|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ARTIGO
EUA resistem a fazer mudanças que evitariam fraudes contábeis
PAUL KRUGMAN
"Eu sugeriria a você que a
inovação mais importante
no que tange à formação do mercado de capitais dos EUA foi a
idéia de princípios contábeis de
aceitação geral". Foi o que declarou Lawrence Summers, então secretário-assistente do Tesouro
norte-americano, em discurso de
1998. Summers encoraja as problemáticas economias asiáticas,
então em meio a uma desastrosa
crise financeira, a imitar a "transparência e prestação de contas"
ao estilo americano.
Agora, são os Estados Unidos
que têm problemas com a contabilidade de suas grandes empresas, uma questão exemplificada
pela Enron. Será que seguiremos
o conselho que oferecemos aos
outros? Forneceremos aos investidores os fatos de que precisam
para tomar decisões informadas?
Provavelmente não.
Para as empresas norte-americanas em geral, 1997 foi um marco. De acordo com estatísticas do
governo, os lucros corporativos
gerais cresceram rapidamente entre 1992 e 1997, mas a seguir se estagnaram; os lucros líquidos no
quarto trimestre de 2000 mal superavam os resultados de três
anos antes. Mas os lucros operacionais das empresas que compõem o índice Standard & Poor's
500 -ou seja, os lucros reportados pelas empresas aos investidores- haviam crescido 46% ao
longo desses três anos.
Há motivos técnicos que explicam que esses indicadores de lucro não precisam crescer exatamente à mesma razão, mas historicamente seu desempenho sempre se manteve próximo. Por que
surgiu uma divergência tão considerável em prazo tão curto? Certamente o principal motivo foi o
fato de que depois de 1997 as empresas passaram cada vez mais a
usar truques contábeis para criar
a ilusão de lucros ascendentes.
O ponto é que os líderes das empresas estavam desesperados por
manter os preços de suas ações
em alta, em um ambiente em que
qualquer coisa abaixo de 20% de
crescimento de lucros era considerada um fracasso. E por que estavam desesperados? Para resumir: opções. A alta das bolsas,
combinada a pacotes cada vez
mais generosos de opções de
ações, conduziu a uma explosão
na remuneração de executivos.
Em 1980, os executivos-chefes de
grandes empresas, de acordo com
estimativas da revista "Business
Week", ganhavam, em média, 45
vezes mais do que os funcionários
sem cargos de liderança. Por volta
de 1995, no entanto, esse indicador subira a 160, e chegara a 305
em 1997. Os executivos-chefes
queriam perpetuar os bons momentos, e o fizeram: em 2000, embora os lucros não tenham aumentado, eles estavam recebendo
em média 458 vezes mais do que
os trabalhadores comuns.
O ponto aqui não é que os executivos de primeiro escalão ganhem demais, ainda que isso indubitavelmente seja verdade; o
problema é que sejam recompensados em dinheiro quando criam
a ilusão de sucesso, sem que a realidade pareça importar.
E é exatamente esse tipo de situação que as normas contábeis
supostamente deveriam evitar. O
que permitiu que os nossos imperadores corporativos escondessem sua nudez foi uma combinação de normas mal definidas e auditores complacentes. Muitas das
grandes empresas de auditoria
aparentemente estavam muito satisfeitas em serem enganadas pela
prestidigitação contábil das corporações, desde que continuassem conquistando lucrativos contratos de consultoria.
É hora de uma reforma? Não, de
acordo com algumas pessoas.
Hoje, o Comitê Bancário do Senado deve debater uma proposta de
Paul Sarbanes, seu presidente,
que adotaria medidas modestas
para dar início a uma reforma nos
padrões contábeis. O projeto foi
endossado por alguns dos nomes
mais respeitados do mundo financeiro -pessoas como Paul
Volcker, o grande ex-chairman
do Fed, e John Bogle, famoso investidor. Mas o senador Phil
Gramm, emprestando toda a sua
influência a um esforço feroz de
lobby empreendido pelo setor de
auditoria, deixou claro que tentará bloquear o projeto.
Eu gostaria de evitar qualquer
posicionamento partidário aqui
-realmente gostaria. E evidentemente existem democratas que
receberam grandes contribuições
das empresas de auditoria. Mas o
atual esforço por impedir qualquer reforma significativa nos padrões contábeis é explicitamente
uma iniciativa republicana, e dirigida do topo do partido. O jornal
"The New York Times" informa
que Gramm "está trabalhando
em estreito contato com o governo Bush" em seus esforços por
bloquear a proposta de Sarbanes.
A honestidade na contabilidade
empresarial não é questão de esquerda ou de direita. Trata-se de
proteger os investidores contra a
exploração praticada por pessoas
detentoras de informações privilegiadas. Ao bloquear a reforma
de um sistema defeituoso, o governo Bush está favorecendo os
interesses de uma minúscula oligarquia corporativa em detrimento de todo mundo.
Uma consideração final. Não é
apenas uma questão de tratar lealmente os investidores dos Estados Unidos. Como as nações asiáticas antes de sua crise, os Estados
Unidos confiam pesadamente em
influxos de capital estrangeiro, influxos que dependem da fé internacional na integridade dos mercados norte-americanos. O governo Bush pode acreditar que os
investidores não têm outro lugar
para ir, que o dinheiro continuará
entrando mesmo que não haja reforma. Isso é exatamente o que
Suharto acreditava.
Paul Krugman, economista, é professor
na Universidade Princeton (EUA). Este
artigo foi originalmente publicado pelo
jornal "The New York Times".
Tradução de Paulo Migliacci
Texto Anterior: Crise em Wall Street: Merrill paga US$ 100 mi por enganar cliente Próximo Texto: Concorrência: Revenda perde monopólio da Microsoft Índice
|