15, quando o PT foi derrotado na escolha do presidente da Câmara dos Deputados.
A história dessa derrota já foi contada em prosa e verso nos últimos dias. Foi um verdadeiro pastelão, decorrente da incapacidade do partido do governo de operar politicamente uma eleição que era ganha por definição. O governo consegui perder para um deputado independente.
O fato agora é que o governo precisa tratar esse episódio levando em conta aquilo que ele realmente representa, um tropeço político. Mais um tropeço preocupante na curta história do governo Lula, uma lição para o ano eleitoral que vem aí, em 2006. Nas eleições municipais do ano passado, as classes médias dos grandes centros urbanos já manifestaram seu descontentamento, e o governo tropeçou: perdeu o controle político em centros importantes, como São Paulo e Porto Alegre. As classes empresariais também se mostram insatisfeitas com a carga tributária e o alto custo do dinheiro -a nova ameaça da burocracia de Brasília é a elevação dos juros de longo prazo cobrados nos financiamentos de investimentos produtivos.
Na raiz desses tropeços estão a arrogância e a empáfia de alguns responsáveis pelo comando do governo. Esse comportamento, que levou à derrota na eleição para a presidência da Câmara, se apresenta também em setores do comando da economia. É dessa forma, com arrogância e empáfia, que vem sendo conduzida a política monetária, pouco se lixando para as opiniões contrárias. Depois de seis meses de seguidos apertos monetários sem resultados palpáveis para desaquecer a demanda ou para reduzir a inflação em direção à meta de 5,1%, o Banco Central voltou a aumentar a dose de seu remédio ineficaz na semana passada, ao elevar a taxa básica de juros para 18,75%. Os únicos efeitos dessa seqüência de reajustes feitos na Selic desde setembro têm sido o aumento da dívida pública e a supervalorização do real, essa uma grave ameaça para as exportações.
Se persistir nesse comportamento, o governo corre o risco de tropeçar também naquilo que mais tem dado prestígio à atual administração, o crescimento da economia. Uma eventual overdose de juros poderá comprometer o atual ciclo de expansão. Então, não sobrará nada para ser mostrado na corrida eleitoral de 2006.
Cabe ao presidente Lula colocar as barbas de molho e se agarrar naquilo que ainda está dando certo. Se realmente tem a vontade de reeleger-se, deveria perseguir obstinadamente a idéia de consolidar um ciclo positivo na economia. Tentar criar condições para um largo período de crescimento da produção e do emprego, de uma década pelo menos, em que o consumo se mantenha em alta ao mesmo tempo em que avancem os investimentos para aumentar a oferta de produtos.
Esse é o único caminho para o Brasil. Em qualquer área da vida, na economia, na política ou nos negócios, a soberba sempre produz resultados como os da triste madrugada do dia 15.


Benjamin Steinbruch, 50, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional e presidente do conselho de administração da empresa.

E-mail - bvictoria@psi.com.br


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