São Paulo, sábado, 22 de junho de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Manter a calma em jogo nervoso

GESNER OLIVEIRA

Da disparada do risco Brasil na quinta-feira ao apito final do juiz mexicano Felipe Rizo na madrugada de sexta, a adrenalina se manteve nas alturas. Quando Owen fez o gol para os ingleses aos 23min do primeiro tempo e a falsa maldição da camisa azul parecia concretizar-se, estabeleceu-se uma vantagem que não refletia o que as duas equipes apresentavam em campo. O Brasil jogava melhor e tinha condições de continuar impondo seu ritmo.
Da mesma forma, a elevação do Brasil à condição de vice-campeão de risco soberano à frente da concordatária Nigéria e atrás apenas da falida Argentina não corresponde aos fundamentos da economia brasileira.
Pelo menos três fatos acerca do endividamento brasileiro merecem lembrança para acalmar um pouco os ânimos. Em primeiro lugar, o crescimento da dívida interna depois do Plano Real não pode ser extrapolado para o futuro. Conforme já foi mostrado nesta coluna, a expansão da dívida mobiliária nos últimos anos se deveu em boa medida a fatores específicos, como a renegociação das dívidas estaduais, a assunção de obrigações efetivas, mas que não haviam sido explicitadas (os famosos "esqueletos"), e a criação de um colchão de gerenciamento, precisamente para enfrentar situações de instabilidade como a atual.
Em segundo lugar, a atual estrutura de prazos da dívida interna é melhor do que a que prevalecia em circunstâncias externas mais graves, como por ocasião da crise da Ásia. O prazo médio dos papéis emitidos em leilão é de 24,7 meses, contra apenas 6,82 meses em dezembro de 1997.
Em terceiro lugar, mesmo considerando o encurtamento de prazos observado nas últimas semanas, os vencimentos para a virada do ano, naturalmente abrangendo a próxima administração, não representam algo exorbitante que não possa ser honrado. A média mensal de vencimentos de títulos públicos no quarto trimestre de 2002 e no primeiro trimestre de 2003 ainda é inferior à média dos vencimentos verificados nos primeiros cinco meses de 2002 (R$ 22 bilhões).
Além disso, a dívida pública brasileira como proporção do PIB de cerca de 55% não é elevada comparativamente à experiência internacional e é muito fácil demonstrar sua estabilidade ao longo do tempo, mantidos os parâmetros básicos da política econômica.
Se o time brasileiro tivesse entrado em pânico depois do gol de Owen, ou após a discutível expulsão de Ronaldinho, os ingleses, e não a seleção brasileira, estariam neste momento se prepararando para a semifinal da próxima quarta-feira. Da mesma forma, em persistindo um comportamento de manada de fuga de ativos dos países emergentes, a volatilidade dos últimos dias pode persistir. Se não houver calma, corre-se o risco de as expectativas pessimistas, descoladas dos fundamentos da economia, afetarem negativamente esses últimos, caracterizando uma profecia auto-realizável.
No final da Copa de 1958, quando a Suécia abriu o placar na final com o Brasil, aos 4min, para o delírio da torcida da casa, Didi, vestindo a mesma camisa azul da seleção brasileira, recolheu a bola no fundo das redes e serenamente se dirigiu ao centro do gramado, pedindo calma aos companheiros e abrindo o caminho para o primeiro campeonato mundial do Brasil. Eis um bom exemplo para os agentes de mercado e as autoridades econômicas.


Gesner Oliveira, 46, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-SP, consultor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br


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