|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ARTIGO
Grande apetite da Ásia garante mercado de commodities sadio
MARTIN WOLF
DO "FINANCIAL TIMES"
Como um ano faz diferença!
Doze meses atrás, o espectro
da deflação deprimia os economistas. Agora, a inflação o substituiu como a ansiedade do momento. O que está causando esse
novo temor? "A alta dos preços
das commodities" é a resposta.
Mas estamos observando uma
bolha temporária, um aviso de inflação global ou uma alta dos preços das commodities em longo
prazo, enquanto a China ganha
força na economia mundial?
Desde outubro de 2001, o índice
de preços gerais de commodities
da "Economist" aumentou 59%.
Os preços das matérias-primas
industriais saltaram 73%. Os preços do óleo cru passaram de US$
20 por barril em dezembro de
2001 para mais de US$ 32 hoje. Os
preços dos alimentos saltaram
5,6% em março, enquanto os preços da soja aumentaram 12,2%
também em março e estão com
alta de 80% nos últimos oito meses. Os preços dos metais subiram
quase 50% nos últimos 11 meses.
Esses aumentos certamente não
são a marca de uma economia
global ameaçada pela deflação.
Mas eles devem ser colocados firmemente em contexto. Desde o
início dos anos 80 os preços das
commodities tiveram três altas
-no final dos anos 80, em meados dos anos 90 e hoje- e também três declínios -na década
de 80, no início da de 90 e no início deste século. O aumento atual
não é maior do que os anteriores,
mesmo em termos nominais. Em
termos reais (com os preços das
commodities deflacionados pelo
índice de preços ao consumidor
dos EUA), os preços estão bem
abaixo dos picos alcançados em
ciclos anteriores: o índice de preços gerais está 24% mais baixo em
termos reais do que em dezembro
de 1994, 43% mais baixo do que
em maio de 1988 e 58% mais baixo que em janeiro de 1980.
A alta recente nos preços das
commodities também coincidiu,
como de hábito, com o enfraquecimento do dólar. Em euros, o aumento dos preços das commodities foi muito modesto. O índice
geral de preços das commodities
aumentou apenas 19% em euros
desde outubro do ano passado. A
extensão da alta dos preços das
commodities é muito exagerada
pelo uso do dólar como unidade
contábil.
Até agora, portanto, esse é um
aumento modesto e de modo nenhum anormal dos preços das
commodities. Mas a história seria
muito diferente se esse fosse o início de uma alta sustentada dos
preços. Isso é provável? Para responder a essa pergunta, devemos
examinar os determinantes do
aumento da demanda: a recuperação cíclica, o dólar fraco e a ascensão da Ásia (exceto o Japão),
particularmente da China.
A história da recuperação hoje
está bem definida. As previsões
mostram crescimento global de
13,7% neste ano, contra 2,6% no
ano passado. A região Ásia-Pacífico tem previsão de crescimento
de 4,3%, contra 3,8% no ano passado -a China cresce 8,3% e o Japão, 3%. A previsão de crescimento para os EUA é de 4,6%,
contra 3,1% no ano passado. Até a
zona do euro tem previsão de
crescer 1,6%, contra 0,4% em
2003. Diante dessa recuperação, a
alta nos preços das commodities,
a partir dos níveis nominais muito baixos e reais ainda mais baixos
alcançados há dois anos e meio,
foi normal.
O ciclo do dólar virou mais ou
menos na mesma época que o dos
preços das commodities. Isso
ocorre em parte devido à mudança no valor do dólar como unidade contábil, em parte porque as
commodities são uma proteção
clássica contra a incerteza sobre o
valor prospectivo da moeda mais
importante do mundo. Aqui as
forças em ação são o enorme déficit em conta corrente dos EUA e a
política monetária expansionista
do Federal Reserve (banco central
norte-americano). Estas levantam questões sobre o poder aquisitivo do dólar em longo prazo,
externa e internamente. Com toda a probabilidade, o dólar será
uma moeda razoavelmente fraca
em médio prazo. Isso manterá os
preços das commodities, pelo
menos em termos de dólares.
A recuperação e o dólar fraco
são forças temporárias. Mas também há uma mudança estrutural
nos mercados de commodities: a
China. O impacto do gigante asiático sobre esse mercado já é substancial. Sua participação no consumo mundial de soja, por exemplo, aumentou de 11% em 1997
para 19% em 2003. Sua parcela no
consumo mundial de algodão aumentou de 25% em 1999 para
32% no ano passado. Sua participação no consumo mundial de
cobre refinado saltou de 11% em
1999 para 20% no ano passado
-quase um terço a mais do que
os Estados Unidos. Sua parte no
consumo mundial de petróleo
também subiu, embora muito
menos drasticamente, de 5,5% do
total mundial em 1998 para 7% no
ano passado.
Entre 2001 e 2003, o consumo
mundial de cobre refinado aumentou 6,3%. Mas o consumo no
resto do mundo (sem a China)
aumentou apenas 1,4%. De maneira semelhante, o consumo
mundial de algodão subiu 3,4%
entre 2001 e 2003, enquanto o
consumo no resto do mundo
(sem a China) caiu 2,4%. O consumo mundial de soja subiu 9,3%
entre 2001 e 2003. Sem a China,
aumentou apenas 3,3%.
Hoje a economia chinesa é a
sexta maior do mundo (em dólares correntes). Nos 12 meses anteriores a novembro de 2003, as exportações e importações de mercadorias da China foram ambas
as terceiras maiores do mundo,
depois dos EUA e da Alemanha.
Mas a ascensão do Japão e mesmo
das economias recém-industrializadas do extremo oriente (Hong
Kong, Cingapura, Coréia do Sul e
Taiwan) foi apenas igualmente
significativa no passado. A diferença está principalmente no futuro. À medida que se mantiver a
convergência do padrão de vida
nos países mais avançados, o impacto da China será muito maior
que o de seus antecessores do extremo oriente.
A conclusão, portanto, é que esse não foi um aumento marcante
dos preços das commodities, até
agora. Sem o crescimento da China, a demanda e os preços das
commodities teriam sido ainda
mais fracos. O futuro deverá ser
diferente, porém. A China e, com
o tempo, a Índia vão gerar grande
parte da maior demanda mundial
por commodities básicas nas próximas décadas.
A chegada da China é uma notícia excelente para os fornecedores
mundiais em dificuldades. Talvez
não garanta um aumento constante dos preços. Mas garante um
mercado mais dinâmico. Somente por isso os produtores já ficarão
muito gratos.
Tradução de Luiz Roberto
Mendes Gonçalves
Texto Anterior: Nota do JP Morgan abala Brasil de novo Próximo Texto: Dilema: Estudo liga nova meta a expansão maior Índice
|