São Paulo, sábado, 22 de julho de 2000


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LUÍS NASSIF

A morte de um mestre

Morto ontem , de infarto, Aloysio Biondi foi o mais importante jornalista econômico brasileiro, desde que a imprensa descobriu o jornalismo econômico, em meados dos anos 60. Começou a atuar mais firmemente na imprensa nesse período, época em que o jornalismo econômico engatinhava. Na fase inicial, Biondi trouxe componentes técnicos, de análises de empresas e de conjuntura, aliados a um espírito altamente polêmico e a uma enorme capacidade de remar na contramão da maioria, que foi sua característica principal.
Nos anos 70 militou na imprensa nanica e desde então foi um fecundo formador de jornalistas. Em toda redação por que passava deixava discípulos.
Era um radical na defesa de suas idéias, em tudo o que o termo encerra de qualidades e defeitos. Em meados dos anos 80 Biondi atingiu o seu auge, como jornalista e analista.
No início do ano o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) havia detectado o movimento de recuperação da economia. A enorme recessão do início da década -após a moratória de 1982- chegava ao fim.
Quando a oposição chegava ao poder, em 1985, a economia estava em recuperação. Dos principais jornalistas de oposição nos anos 70, crítico implacável da política econômica de Delfim, Biondi resolveu apostar na intuição e defender com unhas e dentes a tese da recuperação. Foi o único jornalista a apostar todas as suas fichas nos estudos do BNDES.
Os críticos utilizavam os indicadores tradicionais da macroeconomia como se fossem dogmas cristãos, mas com objetivos claramente políticos; Biondi deixava a teoria de lado e focava na realidade. Muitas vezes forçou a barra para comprovar suas teses. Aliás, sempre foi um mestre no uso das ênfases em favor de suas teses. Mas por trás de tudo isso havia o uso criativo da intuição -algo que pode chocar os tecnicistas, mas que permitia uma visão de conjunto da economia fundamente calcado em sinais da realidade.
Nessa época, ele me passou uma lição inesquecível, aparentemente simples, mas que representava -pelo menos representou para mim- uma profunda mudança de paradigma na forma de analisar a economia. "A gente vai vendo notícias boas daqui e dali", dizia ele, "aí as boas notícias começam a se avolumar. A economia é assim mesmo, é como uma bola descendo uma montanha cheia de neve. Quando ganha velocidade, vai aumentando, até provocar uma avalanche". Vale para notícias boas ou ruins.
Ou seja, o resultado final da economia é a soma de um conjunto variado de fatores. Em vez de analisar cada fator por si, olhe o conjunto. Se não conseguir entender o conjunto, vá juntando cacos da realidade. Se muitos cacos indicarem que a economia está melhorando -ou piorando-, é porque ela está melhorando (ou piorando). Em vez de ficar teorizando e adaptando a realidade a sua teoria, constate primeiro qual é a realidade e só depois vá se preocupar com as explicações.
Biondi sempre foi um intuitivo brilhante, que abominava as teorias e não tinha muito respeito pelos números. Como todo radical, era capaz de sacadas exemplares ou então de rejeitar fatos e evidências que pudessem colocar sua tese em xeque. Manteve até o fim seu estilo de tomar partido.
Mas, com sua cabeça dura e seu coração enorme, ajudou não apenas o jornalismo econômico como toda uma geração de economistas a pensar a economia de uma forma sistêmica. Nesse sentido, foi de um pioneirismo exemplar.


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