São Paulo, sábado, 22 de junho de 2002

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LUÍS NASSIF

A Intel e o chip nacional

A visita do chairman da Intel, Craig Barrett, trouxe à tona uma das grandes frustrações dos últimos anos, que foi a perda da fábrica de chips para a Costa Rica. De certo modo foi um divisor de águas, assim como a questão Bombardier-Embraer. O segundo colocou na agenda nacional a questão das batalhas comerciais em organismos multilaterais. O primeiro, a importância de políticas industriais na atração de investimentos de ponta.
O Brasil começou a chamar a atenção dos grandes fabricantes em 1999, quando a Motorola começou a se mexer para desenvolver circuitos integrados no Brasil. Hoje em dia, há mais de cem projetistas em seus laboratórios.
Em 2000, Vanda Scartezini, do Ministério de Ciência e Tecnologia, procurou contatar os colegas brasileiros que trabalhavam em multinacionais, para ter uma visão mais objetiva sobre como viam o Brasil. A Intel foi a primeira a apresentar ressalvas quanto à situação brasileira. Ficou claro que não haveria espaço para uma fábrica no Brasil por vários motivos -o principal deles era a ausência de um arcabouço fiscal e legal adequado, o que dificultava bastante a entrada e a saída de materiais.
A falta dessa estrutura fez a Intel montar a fábrica na Costa Rica, com investimentos totais de US$ 6 bilhões. Mesmo assim, o modelo não é o ideal para o país hospedeiro. O lucro que fica na Costa Rica é muito baixo, porque a produção consiste em mandar para lá o "die" -o chip nu. Lá é trabalhada pelo projetista e pelos designers. Mas a propriedade intelectual fica nos EUA. É por isso que 65% da exportação norte-americana, hoje em dia, é de propriedade intelectual, de softwares, chips, filmes, música, direitos de designer de sapatos.
Na época, o Ministério do Desenvolvimento, por meio da Cacex, e o Ministério de Ciência e Tecnologia estudaram formas de atração de empresas. Mas o ambiente internacional já não era favorável. Havia ociosidade de 40% nas unidades fabris de circuitos integrados, saturação do setor de telecomunicações e terceira geração de celulares que não ia para a frente. Esse cenário acabou se confirmando amplamente em 2001.
Se havia ociosidade, a necessidade maior era de novos produtos e de gente inovando. Apenas nos Estados Unidos existe um déficit de cerca de 3.000 projetistas por ano. A estratégia do Ministério do Desenvolvimento e do Ministério de Ciência e Tecnologia foi tirar o foco da disputa dos custos para o da especialização. Todos os grandes "players" globais estão instalados no país, trabalhando com mesma metodologia, lógica e níveis produtividade similares às de suas matrizes.
O desafio, portanto, é aprimorar essa oferta de mão-de-obra especializada, a fim de ganhar valor agregado em produtos. No setor agrícola o Brasil tornou-se um campeão porque consegue ir à base da tecnologia, dominando os processos e atuando na modificação dos produtos agrícolas.
No caso de eletrônica, se não fizer a mesma coisa, em projeto de chips e de softwares, não haverá inovação em telecomunicações, automação, informática e mesmo nos eletroeletrônicos convencionais.
A estratégia para ganhar essa competência e atrair fabricantes internacionais passa pela formação acelerada de especialistas. Com a Motorola, o Ministério de Ciência e Tecnologia está trabalhando na formação de projetistas de circuitos integrados. O curso foi montado e está aberto a qualquer um da área, do mercado querendo voltar para o setor ou mesmo físicos recém-formados.
Esses estudantes estão sendo estimulados a criar pequenas empresas. A Intel se dispôs a enviar especialistas para auxiliar na metodologia de trabalho e de marketing internacional das incubadoras.
É importante que o governo se detenha na questão da propriedade intelectual. Se vai fornecer desenvolvedores, designers, projetistas, é fundamental que nos acordos de atração de investimento se introduzam cláusulas permitindo que a criação intelectual fique com o país.

E-mail - lnassif@uol.com.br



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