São Paulo, quinta-feira, 22 de abril de 2004

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ARTIGO

Grande apetite da Ásia garante mercado de commodities sadio

MARTIN WOLF
DO "FINANCIAL TIMES"

Como um ano faz diferença! Doze meses atrás, o espectro da deflação deprimia os economistas. Agora, a inflação o substituiu como a ansiedade do momento. O que está causando esse novo temor? "A alta dos preços das commodities" é a resposta. Mas estamos observando uma bolha temporária, um aviso de inflação global ou uma alta dos preços das commodities em longo prazo, enquanto a China ganha força na economia mundial?
Desde outubro de 2001, o índice de preços gerais de commodities da "Economist" aumentou 59%. Os preços das matérias-primas industriais saltaram 73%. Os preços do óleo cru passaram de US$ 20 por barril em dezembro de 2001 para mais de US$ 32 hoje. Os preços dos alimentos saltaram 5,6% em março, enquanto os preços da soja aumentaram 12,2% também em março e estão com alta de 80% nos últimos oito meses. Os preços dos metais subiram quase 50% nos últimos 11 meses.
Esses aumentos certamente não são a marca de uma economia global ameaçada pela deflação. Mas eles devem ser colocados firmemente em contexto. Desde o início dos anos 80 os preços das commodities tiveram três altas -no final dos anos 80, em meados dos anos 90 e hoje- e também três declínios -na década de 80, no início da de 90 e no início deste século. O aumento atual não é maior do que os anteriores, mesmo em termos nominais. Em termos reais (com os preços das commodities deflacionados pelo índice de preços ao consumidor dos EUA), os preços estão bem abaixo dos picos alcançados em ciclos anteriores: o índice de preços gerais está 24% mais baixo em termos reais do que em dezembro de 1994, 43% mais baixo do que em maio de 1988 e 58% mais baixo que em janeiro de 1980.
A alta recente nos preços das commodities também coincidiu, como de hábito, com o enfraquecimento do dólar. Em euros, o aumento dos preços das commodities foi muito modesto. O índice geral de preços das commodities aumentou apenas 19% em euros desde outubro do ano passado. A extensão da alta dos preços das commodities é muito exagerada pelo uso do dólar como unidade contábil.
Até agora, portanto, esse é um aumento modesto e de modo nenhum anormal dos preços das commodities. Mas a história seria muito diferente se esse fosse o início de uma alta sustentada dos preços. Isso é provável? Para responder a essa pergunta, devemos examinar os determinantes do aumento da demanda: a recuperação cíclica, o dólar fraco e a ascensão da Ásia (exceto o Japão), particularmente da China.
A história da recuperação hoje está bem definida. As previsões mostram crescimento global de 13,7% neste ano, contra 2,6% no ano passado. A região Ásia-Pacífico tem previsão de crescimento de 4,3%, contra 3,8% no ano passado -a China cresce 8,3% e o Japão, 3%. A previsão de crescimento para os EUA é de 4,6%, contra 3,1% no ano passado. Até a zona do euro tem previsão de crescer 1,6%, contra 0,4% em 2003. Diante dessa recuperação, a alta nos preços das commodities, a partir dos níveis nominais muito baixos e reais ainda mais baixos alcançados há dois anos e meio, foi normal.
O ciclo do dólar virou mais ou menos na mesma época que o dos preços das commodities. Isso ocorre em parte devido à mudança no valor do dólar como unidade contábil, em parte porque as commodities são uma proteção clássica contra a incerteza sobre o valor prospectivo da moeda mais importante do mundo. Aqui as forças em ação são o enorme déficit em conta corrente dos EUA e a política monetária expansionista do Federal Reserve (banco central norte-americano). Estas levantam questões sobre o poder aquisitivo do dólar em longo prazo, externa e internamente. Com toda a probabilidade, o dólar será uma moeda razoavelmente fraca em médio prazo. Isso manterá os preços das commodities, pelo menos em termos de dólares.
A recuperação e o dólar fraco são forças temporárias. Mas também há uma mudança estrutural nos mercados de commodities: a China. O impacto do gigante asiático sobre esse mercado já é substancial. Sua participação no consumo mundial de soja, por exemplo, aumentou de 11% em 1997 para 19% em 2003. Sua parcela no consumo mundial de algodão aumentou de 25% em 1999 para 32% no ano passado. Sua participação no consumo mundial de cobre refinado saltou de 11% em 1999 para 20% no ano passado -quase um terço a mais do que os Estados Unidos. Sua parte no consumo mundial de petróleo também subiu, embora muito menos drasticamente, de 5,5% do total mundial em 1998 para 7% no ano passado.
Entre 2001 e 2003, o consumo mundial de cobre refinado aumentou 6,3%. Mas o consumo no resto do mundo (sem a China) aumentou apenas 1,4%. De maneira semelhante, o consumo mundial de algodão subiu 3,4% entre 2001 e 2003, enquanto o consumo no resto do mundo (sem a China) caiu 2,4%. O consumo mundial de soja subiu 9,3% entre 2001 e 2003. Sem a China, aumentou apenas 3,3%.
Hoje a economia chinesa é a sexta maior do mundo (em dólares correntes). Nos 12 meses anteriores a novembro de 2003, as exportações e importações de mercadorias da China foram ambas as terceiras maiores do mundo, depois dos EUA e da Alemanha. Mas a ascensão do Japão e mesmo das economias recém-industrializadas do extremo oriente (Hong Kong, Cingapura, Coréia do Sul e Taiwan) foi apenas igualmente significativa no passado. A diferença está principalmente no futuro. À medida que se mantiver a convergência do padrão de vida nos países mais avançados, o impacto da China será muito maior que o de seus antecessores do extremo oriente.
A conclusão, portanto, é que esse não foi um aumento marcante dos preços das commodities, até agora. Sem o crescimento da China, a demanda e os preços das commodities teriam sido ainda mais fracos. O futuro deverá ser diferente, porém. A China e, com o tempo, a Índia vão gerar grande parte da maior demanda mundial por commodities básicas nas próximas décadas.
A chegada da China é uma notícia excelente para os fornecedores mundiais em dificuldades. Talvez não garanta um aumento constante dos preços. Mas garante um mercado mais dinâmico. Somente por isso os produtores já ficarão muito gratos.


Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves


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